Cléber Machado faz inevitavelmente parte da vida de todos os que gostam de esporte – inevitavelmente e agradavelmente, eu diria. Os menores de 50 anos que amam futebol não conseguem separar a voz aveludada do narrador de grandes memórias do esporte.

A mais memorável (a “mais meme” também caberia aqui) foi sua narração da chegada do GP da Áustria de 2002, quando o brasileiro Rubens Barrichello liderava a corrida com certa folga para seu companheiro de equipe e piloto principal da Ferrari, Michael Schumacher. Há muito já eram conhecidas as regras “hierárquicas” da escuderia italiana para troca de posições entre seus pilotos. Um comando de rádio e se aplicava o dito “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Rubinho sempre foi muito ajuizado e a Ferrari sempre foi muito Ferrari. Ao entrar na reta final do circuito de Österreichring, o brasileiro tirou o pé do acelerador e deixou o alemão passar. Naquele momento, o empolgadíssimo Cléber já narrava “Hoje não, hoje não!”. Ao ver a “ultrapassagem” de Schumacher, mudou para um “hoje sim… hoje sim?! É inacreditável. Olha, é inacreditável. Não há nenhuma necessidade da Ferrari fazer isso”.

Foram inúmeros os momentos marcantes em que Cléber Machado foi a voz da Globo na narração esportiva, sempre como fiel escudeiro de Galvão Bueno – uma dupla como Rubinho e Schumacher da telinha? Com a notícia de que o colega se aposentaria em breve, parecia óbvio que, sendo quase 12 anos mais novo do que o colega, Cléber lhe substituiria como número 1 do futebol das globais tardes de domingo.

O primeiro sinal de estranheza na relação entre a emissora e o narrador foi dado quando não o relacionaram entre os profissionais que estariam “in loco” no Catar transmitindo a Copa do Mundo. Pela TV aberta, iriam Galvão e Luís Roberto – outro ótimo narrador, diga-se. Pelo Sportv, o canal de esporte por assinatura do grupo Globo, iriam Luiz Carlos Júnior e Milton Leite. Foi a primeira Copa feita por Cléber do estúdio desde 1990, quando ainda era um “calouro” por lá.

Além de narrador do primeiro time nacional, Cléber Machado é um excelente âncora de programas de debates esportivos. No canal por assinatura do conglomerado, foi por muitos anos a “cara” do vespertino Arena Sportv, além de substituir à altura o titular Galvão Bueno no Bem Amigos, às segundas-feiras. Em todas as funções, sempre muito profissional e diplomático, contornando com maestria as muitas situações difíceis criadas – inclusive criada por seus próprios equívocos, algo mais do que natural para quem faz seu trablaho ao vivo. Vai fazer falta para a audiência, que, apesar das muitas críticas (inclusive de viés ideológico) à emissora, ainda ficava de olho grudado nas transmissões.

Não foi à toa que o jornalista e youtuber Chico Barney, comentarista das edições do reality Big Brother Brasil supôs que uma confusão no programa, horas depois do anúncio da demissão do apresentador, pode até ter sido provocada como “uma artimanha da Globo para servir de cortina de fumaça”. “Com a celeuma provocada pelo suposto erro, teriam menos reclamações a respeito da demissão de Cleber Machado, anunciada praticamente na mesma hora”, argumentou, em sua coluna no portal UOL.

De fato, como o próprio Barney acentua, a edição do BBB deste ano parece perdida, buscando malabarismos para garantir a audiência – como o anúncio ao vivo da expulsão de dois participantes (MC Guimê e Cara de Sapato) por uma importunação sexual ocorrida praticamente 24 horas antes, enquanto a direção do programa poderia ter agido imediatamente após a infração.

BBB, apesar de tudo (e haja “apesar”), sobrevive. Porque gera dinheiro, mesmo que seja o típico programa que traz, ao mesmo tempo, entretenimento e ambiente tóxico às pessoas

Talvez nos dois casos, a questão que pese à emissora seja a financeira. À aposentadoria de Galvão, logo em seguida vem a demissão de Cléber. Isso sem contar também o triste “bilhete azul”, uma semana antes, para outro grande narrador – Jota Júnior, que deixou a empresa após 24 anos. O esporte da emissora fica ainda mais desfalcado do que vem sendo nos últimos anos, seja pela perda de profissionais, seja pela perda de atrações – como Fórmula 1, Champions League e diversos campeonatos estaduais, cujos direitos foram adquiridos por outras redes.

O BBB, apesar de tudo (e haja “apesar”), sobrevive. Porque gera dinheiro, mesmo que seja o típico programa que traz, ao mesmo tempo, entretenimento e ambiente tóxico às pessoas. Do outro lado, a Globo vai deixando cada vez mais claro: mais restruturação – ou seja, demissões de destaques de seus quadros virão por aí. No fim, age como boa parte das pessoas físicas e jurídicas: quando os boletos chegam e o dinheiro está curto, a ética fica mais maleável.