Editora de Portugal lança livro com 18 contos inéditos de Fernando Pessoa

31 março 2015 às 08h24
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O livro é organizado pela professora Ana Maria Freitas, do Instituto de Estudos sobre o Modernismo, da Universidade Nova de Lisboa
Luís de Camões, Fernando Pessoa e Herberto Helder são os três maiores portugueses de todos os tempos. O trio pode ser comparado a Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Fernando Pessoa, mais conhecido como poeta — de fato, é sua poesia que o tornará eterno —, escreveu contos. A Editora Assírio & Alvim, de Portugal, coloca nas livrarias a coletânea “Estrada do Esquecimento e Outros Contos” (256 páginas) — com 18 textos inéditos —, na quinta-feira, 9 de abril.
Fernando Pessoa, que morreu em 1935, aos 47 anos, era um escritor completo e complexo, que se interessava inclusive por cinema. Sua obra, como mostra a coletânea, parece inesgotável (aliás, o que já está publicado enseja, ano a ano, novas interpretações — indicando a vitalidade de sua poesia).
Ana Maria Freitas, pesquisadora do Instituto de Estudos sobre o Modernismo, da Universidade Nova de Lisboa, organizou os contos e é a autora da introdução. A crítica disse à agência Lusa (a reportagem saiu no jornal “Diário de Notícias”): “Esta, como outras edições da obra de Pessoa, partiu de textos que não tinham ainda atingido um estado final. Embora a intenção de publicar nunca estivesse longe do pensamento de Pessoa, pouco da sua obra de ficção foi publicado em vida. Este fato implica que qualquer edição da sua obra tenha de percorrer o caminho que o autor fez ao criar os seus textos e tentar adivinhar as suas intenções para garantir a fidelidade ao seu projeto”.
Ana Maria Freitas sublinha que “a organização da prosa ficcional confronta o editor com as dificuldades próprias da obra de Pessoa — a fragmentaridade e a incompletude de uma obra sempre em progressão — a que se vêm juntar a dispersão e a não correspondência entre títulos e textos. A escrita é feita em continuidade, os textos são retomados ao longo do tempo e deixados, muitas vezes, em aberto, como se ao autor repugnasse o ato de encerrar, de fechar as hipóteses a explorar numa narrativa”.
A Assírio & Alvim, uma das mais respeitadas editoras europeias, ressalta que o trabalho de edição de Ana Maria Freitas foi “rigoroso”. “Este livro vem aprofundar, decisivamente, o conhecimento que temos sobre uma área importante da criação pessoana, trazendo a público 20 contos de Fernando Pessoa até agora inéditos”, anota a editora. Uma sinopse da Livraria Bertrand, www.bertrand.pt, menciona 20 contos inéditos, mas o texto da agência Lusa, cujo título é “Perto de 20 contos inéditos de Pessoa publicados quinta-feira”, revela que são 18. Mas a confusão, se há, origina-se no texto da editora, que efetivamente fala em 20 contos “inéditos”.
A pesquisadora Ana Maria Freitas destaca que “a coerência conceptual, que é marcante na obra de Pessoa, também se encontra nos contos, onde são evidentes as conexões com a obra poética e ensaística. Nesta, como noutras áreas da sua obra, o autor organiza repetida e exaustivamente os seus projetos literários em listas e esquemas que, juntamente com registros e anotações, possibilitam uma reconstituição do seu projeto literário”.
Quanto aos contos, que não eram o forte de Fernando Pessoa, a professora Ana Maria Freitas diz que “a planificação projetada não apresenta uma estabilidade organizativa tão perfeita como a que se encontra, por exemplo, nas novelas policiárias [policiais], também elas escritas ao longo do tempo. Os esquemas referem títulos de que não se encontra rastro, fragmento ou anotação correspondente. Terão existido somente na imaginação do seu autor, com hipótese de enredo a desenvolver? É o caso dos títulos ‘Recordações de Carlos Amaral’, ‘Despedida do caixa’, ‘Manuscrito de um alienista doido’, ‘N dimensões’ e ‘Razões que tinha o engenheiro Dantas para ser materialista’, por exemplo, que não têm um corpo de texto identificável”.
A pesquisadora revela que outros contos ganham “presença destacada em vários esquemas redigidos em momentos diferentes da vida do autor, [e] revelam uma incompletude que indiciaria um trabalho de escrita incipiente”. Ana Maria Freitas menciona “O elogio histórico de D. Miguel Roupinho’, conto que, “apesar da incompletude que lhe retira sentido, ocupa um lugar importante no conjunto ficcional planeado”.
O texto de divulgação da Assírio & Alvim assinala que “a obra do autor de ‘Mensagem’ se tem ‘revelado mais vasta do que inicialmente se imaginou”.
Entre os 18 contos inéditos estão “A Estrada do esquecimento”, “O caso do sargento falso”, “A trincheira”, “Uma tarde clerical”, “A caçada”, “Um conto”, “O prior de Buarcos”, “O que fazia o bem”, “O José Mole”, “Gastrônomo” e “A perda do hiate Nada”. A Lusa informa que “dois contos são parcialmente inéditos: ‘O crime do Dr. Cerqueira’ e “O vencedor do tempo’”. Outros contos do livro: “Fábula imoral” e “As memórias de Constantino Dix”.
Há outro livro de prosa de Fernando Pessoa, “O Mendigo e Outros Contos”.