Editor do “Washington Post” sugere que leitor quer e precisa de jornalismo de qualidade
09 dezembro 2017 às 09h44
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David Fallis diz que leitores cobram mais jornalismo investigativo
Márcio Leijoto vai dirigir o núcleo de jornalismo investigativo de “O Popular”. Não se faz jornalismo investigativo se há “medo” na redação e se as empresas não têm independência econômica. A reportagem que escarafuncha os bastidores, tanto do setor privado quanto do setor público, agrada os leitores, mas não aqueles que detêm algum tipo de poder. O Grupo Jaime Câmara é sólido financeiramente, mas terá condições de patrocinar repórteres intimoratos? Não se sabe. Resta saber, por fim, se Márcio Leijoto tem experiência suficiente para coordenar pesquisadores experimentados.
O jornal “Zero Hora”, de Porto Alegre, criou o Grupo de Investigação (GDI), núcleo que aglutina jornal, rádio e TV do Grupo RBS. Os resultados têm sido positivos. Repórteres com mais de 15 anos de profissão publicam reportagens sobre crimes de colarinho branco e desvios no serviço público. Intrincados casos policiais, que nem sempre podem ser esclarecidos por repórteres da cobertura diária, têm merecido destaque da equipe de repórteres.
O jornal americano tem uma tradição de jornalismo investigativo desde a ascensão de Ben Bradlee — e até antes — e contribuiu, de maneira decisiva, para a renúncia do presidente Richard Nixon. Um grupo de jornalistas — Bob Woodward e Carl Bernstein são apenas os mais conhecidos — investigou, com isenção e coragem, os bastidores do governo de Nixon e descobriu, além da grampolândia do escritório do Partido Democrata, outros malfeitos dos republicanos. O poder pressionou, fez ameaças e destratou, mas a publisher do “Post”, Katharine Graham, bancou os jornalistas. Ela não exigiu sequer os nomes de suas fontes. O Caso Watergate tornou o “Post” um grande jornal. Mostrou coragem, determinação e competência, além de independência.
Jeff Bezos, criador da Amazon, comprou o “Post” e deixou a redação livre para fazer jornalismo. O presidente Donald Trump não exerce nenhum controle na redação. Por isso sua irritação com os jornalistas do “Post” e “New York Times”, aliás, contra repórteres de quaisquer jornais e revistas que não endossem suas posições políticas. O poder, em qualquer lugar, só aprecia jornais e jornalistas subservientes — às vezes escolhem os adjetivos (e, até, os advérbios) para qualificá-los.
Na quarta-feira, 6, o GDI entrevistou (por e-mail, o que não permite um diálogo mais vívido) o jornalista Davis Fallis, editor-adjunto de investigação do “Washington Post”.
O GDI inquire sobre a “conexão” entre jornalismo investigativo e o presidente Donald Trump, que “tem posição clara contra a imprensa”. David Fallis sublinha que “o jornalismo investigativo é sempre importante, não importa o que os funcionários públicos pensem da imprensa. Uma imprensa livre é fundamental para a democracia e uma das nossas principais funções como jornalistas é responsabilizar o nosso governo em todos os momentos”.
Como a entrevista foi feita por e-mail, os repórteres do GDI não puderam perguntar por que a imprensa americana era mais, digamos, “suave” com o ex-presidente Barack Obama. Fica-se com a impressão de que o democrata podia se comportar quase como James Bond, notadamente em termos de política internacional. Por quê? Primeiro, porque atendia civilizadamente os repórteres. Segundo, escondendo sua ação dura noutros países, adotou uma retórica compassiva — o que agradava parte dos jornalistas. Ressalve-se que alguns jornalistas mantiveram-se críticos durante o governo Obama e até escreveram livros duros a respeito.
“Quais são os principais desafios às investigações?”, indaga o GDI. “O principal desafio com o jornalismo investigativo é que o jornalista normalmente está iniciando o processo com ausência de fatos — é por isso que é investigativo”, afirma Davis Fallis. “A reportagem geralmente começa com uma dica ou uma hipótese, mas é o jornalista quem tem de encontrar um caminho de reportagem. Muitas vezes, isso é um desafio. Pode haver documentação limitada, ninguém estar disposto a ser entrevistado. E o processo de reportagem, uma vez concluído, pode levar o repórter a uma descoberta que é muito diferente da indicada pela sugestão original. É por isso que uma reportagem investigativa muitas vezes leva tempo e pode ser uma maratona, não é uma corrida rápida.” No Brasil, aqui e ali, força-se a barra para que a realidade traduza a pauta e não para que a reportagem traduza a realidade. E a pressa tende a produzir reportagens mais literárias — imaginativas — do que precisas.
O “Post” conta com “uma unidade de investigação de 16 repórteres e três editores”. Há duas equipes: a de “ataque rápido” — a que produz reportagens investigativas que exigem pressa (mas podem demorar uma semana ou um pouco mais ou um pouco menos) — e a de projetos de longo prazo. Há outros repórteres investigativos nas editorias do jornal.
As principais aptidões para ser jornalista investigativo são, segundo Davis Fallis, “domínio dos princípios do jornalismo, incluindo a capacidade de sintetizar material muito complicado e elaborar uma história clara e convincente. Também ser curiosos, muito céticos e altamente criativos”. Ser dono de texto final e ser responsável na coleta de informações são pontos essenciais, porque os editores nem sempre têm tempo e disponibilidade para checar todas as informações. Na revista “New Yorker”, os repórteres produzem reportagens e relatórios — daí uma equipe de checadores escrutina todas as informações e dados. Reportagens que, a princípio, pareciam do balacobaco, porque estavam muito bem escritas (o jornalismo pode ser literário, mas a imaginação não pode criar informações e universos paralelos), às vezes são jogadas no lixo. Porque a verificação dos dados comprovou que não se sustentava factualmente.
Jornais e revistas, mesmo os sérios, têm eventualmente desvirtuado seus princípios, concentrando-se na publicação de fofocas — em busca de visualizações. Isto significa que os leitores estão mais interessados em textos “chocantes” (palavra da moda para títulos na internet)? David Fallis discorda: “O público é capaz de discernir o jornalismo de qualidade. E também procura por jornalismo investigativo. Quando fazemos reportagens investigativas, ouvimos das pessoas que elas querem ler mais esse tipo de matérias, não menos”.
O leitor está mesmo disposto a pagar por um “jornalismo diferenciado”? Davis Fallis aposta que sim. “Acredito que as pessoas estão dispostas a pagar por um jornalismo de qualidade e acho que o sucesso do ‘Post’ demonstrou isso. Ouvi pessoas dizerem que assinam o ‘Post’ porque temos jornalismo de qualidade, incluindo reportagens de investigação.”
Sobre os jornais que estão trocando a reportagem de qualidade e o jornalismo analítico pela fofoca há apenas uma lição: não tem retorno. O jornalismo trash contamina tudo e todos — e inclusive gera um público que pede, não mais qualidade, e sim mais lixo. l