David Fallis diz que leitores cobram mais jornalismo investigativo

David Fallis, editor-adjunto de investigações do “Washington Post”: “As pessoas estão dispostas a pagar por um jornalismo de qualidade”

Márcio Leijoto vai dirigir o núcleo de jornalismo investigativo de “O Popular”. Não se faz jornalismo investigativo se há “medo” na redação e se as empresas não têm independência econômica. A reportagem que escarafuncha os bastidores, tanto do setor privado quanto do setor público, agrada os leitores, mas não aqueles que detêm algum tipo de poder. O Grupo Jaime Câmara é sólido financeiramente, mas terá condições de patrocinar repórteres intimoratos? Não se sabe. Resta saber, por fim, se Márcio Leijoto tem experiência suficiente para coordenar pesquisadores experimentados.

O jornal “Zero Hora”, de Porto Ale­­gre, criou o Grupo de Investigação (GDI), núcleo que aglutina jornal, rádio e TV do Grupo RBS. Os resultados têm sido positivos. Repórteres com mais de 15 anos de profissão publicam reportagens sobre crimes de colarinho branco e desvios no serviço público. Intrincados casos policiais, que nem sempre podem ser esclarecidos por repórteres da cobertura diária, têm merecido destaque da equipe de repórteres.

O jornal americano tem uma tradição de jornalismo investigativo desde a ascensão de Ben Bradlee — e até antes — e contribuiu, de maneira decisiva, para a renúncia do presidente Richard Nixon. Um grupo de jornalistas — Bob Woodward e Carl Bernstein são apenas os mais conhecidos — investigou, com isenção e coragem, os bastidores do governo de Nixon e descobriu, além da grampolândia do escritório do Partido Democrata, outros malfeitos dos republicanos. O poder pressionou, fez ameaças e destratou, mas a publisher do “Post”, Katharine Gra­ham, bancou os jornalistas. Ela não exigiu sequer os nomes de suas fontes. O Ca­so Watergate tornou o “Post” um gran­de jornal. Mostrou coragem, determi­nação e competência, além de independência.

Jeff Bezos, criador da Amazon, comprou o “Post” e deixou a redação livre para fazer jornalismo. O presidente Donald Trump não exerce nenhum controle na redação. Por isso sua irritação com os jornalistas do “Post” e “New York Times”, aliás, contra repórteres de quaisquer jornais e revistas que não endossem suas posições políticas. O poder, em qualquer lugar, só aprecia jornais e jornalistas subservientes — às vezes escolhem os adjetivos (e, até, os advérbios) para qualificá-los.

Na quarta-feira, 6, o GDI entrevistou (por e-mail, o que não permite um diálogo mais vívido) o jornalista Davis Fallis, editor-adjunto de investigação do “Washington Post”.

O GDI inquire sobre a “conexão” entre jornalismo investigativo e o presidente Donald Trump, que “tem posição clara contra a imprensa”. David Fallis sublinha que “o jornalismo investigativo é sempre importante, não importa o que os funcionários públicos pensem da imprensa. Uma imprensa livre é fundamental para a democracia e uma das nossas principais funções como jornalistas é responsabilizar o nosso governo em todos os momentos”.
Como a entrevista foi feita por e-mail, os repórteres do GDI não puderam perguntar por que a imprensa americana era mais, digamos, “suave” com o ex-presidente Barack Oba­ma. Fica-se com a impressão de que o democrata po­dia se comportar qua­se como James Bond, notadamente em termos de política internacional. Por quê? Primeiro, porque atendia civilizadamente os repórteres. Segundo, escondendo sua ação dura noutros países, adotou uma retórica compassiva — o que agradava parte dos jornalistas. Ressalve-se que alguns jornalistas mantiveram-se críticos durante o governo Obama e até escreveram livros duros a respeito.

“Quais são os principais desafios às investigações?”, indaga o GDI. “O principal desafio com o jornalismo investigativo é que o jornalista normalmente está iniciando o processo com ausência de fatos — é por isso que é investigativo”, afirma Davis Fallis. “A reportagem geralmente começa com uma dica ou uma hipótese, mas é o jornalista quem tem de encontrar um caminho de reportagem. Muitas vezes, isso é um desafio. Pode haver documentação limitada, ninguém estar disposto a ser entrevistado. E o processo de reportagem, uma vez concluído, pode levar o repórter a uma descoberta que é muito diferente da indicada pela sugestão original. É por isso que uma reportagem investigativa muitas vezes leva tempo e pode ser uma maratona, não é uma corrida rápida.” No Brasil, aqui e ali, força-se a barra para que a realidade traduza a pauta e não para que a reportagem traduza a realidade. E a pressa tende a produzir reportagens mais literárias — imaginativas — do que precisas.

O “Post” conta com “uma unidade de investigação de 16 repórteres e três editores”. Há duas equipes: a de “ataque rápido” — a que produz reportagens investigativas que exigem pressa (mas podem demorar uma semana ou um pouco mais ou um pouco menos) — e a de projetos de longo prazo. Há outros repórteres investigativos nas editorias do jornal.

As principais aptidões para ser jornalista investigativo são, segundo Davis Fallis, “domínio dos princípios do jornalismo, incluindo a capacidade de sintetizar material muito complicado e elaborar uma história clara e convincente. Também ser curiosos, muito céticos e altamente criativos”. Ser dono de texto final e ser responsável na coleta de informações são pontos essenciais, porque os editores nem sempre têm tempo e disponibilidade para checar todas as informações. Na revista “New Yorker”, os repórteres produzem reportagens e relatórios — daí uma equipe de checadores escrutina todas as informações e dados. Reportagens que, a princípio, pareciam do balacobaco, porque estavam muito bem escritas (o jornalismo pode ser literário, mas a imaginação não pode criar informações e universos paralelos), às vezes são jogadas no lixo. Porque a verificação dos dados comprovou que não se sustentava factualmente.

Jornais e revistas, mesmo os sérios, têm eventualmente desvirtuado seus princípios, concentrando-se na publicação de fofocas — em busca de visualizações. Isto significa que os leitores estão mais interessados em textos “chocantes” (palavra da moda para títulos na internet)? David Fallis discorda: “O público é capaz de discernir o jornalismo de qualidade. E também procura por jornalismo investigativo. Quando fazemos reportagens investigativas, ouvimos das pessoas que elas querem ler mais esse tipo de matérias, não menos”.

O leitor está mesmo disposto a pagar por um “jornalismo diferenciado”? Davis Fallis aposta que sim. “Acredito que as pessoas estão dispostas a pagar por um jornalismo de qualidade e acho que o sucesso do ‘Post’ demonstrou isso. Ouvi pessoas dizerem que assinam o ‘Post’ porque temos jornalismo de qualidade, incluindo reportagens de investigação.”

Sobre os jornais que estão trocando a reportagem de qualidade e o jornalismo analítico pela fofoca há apenas uma lição: não tem retorno. O jornalismo trash contamina tudo e todos — e inclusive gera um público que pede, não mais qualidade, e sim mais lixo. l