A internet transformou jornais e revistas em amplo sucesso de audiência. Mas faturamento é baixo pra manter grandes estruturas

Um os principais problemas das empresas que produzem jornalismo é como obter rentabilidade suficiente para manter a qualidade editorial. Como sua multiplicidade de meios de divulgação das notícias, a internet ampliou a audiência dos jornais, revistas e blogs. Mas não proporciona recursos financeiros suficientes para manter as estruturas pré-internet – que são dispendiosas. Com a comunicação diversificada, com mais veículos – jornais, blogs, portais –, o faturamento tem sido redistribuído, acrescentando-se o fato de que redes sociais, como Facebook, e portais de busca, como o Google, se tornaram campeões em faturamento, e, no mais das vezes, com materiais criados pelos meios de comunicação tradicionais. Pode-se sugerir, numa linguagem licenciosa, que tanto Facebook quanto Google “gigolam” os jornais e revistas, sem lhes repassar um pequeno naco que seja do que faturam.

Grupos que construíram estruturas gigantes, ao longo dos anos, estão mudando sua concepção empresarial, tornando-se menores, e com menos funcionários. Como as “vacas” estão cada vez mais magras, até o Grupo Globo, o maior do ramo de comunicação do país, está se enxugando. Fato raro, funcionários da Vênus Platinada prometem sair às ruas em sinal de protesto contra demissões e mudanças no plano de saúde. O protesto é válido, mas as mudanças, com quadro menores e os profissionais produzindo para vários veículos – não há mais repórteres do jornal “O Globo” e da revista “Época”; agora pertencem a “uma só Globo” –, vieram para ficar. E só começaram. Os problemas, para os jornalistas, tendem a piorar. É o recado do realismo aos que ainda não perceberam o que está acontecendo.

A margem de lucro das empresas precisa ser mantida, porque não trabalham a fundo perdido. Para tanto, “Folha de S. Paulo”, Grupo Globo, “O Estado de S. Paulo”, entre outros, não vão deixar de demitir. Como não estão conseguindo concorrer com Google e Facebook – que lucram muito com pouco trabalho –, as empresas acabam por cortar na mão de obra (em geral, altamente qualificada), o que, aos poucos, tende a sacrificar a qualidade dos produtos. Erros são cada vez mais frequentes nas melhores publicações do país, até na “Veja”, que já contou com uma excelente equipe de checadores (hoje talvez vistos como “gorduras” cortáveis).

Aos jornalistas, sobretudo os que não encontram mais empregos nas estruturas tradicionais, restam editar blogs ou criar jornais e revistas digitais. Podem até ganhar menos, mas terão como sobreviver, e sobretudo poderão criar veículos alternativos e influentes. Alguns deles chegam a ser citados pelos jornais e revistas tradicionais. A ressalva é que estruturas menores empregam pouco e pagam salários mais baixos. A revista digital “Crusoé”, porém, já retira profissionais de estruturas consagradas, como a “Veja”. Portanto, paga salários competitivos.

Hostilidade e empreendedorismo

Assim como o Portal Imprensa e o Portal dos Jornalistas, o Portal Comunique-se é dedicado a notícias sobre a imprensa. Na semana passada, publicou um texto, “O que esperar do jornalismo brasileiro em 2020?”, que, embora não inclua a discussão acima, é interessante. Pesquisadores e jornalistas foram convidados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pelo Farol Jornalismo para debater o assunto.

De cara, o portal nota que há, no momento, uma hostilidade, quiçá orgânica, à imprensa. O presidente Jair Bolsonaro, para agredir, chegou a dizer que um jornalista tem “cara de homossexual” – o que parece aleatório, mas tem se tornado uma rotina. O presidente demonstra não tolerar a crítica e, mesmo, o jornalismo factual. Recentemente, tentou retirar editais e balanços dos jornais, numa tentativa de enfraquecê-los financeiramente. Em seguida, decidiu que a “Folha de S. Paulo”, que trata como “inimiga”, não seria assinada pelo governo federal e, numa suposta medida de economia, informou que os jornais impressos não mais serão assinados. O objetivo é impedir que o funcionalismo público leia jornais críticos? É provável.

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), chegou a proibir que jornalistas do Grupo Globo participassem de suas entrevistas coletivas. Felizmente, a Justiça desautorizou-o. O Brasil não é uma ditadura, e as instituições continuam em pleno funcionamento – contendo excessos de políticos que acreditam mais na democradura do que na democracia e que tratam o pessoal como política de Estado.

Renata Neder, do Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ), postula que 2020 “será de enormes desafios para a proteção e segurança de jornalistas”. Jornalistas têm sofrido agressões físicas – há casos de assassinatos – e busca-se usar a Justiça para intimidá-los. Há casos de grupos religiosos, por exemplo, que movem uma série de processos, com o objetivo de “engessar” determinados profissionais, numa tentativa de impedir que continuem examinando determinados assuntos.

José Antonio Lima, editor do Comprova, postula que “parcerias entre órgãos de mídia profissionais serão fundamentais ‘para que o jornalismo continue atuando para preservar o interesse público e para fortalecer coberturas locais’”. O Atlas da Notícia constata, porém, “que seis em cada dez municípios do país não dispõem de informação jornalística local”.

Rafael Grohmann, pesquisador da Unisinos, comenta sobre jornalismo e empreendedorismo: “Os jornalistas têm se reconhecido como trabalhadores e buscado novas formas de organização do trabalho que confrontem lógicas individualistas”. Talvez seja possível acrescentar que jornalistas, como Mara Luquet, do My News, e Mario Sabino, do Antagonista e da “Crusoé”, estão se tornando empresários. A nova organização do trabalho, em alguns casos, lembra a das cooperativas.

Cofundadora do Nexo Jornal, Paula Miraglia diz que, em 2020, “‘o engajamento da audiência ganhará ainda mais centralidade’ a partir de três eixos: levar a sério a ideia de comunidade, olhar para nova métricas e cultivar a relação com o público. Para tanto, é necessário identificar e compreender os lugares e as formas usadas pelas pessoas para se informar”.

A diretora de Conteúdo do jornal “O Povo”, Ana Naddaf, sublinha que “estudar novos canais de distribuição tem sido tarefa necessária para quem produz narrativas”. A jornalista aposta que “os podcasts chegarão com forças às hard news, os newsletters apostarão em contextualização e os stories vão se consolidar como a porta de entrada de um novo público”. O WhatsApp, “presente em 98% dos telefones móveis” no Brasil, será (continuará) um instrumento eficaz de distribuição se informações.

As redes sociais são incontornáveis e são mais positivas do que negativas. O jornalista e pesquisador Caio Túlio Costa, citando um pesquisador, afirma que são uma espécie de retorno à era pré-Gutenberg – quando a comunicação se dava, em parte, por intermédio da fofoca. Portanto, são um avanço, dada a tecnologia – útil sobretudo para o Facebook faturar com os dados dos usuários –, e, ao mesmo tempo, uma volta ao passado, ao, digamos, “primitivo”. Talvez derive daí a força da barbárie, das agressões costumeiras.

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O que esperar do jornalismo brasileiro em 2020?