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A delegada foi assaltada, ao lado da filha Verônica, e pessoas sugeriram que deveria ter sido morta por ser do PT

Adriana Accorsi (com a filha verônica) foi assaltada; foi o que bastou para dizerem que deveria ter sido morta | Foto: reprodução / Facebook
Adriana Accorsi (com a filha verônica) foi assaltada; foi o que bastou para dizerem que deveria ter sido morta | Foto: reprodução / Facebook

A delegada de polícia e deputada estadual Adriana Accorsi e a filha Verônica foram assaltadas no Setor Jaó. Numa rede social, em decorrência de um país conflagrado, uma pessoa postou que a política deveria morrer “por ser do PT”.

Pode parecer brincadeira, talvez seja brincadeira, mas, ainda assim, é de um mau gosto impressionante — uma maldade gratuita. Qualquer pessoa que tiver cometido um delito, grave ou não, deve ser julgada pela Justiça. Nenhum indivíduo, num país democrático, é justiceiro ou merece ser justiçado. A liberdade de expressão deve ser respeitada, como princípio básico de uma sociedade aberta, mas é preciso ter mais cuidado com as palavras, com as ofensas e proposituras descabidas.

Adriana Accorsi cometeu algum crime? Nenhum. Ser filiada ao PT não é crime e a maioria dos petistas é decente. Sua história como delegada é irrepreensível. Mesmo uma avaliação rigorosa concluirá por uma ação altamente positiva.

Por ser delegada da Polícia Civil, Adriana Accorsi se tornou conhecida da sociedade. Há delegados que se tornaram célebres por terem cometido falcatruas ou pela violência. A jovem petista celebrizou-se pelo uso da Inteligência, por suas posições humanistas e pela retidão moral. A atuação policial se tornou uma espécie de sacerdócio e os inquéritos se tornaram causas.

Adriana Accorsi não verifica o mundo, as ações dos homens, à distância. Ela envolve-se com os problemas de seu tempo, de sua cidade, não se esconde — é um ser participante. Sempre foi assim, desde muito jovem. A deputada-delegada tem um envolvimento com a sociedade que extrapola sua militância no PT.

Depois de consagrada na polícia, chegou a atuar num governo tucano como delegada-geral — o que prova sua competência e, também, sua independência profissional —, e, convidada pelo prefeito de Goiânia, Paulo Garcia, assumiu uma secretaria. Mais uma vez, tornou-se bem-sucedida, tanto que, ao disputar mandato de deputada estadual, em 2014, foi a quinta colocada entre todos os candidatos — com 43.424 votos. Foram 15.049 votos a mais do que o segundo colocado do PT, Humberto Aidar, que obteve 28.375 votos.

No momento, pré-candidata a prefeita de Goiânia, Adriana Accorsi aparece em quarto lugar nas pesquisas de intenção de voto — posicionada atrás de Iris Rezende, Waldir Delegado Soares e Vanderlan Cardoso e à frente de Luiz Bittencourt, Giuseppe Vecci e Francisco Júnior.
Pesquisas quantitativas, feitas a cinco meses das eleições e sem que exista uma campanha aberta — com debate e apresentação ostensiva dos candidatos e de suas propostas —, revelam mais conhecimento do que preferência real do eleitorado. Porém, ao menos quanto a Adriana Accorsi, são reveladoras. Mesmo com o PT sob um bombardeio intensivo, apresentado como criador de um processo de corrupção dito sistêmico, a deputada aparece com uma intenção de voto razoável e uma rejeição que, a rigor, não é intransponível.
Por que Adriana Accorsi não está sendo chamuscada pela tocha que incinera o PT em praça pública?

Primeiro, porque, antes de ser política, tinha uma atividade — está licenciada do cargo de delegada de polícia —, na qual se consagrou pela eficiência e seriedade. Fica-se com a impressão de que o eleitorado ainda está avaliando mais a delegada do que a política. Vale ressaltar que, na campanha de 2018, registrou-se, ante a Justiça Eleitoral, como “Delegada Adriana Accorsi”.

Segundo, porque não se corrompeu como delegada e como política. Leva uma vida espartana, sem excessos — assim como seu pai, Darci Accorsi, que, apesar de achincalhado pelo jornalismo apressado, morreu como um indivíduo de classe média.

Mais do que petista, e Adriana Accorsi se orgulha de ser petista, trata-se de uma cidadã exemplar. Por ser reservada, até tímida, sua capacidade de trabalhar, de se envolver com a sociedade, às vezes é pouca vista e examinada pela imprensa. Por incrível que pareça, é uma política avessa à marquetagem da vida cotidiana.

A filósofa Hannah Arendt escreveu que o indivíduo não pode abdicar de sua faculdade de julgar, pois, se o fizer, pode se considerar “morto”. Não há nada mais pueril do que dizer “não julgue para não ser julgado”. Os homens são, necessariamente, seres julgadores, avaliadores e comparativos. É inescapável. Mas um julgamento minimamente justo exige a definição de parâmetros e a exposição de fatos. Por que Adriana Accorsi “merece” ser morta? O que justifica a pena capital? Não há nenhuma justificativa. Desde os gregos, ampliados por Sigmund Freud, sabemos que brincadeiras malévolas são mais do que brincadeiras. Por vezes, revelam aquilo que de fato pensamos, mas dizemos de maneira chistosa para suavizar sua recepção e permitir, em caso de crítica, uma possível defesa. Eu mesmo, como ser feito de arestas, às vezes resvalo para tais chistes. Mas procuro evitar o excesso, a perspectiva destruidora.

Os “militantes” das redes sociais, inclusive se quiserem entender de maneira adequada seus adversários, precisam distinguir entre uma Adriana Accorsi e um José Dirceu ou um Delúbio Soares. São diferentes, até muito diferentes. Igualar os três é deixar de compreendê-los, de perceber as especificidades e nuances do jogo político e da vida.

O autor deste texto não tem nenhuma paixão pelo PT, avalia que o partido cometeu uma série de erros graves no governo federal (não só em termos de corrupção) e que o impeachment da presidente Dilma Rousseff — política pessoalmente decente, mas politicamente contaminada pela estrutura que montaram para elegê-la e para sustentá-la no governo — é justo. Mas é também um indivíduo que acredita, como o excepcional sociólogo americano Russell Jacoby, autor do livro “O Fim da Utopia — Política e Cultura na Era da Apatia”, que é possível um diálogo saudável e produtivo entre forças políticas contrárias. A ideia de “destruir” o oponente, de retirá-lo “à força” do cenário político — há quem fale em até “matar” —, nada tem de democrática. O alimento crucial da democracia é, mais do que o voto, a tolerância.