Por que a TV Globo está demitindo jornalistas e cinegrafistas? A rede da família Marinho apresentou uma explicação: está em processo de contenção de despesas para manter a empresa “firme” no mercado. Jornalistas, sindicatos e leitores apresentam outras versões. Diz-se que os demitidos são aqueles que têm salários mais altos (na faixa de 80 mil a 150 mil reais). Fala-se que a Vênus Platinada está em crise. Afirma-se que há o problema do etarismo — muito dos afastados têm entre 40 e 55 anos. Acredita-se em “crueldade” empresarial e em “falta de lealdade” com aqueles que contribuíram para a construção da gigante das comunicações.

Fora a questão da “crueldade” — não dá para acreditar nisto —, as explicações apresentadas são corretas, no geral. A ressalva é que estão tratando “consequências” como “causas”.

Jair Bolsonaro não quebrou a TV Globo | Foto: Reprodução

Há mesmo uma “crise da Globo”? A sobrevivência da empresa estaria em risco? A Globo está “enxugando” sua estrutura — “até os ossos”, comenta-se — por que a família Marinho planeja sair do negócio da comunicação? O bolsonarismo parecia acreditar que, como presidente, Jair Bolsonaro quebraria a maior empresa de comunicação do país. No entanto, ela resistiu bravamente, durante quatro anos, e sem quebrar, sem beijar a lona.

Conter despesas, para manter a margem de lucro, insere-se na questão da razoabilidade. Não significa necessariamente crise.

Há uma pergunta válida: a Globo está em crise e o que significa esta crise?

O celular (com as redes sociais) “roubou” o telespectador das redes de televisão | Foto:

O “problema” não resolvido de quem examina a questão é o seguinte: não há “uma” crise “da” Globo. Há uma crise “dos meios de comunicação em geral.

O mercado da comunicação “atomizou-se”. A Globo permanece hegemônica, quando se trata da competição com Record, Band e SBT. Porém, com a concorrência internacional da comunicação e do entretenimento, a rede dos Marinho perdeu audiência e, com isso, faturamento. A publicidade não é a mesma de antes. As despesas continuam — ou continuavam — altas, mas a publicidade é, em comparação aos tempos das vacas gordas, menor. E a distribuição dos recursos mudou, e muito.

A comunicação e o entretenimento eram “territórios” da Globo — havia uma espécie de “reserva” informal” de mercado. Agora, não é mais.

O entretenimento e a comunicação “sobram” tanto nas telas de televisão quanto na internet (em computadores e, sobretudo, celulares. Estes se tornaram a, digamos assim, televisão do momento). Há muita gente assistindo telenovelas na Globo? Ainda há, mas muito menos do que antes. Entretanto, o custo de uma novela continua alto e, ao demitir atores e reduzir salários, a Globo tenta manter algum lucro, a sustentabilidade do negócio (vale observar o crescimento do número de empresas em processo de recuperação judicial).

Televisão: a variedade de canais e programas mudou a questão da audiência | Foto: Reprodução

Hoje, há muito mais pessoas “navegando” pela internet — lendo jornais, jogando (videogames, pôquer), vendo filmes, batendo papo, brigando e postando fotografias nas redes sociais — do que vendo televisão. O streaming (Netflix, Amazon Prime, entre outros) devorou parte da audiência das emissoras de televisão. Sem contar que há dezenas de canais com programação para todos os gostos.

As grandes redes de televisão vão sobreviver no Brasil? É provável, assim como os jornais (“Estadão”, “O Globo”, “Folha de S. Paulo”) e as revistas (“Veja”, “IstoÉ”, “CartaCapital”, “Piauí”). Mas a palavra “grandes” perderá força, e não apenas simbólica. Mesmo a Globo, para competir com um mercado altamente competitivo — internacional, e não apenas nacional —, terá de se tornar uma empresa média, com despesas menores. As demissões atuais — sem dúvida, chocantes — têm a ver com isto, ou seja, com o novo mercado para o qual ninguém, nem mesmo a Globo, estava preparado.

Cactus: há muitos espinhos no caminho dos meios de comunicação e entretenimento | Foto: Reprodução

O Google, o Facebook, WhatsApp e o Instagram (“amado” pelos internautas. O que pouca gente sabe é que o Instagram gera pouco acesso para os jornais, porque é um sistema “fechado”, que “prende” o leitor lá, não o manda para fora), para citar apenas quatro, se tornaram máquinas de faturamento poderosas, e em escala mundial. Os jornais e as emissoras de televisão têm algum antídoto contra as big techs citadas? Não têm. Os jornais reagiram, cobraram remuneração por reportagens publicadas e, de certa forma, conseguiram algumas vitórias.

Mas quem continua mesmo lucrando, com a comunicação e o entretenimento, são as big techs citadas. São bilhões de reais. As “migalhas”, por assim dizer, ficam para os meios de comunicação ditos tradicionais. Google e Facebook lucram com a produção alheia e repassam “migalhas” porque lhes interessa manter vivos aqueles empreendimentos que fornecem informações (e entretenimento) — precisas e responsáveis — e abrem espaço para “seus anúncios”. Manter os veículos fragilizados, necessitando de “apoio”, é uma coisa. Mas Google e Facebook não querem matar as galinhas de ovos de ouro — aqueles que, com alto custo e competência, produzem jornalismo e entretenimento de alta qualidade.

Google e Instagram: pedras no meio do caminho — salvação e/ou danação? | Foto: Reprodução

Jornais menores, mas com bom acesso, até ganham com as big techs. Elas são cruciais para os menores e relativamente “destrutivas” para os maiores. As plataformas digitais deram estrutura para os pequenos, o que eles não tinham (hoje podem ser acessados em quaisquer lugares do mundo). Jornais como bom acesso recebem remuneração razoável do Google. Porém, a remuneração aos grandes, quando há, não é satisfatória. Produzir com alta qualidade, com um custo altíssimo, e entregar quase de graça para as big techs não tem lógica comercial e racional alguma.

Então, insistindo, a crise não é da Globo em si. É de todo o sistema global de comunicação e entretenimento. Fala-se da necessidade de “reinvenção”. Mas de qual “reinvenção” se trata? Os jornais e emissoras de televisão perderam espaço para as big techs. Vão reconquistá-lo? Terão de copiar o modelo de negócio do Google e do Facebook? Mas como? A tendência é que a Globo e os jornais permaneçam como “afiliados” indiretos das big techs. E, como tal, terão de reduzir estruturas. Quem for grande tem de se tornar “médio” e quem for “médio” terá de se tornar “pequeno”. Quem demorar muito para se ajustar terá de fechar as portas. Aos trancos e barrancos, a Globo está tentando se ajustar a uma situação sobre a qual não tem controle algum.

O grito, de Edvard Munch: a pintura é pertinente — perplexidade, susto e algum desespero

O descrito acima é o que realmente está por trás das demissões da Globo e, pouco tempo atrás, dos jornais, como “Folha de S. Paulo”. A “crise” do mercado está sendo tratada com o máximo de realismo — por isso, naturalmente, choca tanto. O capitalismo às vezes não tem como deixar de apresentar uma certa “selvageria”.

Assim como os jornalistas demitidos terão de se reinventar — e até de “inventar” seus próprios empregos —, as redes de televisão estão, para sobreviver, tentando se reinventar. Não é e nem será fácil. No momento, o mercado mundial — que os empresários defendem com unhas, dentes e palavras — está “demitindo” as grandes empresas de comunicação. Não estava escrito, mas é isto. Ou um pouco disto.

Em termos tecnológicos e comerciais, os meios de comunicação, e não apenas do Brasil, ficaram para trás. O velho modelo de negócio ruiu, mas há um detalhe interessante: não há, a rigor, uma crise “do” jornalismo. O bom jornalismo continua em alta, respeitado e muito procurado pelos leitores.

Para sobreviver, os meios de comunicação terão de seguir os passos das big techs — que, por sinal, também estão demitindo a rodo.