Doutor em história resgata o múltiplo fascista patropi Plínio Salgado

21 abril 2019 às 00h00
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Livro “busca” reconstrui-lo “em sua integridade, sem se restringir” ao integralismo, “mas englobando sua vida toda e os diferentes papéis que desempenhou”
Quem não quer compreender tenta esconder determinados personagens e assuntos lamentáveis (ou ditos lamentáveis). Há quem acredite, inclusive na Alemanha, que censurar “Minha Luta”, de Adolf Hitler, pode evitar a disseminação de suas ideias nazistas. Pura fantasia. No mundo real, quando se quer combater uma ideia, porque ruim para a humanidade, o melhor que se faz é compreendê-la bem. Só se combate bem o que se entende bem. A malignidade de Hitler demorou a ser avaliada de maneira ampla porque seu pensamento não foi examinado com a devida atenção, para além da folclorização do personagem. Winston Churchill havia lido o livro e, por isso, não acreditou, desde o início — ao contrário do primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain —, na política de “apaziguamento”. Havia avaliado, de cara, que o cabo austríaco transformado em chanceler da Alemanha era um guerreiro e que seu plano de conquistar espaço vital, no caminho do Leste Europeu, não era nenhuma brincadeira de ginasiano. Ao se tornar primeiro-ministro, sucedendo Chamberlain, redirecionou a política da Inglaterra totalmente para a guerra, porque a paz — exceto se houvesse rendição — era uma impossibilidade.
No Brasil há um personagem, o político Plínio Salgado — e, sim, escritor modernista e nacionalista —, que, por ter sido fascista, na sua vertente patropi, o integralismo, costuma ser esquecido ou ignorado. Mas vale estudar e expor o homem que, depois de apoiar, optou por tentar derrubar o presidente Getúlio Vargas e acabou exilado, em Portugal. Mais tarde, disputou a Presidência da República (em 1955, obteve 8,28% dos votos e perdeu para Juscelino Kubitschek). O historiador João Fábio Bertonha não se intimidou com a má fama do político e decidiu estudá-lo a fundo no livro “Plínio Salgado — Biografia Política (1895-1975)”, publicado pela Editora da USP, a Edusp (408 páginas). Desde já, entra para a minha lista de leitura penelopiana (atropelando outras obras), pois leio sobre o integralismo pelo menos desde a publicação do clássico de Hélgio Trindade, passando por, entre outros, José Chasin.

Colho, no site das livrarias Travessa e Amazon, uma síntese do livro de Bertonha, possivelmente de autoria da Edusp: “Abarcando praticamente um século de história no Brasil, este livro analisa a relação entre o homem e o político Plínio Salgado e o mundo em que ele viveu e como essa interação afetou esse mundo. É um exercício biográfico que busca reconstruir a vida de Salgado em sua integridade, sem se restringir ao período integralista, mas englobando sua vida toda e os diferentes papéis que desempenhou. O autor realizou ampla pesquisa bibliográfica, com consulta tanto a arquivos brasileiros quanto estrangeiros, como Itália, Portugal, Estados Unidos e Reino Unido. Para João Fábio Bertonha, o personagem desta biografia é Plínio Salgado e este está presente em todas suas páginas, mas o esforço maior é pelo entendimento de uma questão muito maior — a direita radical e as direitas em geral no Brasil do século 20 — por meio do estudo de sua vida política”.

Trata-se, portanto, de uma história do Brasil contada a partir de um homem, além de seus seguidores (o escritor Gustavo Barroso era antissemita), em confronto com outros indivíduos. Getúlio Vargas, como alguns de seus aliados — os generais Eurico Gaspar Dutra, Góis Monteiro e o chefe de Polícia Filinto Müller—, não chegou a apoiar o fascismo do italiano Benito Mussolini e o nazismo do austríaco-alemão Hitler, mas flertou com ambos, inspirando-se, aqui e ali, nas suas ideias. Não li a obra de Bertonha, mas é provável que, embora não tenha chegado ao poder, Plínio Salgado possa ser tachado de o micro Mussolini brasileiro. Não teve, claro, a dimensão do italiano. Mas não era uma galinha (verde, gritando anauê) morta.
Professor de História da Universidade Estadual de Maringá (PR) e pesquisador do CNPq, Bertonha é doutor em História pela Unicamp e livre-docente pela USP. Li, do autor, o livro “Os Italianos” (Contexto, 301 páginas). Há erros de revisão — não há “Humberto” Moravia, e sim Alberto Moravia; a grafia é Pier e não Píer Paolo Pasolini, e escreve-se Luchino e não Lucchino Visconti —, mas o livro é excelente, bem escrito e pensado.