O meio espírito está em polvorosa, registra o jornal “O Globo” na reportagem “Chico Xavier: denúncia de adulterações em livros psicografados divide comunidade espírita”, de Élcio Braga.

Pesquisadores da obra de Chico Xavier, espécie de Allan Kardec dos trópicos, identificaram “adulterações em 117 livros reeditados pela Federação Espírita Brasileira (FEB), a entidade máxima entre os espíritas”.

Os livros adulterados, na opinião dos pesquisadores, deveriam ser expurgados do mercado livreiro. O médium Carlos Bacelli e Sonia Barsante estão entre os defensores de que é preciso retirá-los de circulação. Eles alegam, de acordo com “O Globo”, “que os prejuízos doutrinários com a leitura desses volumes são muito maiores do que o financeiro”.

Presidente do Lar Espírita Jarbas Leone Varanda, de Uberaba (MG), Roberto Salgado é peremptório: “Defendo que as obras, após 2012 com maior intensidade, deveriam ser todas retiradas do mercado, para que as pessoas não tenham mais acesso a elas e ninguém mais possa ser enganado”. O espírita participou do levantamento que detectou os equívocos.

Carlos Bacelli com Chico Xavier: é preciso retirar obras adulteradas do mercado | Foto: Reprodução

Há quem postule que, além de retirados do mercado, os livros devem ser “queimados”. Porque, da maneira que foram editados, chegam a contrariar a doutrina espírita.

Morando em Lisboa, o pesquisador Nuno Emanuel corrobora as críticas: “Quando a anterior direção da União Espírita Mineira (UEM) foi eleita, presidida por Henrique Kemper Jr., querido amigo de Chico, a sua editora lançara um livro de compilação dos prefácios de Emmanuel. Assim que detectou adulteração em alguns dos trechos, bem menos grave do que a FEB fez, mandou de imediato incinerar milhares de exemplares já publicados e ordenou que as impressões acabassem. O compromisso digno com a vida e obra de Chico Xavier vale mais que muitos milhões”.

Mesmo sob pressão, FEB não quer descartar obras

O vice-presidente da FEB, Geraldo Campetti, contesta os críticos e é taxativo: não vai descartar as obras. Ele disse ao “Globo”: “Isso evidentemente não vai acontecer. E é um absurdo sem tamanho. A gente tem quer ter, no mínimo, bom senso para pleitear as coisas. Não tem cabimento as obras serem retiradas do mercado. Evidentemente, elas beneficiam milhões de pessoas no Brasil e no mundo”.

Geraldo Campetti: FEB se recusa a descartar obras | Foto: Reprodução

Procede que as mudanças realmente descaracterizaram os textos originais? Geraldo Campetti discorda: “Atualizações ortográficas e correções gramaticais foram realizadas, naturalmente, no decorrer das publicações, dentro dos critérios de seriedade que uma editora deve adotar. Falar em ‘adulteração’, com a carga pejorativa do termo, evidentemente não cabe, considerando o cuidadoso processo de edição das obras psicografadas por Chico Xavier e publicadas pela FEB”.

Entretanto, o pesquisador Nuno Emanuel pontua que Geraldo Campetti está equivocado e situa que as mudanças mais problemáticas ocorreram na coleção “O Evangelho por Emmanuel”.

Sublinha Nuno Emanuel: “Não são alterações. É muito mais grave. Em termos jurídicos são adulterações. Basta consultar leis básicas de direito autoral e moral. A FEB reuniu todos os livros, de várias editoras, em que Emannuel cita centenas de trechos evangélicos do Novo Testamento, para, em função da tradução que ele escolheu, fazer os respectivos comentários. O que a FEB fez? Eliminou a tradução de Emmanuel. Substituiu-a por duas traduções: uma da FEB para cinco volumes e outra católica para outros dois volumes. Ambas as traduções bem diferentes do livro original de Emannuel, com centenas de palavras diferentes. Resultado: o que Emmanuel comenta perde todo o sentido”.

Nuno Emanuel: prioridade é manter o que realmente estava nos textos originais | Foto: Reprodução

 A coletânea “O Evangelho Por Emmanuel”, organizada pela FEB, contém alterações significativas, de acordo com um grupo de estudiosos da doutrina espírita.

Roberto Salgado (neto de Jarbas Leone, amigo de Chico Xavier) sublinha que “um trabalho minucioso de comparação, começando a partir dos sete volumes de ‘O Evangelho por Emmanuel’, em que já foram adulterados os versículos escolhidos a dedo por Emmanuel. A partir dessa detecção, verificamos que o conteúdo escrito por Emannuel também estava adulterado e depois os outros livros da FEB também. Um livro possuía mais de 500 adulterações”.

Chico Xavier, que lançou 439 livros, morreu, em 2002, aos 92 anos. Ele é considerado como o maior médium da história. Filantropo verdadeiro, doou os direitos de comercialização de seus livros à caridade. A FEB controla grande parte do material organizado por Chico Xavier.

O ator Fernando Peron está entre os críticos da gestão da FEB, sobretudo quando ela nega que a obra tenha sofrido adulterações. “Vocês têm coragem de chamar de boatos todo trabalho sério de pesquisa que foi realizado por várias pessoas espíritas? Existem provas abundantes sobre essas adulterações”, denuncia.

Fernando Peron denuncia mentiras da FEB | Foto: Reprodução

Caso já está na Justiça

Como era esperado, o caso das adulterações está sob escrutínio da Justiça. A família de Chico Xavier contratou advogados, que estão questionando, judicialmente, as alterações feitas pelo pessoal da FEB.

Embora, num primeiro momento, tenha negado as mudanças, a FEB acabou fazendo um acordo com a família de Chico Xavier.

De acordo com “O Globo”, “as partes chegaram a um acordo em que as mudanças realizadas nas republicações mais recentes passariam pelo crivo de uma comissão constituída de representantes da União Espírita Mineira e da própria FEB. O compromisso selado prevê a retomada dos textos originais, adotando-se as necessárias correções ortográficas. A comissão, sustenta Fernando Peron, comprova que a FEB mente ao negar adulterações”.