O que era para ser uma sabatina virou sermão e três ex-ministros do presidente não fizeram nada para defendê-lo das críticas do “guru”

Olavo de Carvalho no bate-papo “conservador” com três ex-ministros de Bolsonaro: sincericídio de um lado e subserviência do outro | Foto: Reprodução

Não se pode negar que, com a repercussão da live com Olavo de Carvalho, o fim de ano “conservador” – ou pelo menos, de um grupo representativo entre eles – foi em grande estilo e furou a bolha da extrema-direita brasileira, alcançando até a mídia tradicional. Talvez não com o viés que esperavam, é preciso dizer.

Antes de começar de fato, por que usar a palavra “conservador” assim, entre aspas? Porque, em respeito aos verdadeiros conservadores – aqueles que prezam pela preservação dos valores e da estabilidade de uma sociedade, de modo que ela possa se desenvolver sem sobressaltos –, não se deve dar a mesma legitimidade a quem diz fazer isso, mas tem o espalhamento de desinformação e teorias conspiratórias como método. É o caso do grupo em tela, como será relatado.

No centro do conspiracionismo nacional, denunciando desde refrigerantes à base de fetos abortados a um alentado comunismo dos maiores bilionários do planeta, sempre esteve ele: Olavo de Carvalho, o filósofo autodidata que um dia já foi marxista e astrólogo e hoje se diz católico tradicional, mesmo sem o menor pudor ao expelir os xingamentos mais baixos. Ainda que com esse perfil no mínimo polêmico, para a extrema-direita brasileira ele é, mais do que um intelectual, “o” guru.

E foi com esse espírito de entidade maior que Olavo tomou parte como convidado especial do último Conservatalk do ano, um programa comandado por Paulo Figueiredo Filho, neto do último general-presidente do período da ditadura militar, João Baptista Figueiredo.

Para sabatiná-lo – talvez quem assista tudo ao final ache que o melhor termo seria “adulá-lo” –, o apresentador convocou, além de outros participantes, três ex-ministros de Jair Bolsonaro (PL): Ernesto Araújo, o qual, nas Relações Exteriores, se orgulhou de ter levado o Brasil à condição de “pária” internacional; Abraham Weintraub, o “Midas ao contrário” do Ministério da Educação; e Ricardo Salles, aquele incendiário que transformou a pasta do Meio Ambiente em caso de polícia. Também apareceram os deputados federais Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) – descendente da família imperial e pretendente ao título de “príncipe” – e Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), que presidiu a comissão especial sobre a questão do voto impresso, e o empresário Lucas Bove.

Não custa lembrar: todos os supostos sabatinadores do filósofo são da tropa de choque bolsonarista. Mas, diante do “guru” – Salles, por exemplo, lembrou que conhece Olavo e seus cursos há 14 anos e reiterou elogios ao mestre diversas vezes –, mesmo observando dele ataques contundentes ao modo de Bolsonaro conduzir seu mandato, foram tomados por um silêncio que nenhum esquerdista conseguiria fazê-los manter.

Na live, depois de receber as loas de todos, Olavo abriu o verbo com indefectíveis autoelogios. Por exemplo, se disse o primeiro a ter denunciado a existência do Foro de São Paulo – um grupo de lideranças políticas de esquerda da América Latina que, aliás, nunca escondeu sua existência e seu propósito de unir forças e trocar experiências.

Mas, logo em seguida (a partir do minuto 19), ele começou a emendar críticas ao presidente diante de seus apoiadores – além dos participantes da reunião, havia os milhares de assistentes ao vivo, mais de 90% seguidores de Bolsonaro.

Foram alguns minutos de sincericídio que constrangeram a mesa virtual de “notáveis” e dividiu a caixa de comentários da transmissão. Vamos a algumas declarações do filósofo nesse tempo:

“A eleição de Bolsonaro foi a grande chance, a meu entender, já perdida (…) Foi tratar de querer parecer bom administrator, quis parecer ser o novo Juscelino Kubitschek, perdeu tempo!”

“Bolsonaro é um sujeito que aprecia ser insultado, humilhado, achincalhado. Tudo o que faz é para perder a guerra. Só não perde a popularidade, mas popularidade não é poder. O povo brasileiro não tem poder nenhum. A elite inteira está contra Bolsonaro e continua mandando no pedaço.”

“Pessoal se iludiu muito com a eleição de Bolsonaro. Eleição não é nada, é zero! Cargo eletivo não é poder, o poder está na sociedade. O poder é quantas pessoas te obedecem, não quantas pessoas gostam de você.”

“Bolsonaro não é obedecido em praticamente nada! Quem manda no Brasil é a turma do STF, da mídia e do show business e pronto e acabou!

“No Brasil só há duas possibilidades: ou você é comunista ou você é neutro. Não existe direita, existe bolsonarismo. Essa é a raiz de todos os males e o Brasil vai se dar muito mal. Não venham com esperanças tolas, a briga já está perdida.”

“Imaginam que eu sou o guru do Bolsonaro. Isso é absolutamente falso. Conversei com Bolsonaro quatro vezes na vida. E duvido que ele tenha lido meu livro inteiro. Se tivesse lido, muita coisa ele não faria. E os demais livros, e meu curso? Tenho um curso com 570 aulas, ele assistiu alguma? Nenhuma! Minha influência sobre o Bolsonaro é zero!

“Ele [Bolsonaro] me usou como ‘poster boy’, para se promover e se eleger! Depois, não só esqueceu o que eu dizia, até meus amigos que estavam no governo ele tirou. Para mim, isso não significa nada, só indiquei dois ministros por educação, ele me convidou para ser ministro da Educação e eu não aceitei, então indiquei por educação. Não foi um ato político, foi só polidez pessoal.”

“[A esquerda] Nunca saiu do poder. Saíram da Presidência, mas quem manda no Brasil é o Zé Dirceu. É o Foro de São Paulo, são as Farc, é o narcotráfico e o Zé Dirceu. Quem está nos cargos oficiais não manda nada, ministro não manda nada!” (após ser questionado por Weintraub sobre uma possível volta do PT)

“O STF trabalha 100% para comunistas, é a coisa mais óbvia do mundo, porra! Soltando todos os criminosos comunistas e prendendo seus inimigos? Inimigos que não fizeram nada, que não cometeram crime nenhum! Que crime cometeu Sara Winter? Que crime cometeu Daniel Silveira? Coisinhas que eles falaram, crime de opinião. O Brasil está cheio de presos políticos, todo mundo da direita!”

Enquanto isso, nos comentários, diversas reações. Boa parte louvava o filósofo:

  • “Olavo tem razão!” (a frase clássica),
  • Olavo de Carvalho mais do que correto dando uma lição incrível, só existe a extrema esquerda.”
  • “Olavo é um gênio!”
  • “Se Olavo fosse o guru, ele [Bolsonaro] não seria o burro que é!”
  • “Olavo é sábio, ele está falando isso para as pessoas acordarem!”

Outra parte estava raivosa e inconformada:

  • “Já jogou a toalha Olavo?”
  • “Propondo desistir, professor Olavo?! Nunca!”
  • “Vamos somar com Bolsonaro e não diminuir”
  • “Que negativo, cara, tô saindo!”
  • “Bolsonaro não é de direita. Só o presidente menos à esquerda da República”

Como qualquer caixa de comentários, havia desde zoações de opositores a ideias pouco brilhantes de apoiadores, como a de lançar Abraham Weintraub como candidato a presidente para pôr “as pautas conservadoras em debate novamente”.