“Inseparáveis” terá tradução de Ivone Benedetti. Sartre e a própria escritora não se entusiasmaram com a história

Simone de Beauvoir, escritora francesa | Foto: Reprodução

Jean-Paul Sartre era mais filósofo e Simone de Beauvoir, mais escritora. “A Náusea”, ficção de Sartre, teria sido reescrita pela companheira de jornada? Pelo menos, teria passado por uma revisão rigorosa. Porque ela tinha mais imaginação literária. No momento, há uma tentativa de resgatá-la como filósofa, ainda que mais importante seja firmá-la como prosadora na história da literatura francesa. Qual é o seu lugar entre gigantes como Balzac, Stendhal, Flaubert, Proust e Gide? O que tem a ver com a prosa moderna dos “estranjas” Joyce e Faulkner e com os franceses do nouveau roman? O fato é que construiu seu espaço como escritora — para além da “guerreira feminista” — e está sobrevivendo. Bem? Aparentemente, sim. Sartre “fica” como filósofo? O tempo dirá. Beauvoir talvez permaneça como autora de romances de ideias. Romances-ensaios. Talvez na linhagem de Thomas Mann.

A prova de que Beauvoir está “viva” é que, em outubro, será feito o lançamento mundial de “Inseparáveis” (“Les Inséparables”), romance inédito. No Brasil será publicado pela Editora Record e a tradução será de Ivone Benedetti (o que é sinônimo de qualidade).

Sartre, Jorge Amado e Simone de Beauvoir | Foto: Reprodução

O livro romanceia a história da amizade entre Beauvoir e uma amiga, Zaza, que morreu, de encefalite, aos 21 anos. Segundo texto de “O Globo”, “a convivência entre as duas ajudou a moldar as opiniões de Beauvoir sobre desigualdade de gênero e sexismo”.

Escrito em 1954, o romance foi deixado de lado. Por que será? Talvez a autora não percebesse solidez na história. Mas, quando um escritor morre, quase tudo que escreveu e não quis publicar, quiçá por não considerar de qualidade, é desencavado. Em parte, porque é um trunfo comercial para a indústria do livro (e para alguém da família). Afinal, um “novo” romance de Beauvoir pode se tornar best-seller transnacional. Depois, sobretudo para estudiosos do conjunto da obra, talvez seja útil para mapear a evolução das ideias literárias e, sim, das ideias políticas da autora. As ideias de “Inseparáveis” podem ter sido usadas como andaimes para obras mais consistentes? Sartre teria uma opinião negativa da história, e sua opinião contava, ou às vezes contava, para Beauvoir. Mas, como ela era confiante no seu talento, é provável que tenha concluído, por si, que a história não era lá grande coisa. Na época em que a escreveu tinha 46 anos, e estava plenamente madura, como escritora. Guardar arquivos, dos quais se pode tirar alguma ideia para um outro livro, não é o mesmo que desejar que sejam publicados.

Entrevistada pelo “New York Times”, Sylvie Le Bon, filha adotiva de Beauvoir, sugere que há mais histórias inéditas. O filão parece inesgotável. Alguma coisa equivalente ao livro “O Segundo Sexo” — bíblia do feminismo? É possível que não.