Deputado do DEM não disse que mulheres devem apanhar; esquerda é mestre em distorcer fatos e palavras
09 maio 2015 às 15h39
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A linguagem às vezes é tudo — forma e conteúdo visceralmente imbricados. No Brasil há pelo menos duas direitas visíveis. Olavo de Carvalho, Denis Rosenfield, Luiz Felipe Pondé, Rodrigo Constantino, José Maria e Silva, Reinaldo Azevedo são duríssimos nas críticas, mas raramente perdem a elegância (alguns, como Azevedo, mesmo ao perdê-la, mantêm o humor, a ironia fina, à H. L. Mencken e Karl Kraus). Eles compõem, se se pode dizer assim, uma espécie de direita intelectual. Há a direita política, no sentido partidário, que é composta por, entre outros, Ronaldo Caiado, senador; Alberto Fraga e Jair Bolsonaro, deputados federais.
A esquerda é mestre na arte da desfaçatez, artífice na técnica de se apresentar como vítima, quase sempre distorcendo o discurso do adversário, para torná-lo monstruoso aos olhos da sociedade, pois assim será mais fácil combatê-lo e destrui-lo. A esquerda é tão hábil que, quando Stálin e Mao Tsé-tung matavam milhões de “oposicionistas”, apresentados como inimigos do socialismo, conseguia sugerir, e seu argumento era aceito, que tudo estava sendo feito em nome de um futuro melhor para todos. Por falar em nome da humanidade, da construção de uma sociedade igualitária, a esquerda costuma ser perdoada, mesmo quando comete atrocidades. O fim, o bem (o paraíso comunista), justifica o meio, o mal (o fim da liberdade, a destruição da oposição).
Mesmo quando é algoz, a esquerda se posta como vítima. Com sutileza, consegue transformar a direita em Lúcifer, resguardando-se como anjo ímpio, de uma santidade a toda prova. Carvalho, Rosenfield, Pondé, Constantino, Silva e Azevedo, estrelas da palavra, conseguem escapar dos tentáculos da linguagem da esquerda, porque a conhecem bem e sabem defender as próprias ideias. Nenhum deles se deixa enredar pelas artimanhas esquerdistas e, por isso, quase sempre saem melhor nos debates. A linguagem afiada de Carvalho, Rosenfield, Pondé, Constantino, Silva e Azevedo — que nem pensam da mesma maneira sobre todos os assuntos, mas não são de esquerda — é arma defensiva e ofensiva contra a notória ambiguidade funcional das esquerdas marxista, leninista, stalinista e gramsciana.
Porém, a direita que milita na política — corajosa, pois é minoria e não tem espaço decente na imprensa, exceto folclorizada — às vezes é “absorvida” pela argúcia da esquerda. Esta pega a linguagem dos políticos de direita, como Jair Bolsonaro e Alberto Fraga — aos quais falta certa consistência ideológica —, e a transforma numa espécie de bumerangue. É até compreensível a linguagem hard de Jair Bolsonaro e Alberto Fraga, pois, se forem compassivos e ponderados, não serão escutados, não conseguirão “colocar” seu discurso em evidência. Só com excesso suas palavras são transcritas nos jornais, quase sempre a partir da versão de seus adversários.
Nesta semana, na votação da Medida Provisória 665 — “que endurece as regras de acesso ao seguro-desemprego e ao abono salarial”, sintetiza o “Correio Braziliense” —, quando a esquerda aderiu à prática liberal mais radical, a dos Chicago Boys, como o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o que certamente desnorteia os liberais verdadeiros, como Ronaldo Caiado, o deputado federal Roberto Freire, do PPS de São Paulo, deu um tapinha no ombro de Orlando Silva, do PC do B, como uma forma de se comunicar, de dizer “ei”, e o comunista, posando de vítima, gritou que estava sendo agredido fisicamente. “Não me toque”, esbravejou. Roberto Freire tem 73 anos, político há décadas, é considerado um dos mais moderados líderes da esquerda — a democrática (há quem avalie que esquerda e democracia se excluem). Ninguém, em sã consciência, acredita que possa agredir alguém, ainda mais um homem de 43 anos, como Orlando Silva.
A deputada Jandira Feghali, do PC do B do Rio de Janeiro, decidiu defender o camarada. Aí estranhou-se com o deputado Alberto Fraga, do DEM do Distrito Federal. Ao se posicionar com firmeza na defesa de Roberto Freire — possivelmente, da integridade do colega, do qual discorda ideologicamente, embora sejam parceiros nas críticas ao governo da presidente Dilma Rousseff —, Alberto Fraga escolheu palavras ríspidas, talvez para obter repercussão, mas que não são politicamente corretas. “Mulher que participa da política e bate como homem tem que apanhar como homem também”, disse, de maneira objetiva, sem subterfúgios, o democrata.
A distorção do que disse foi imediata, como é praxe entre esquerdistas. Jandira Feghali avisou que vai processar o deputado. “A Jandira processa todo mundo. Isso é um direito dela”, replicou Alberto Fraga. A manipulação, até simplória mas eficiente, começa quando se sugere que o parlamentar do DEM quis dizer — se quis, não disse, pois sua frase é tão límpida quanto água mineral — que mulher merece apanhar. O líder democrata não disse nada disso. Ele sugeriu, na sua linguagem durona, que a mulher que milita na política e faz crítica duras, posicionando-se com firmeza, também deve ser criticada com rigor. As mulheres, com as feministas no pelotão de frente, não lutaram a vida toda por igualdade? Pois Alberto Fraga está propondo exatamente isto: que mulheres e homens se tratem de maneira igualitária. O único problema — se é problema — é a linguagem, que, por conter palavras candentes, como “bate” e “apanhar”, pôde ser instrumentalizada pela esquerda. O que faltou ao deputado foi uma certa elegância linguística, machadiana, ao enfrentar a malícia da esquerda.