Delcídio do Amaral diz que Renan Calheiros é cangaceiro e que Lava Jato vai pegar Lula e Dilma

17 maio 2016 às 14h43

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Numa entrevista polêmica, o ex-senador afirma que Dilma Rousseff, Lula, Romero Jucá, Renan Calheiros e Edison Lobão não sairão incólumes da Operação Lava Jato
Sob o comando seguro de Augusto Nunes, da revista “Veja”, um grupo de jornalistas entrevistou na segunda-feira, 16, o ex-senador Delcídio do Amaral, ex-PT, recém-cassado, no programa “Roda Viva”, da TV Cultura. Rigorosos, os repórteres foram duros. Participaram da entrevista Eliane Cantanhêde, Natuza Nery, Flávio Freire, André Guilherme Vieira e Vera Magalhães. Paulo Caruso fez as charges (algumas pouco perceptivas; outras, muito boas). O político do Mato Grosso do Sul esteve sereno quase todo o tempo, suas mães não tremeram e ficou emocionado tão-somente quando perguntado sobre uma carta de uma filha postada nas redes sociais. Embora tenha declarado que não é corrupto — até agora, não há nada provado contra ele —, admite que tem culpa, basicamente na questão da tentativa de obstrução da ação da Justiça (tentou subornar Nestor Cerveró, supostamente para proteger Lula da Silva e José Carlos Bumlai). Tentou deixar a imagem de santo? Ao menos de quase santo, o que, na vida e na política, ninguém é.
Delcídio do Amaral apresentou-se como engenheiro, disse que atuou como senador durante 13 anos e trabalhou na Petrobrás e na Shell, insistindo que não é corrupto. Declarou que nunca teve um processo. “Sou ficha limpa. Fui denunciado por obstrução da Justiça, não por roubar, desviar dinheiro, e não tenho conta na Suíça.” Frisou que o grupo da presidente afastada Dilma Rousseff erra ao dizer que se trata de um mentiroso. Como se pode ter um líder do governo no Senado que é mentiroso? Significa que o governo também mentia, pois Delcídio do Amaral era seu representante entre 80 senadores? É o que sugere o político.
Na sua delação premiada, Delcídio do Amaral afirma que Jorge Zelada, ex-diretor da área Internacional da Petrobras (autoridades de Mônaco bloquearam 10 milhões de euros de sua conta), foi indicado pelo agora presidente da República Michel Temer. Na entrevista, o ex-senador comportou-se de maneira mais ponderada e frisou que não disse, na delação premiada, que Michel Temer indicou Jorge Zelada para que “roubasse”. “Prefiro acreditar que Michel Temer endossou a indicação da bancada do PMDB”, contemporizou.
Ao falar de Nestor Cerveró (acima, ao lado de Lula da Silva), comprovadamente corrupto, Delcídio do Amaral insistiu que, ao contrário do ex-aliado, não participou de corrupção. “Não me beneficiei” de negócios na Petrobrás — como aquisição de turbinas e sondas.
Quando falou de Nestor Cerveró — perdeu o mandato de senador por tentar calá-lo, supostamente a pedido do ex-presidente Lula da Silva (que teria dito: “Nós precisamos resolver esta questão”) —, Delcídio do Amaral mostrou-se tranquilo, até relaxado. Mesmo acossado pelos jornalistas, não demonstrou irritação. Tratando os repórteres pelo nome, pois parece ter sido fonte de quase todos, contestou as denúncias. Um repórter disse que Nestor Cerveró garantiu que o ex-senador recebeu 2 milhões de reais do esquema da Petrobrás e que Fernando Baiano assegurou que o montante foi um pouco menor — 1,5 milhão de reais. O ex-senador contrapôs que, em suas delações premiadas, empresários não mencionaram que ele recebeu dinheiro e insistiu que não tem contas bancárias no exterior.
Embora tenha dito que não foi o PT que inventou a corrupção na Petrobrás, Delcídio do Amaral assinalou que o partido patrocinou uma corrupção sistêmica, com forte articulação partidária (PT, PMDB e PP).
Falando sobre a diferença entre o mensalão e o petrolão — há quem diga que o primeiro é praticamente filho do segundo, uma de suas extensões —, Delcídio do Amaral frisou que, quando do primeiro (espécie de financiamento de parlamentares com dinheiro público), “os fundamentos da economia não foram abalados”. Agora, com o petrolão, há a crise econômica, com recessão e às portas de uma depressão, poderosa.
Lava Jato e o núcleo de cima
Delcídio do Amaral sugere que a Operação Lava Jato pegou algumas pessoas do meio empresarial, certamente poderosas, mas falta “pegar” o núcleo político, a turma do “andar de cima”. É preciso levar as investigações da Lava Jato para o mundo político. Trata-se de uma referência direta ao ex-presidente Lula da Silva e à presidente afastada Dilma Rousseff. “Quem cuida da Petrobrás”, sustenta, “é o presidente da República. Dizer que não participou das composições [nomeações, como a de Nestor Cerveró] é achar que a gente é idiota.”
Na questão da compra de Pasadena pela Petrobrás, nos Estados Unidos, Dilma Rousseff sugeriu que foi “enganada”. Papo furado, na visão de Delcídio do Amaral. “Não se leva documentação incompleta à diretoria”, afirma o ex-senador e ex-diretor da Petrobrás. A empresa tem um corpo técnico eficientíssimo, sustenta. Dilma Rousseff, na opinião do ex-petista, precisa assumir sua “responsabilidade”. “‘Pare o mundo que eu quero descer’, como disse o velho Raul Seixas”, atacou, de maneira irônica, Delcídio do Amaral. Ninguém é bobo — sugere o ex-líder do governo Dilma no Senado.
Quando perguntaram sobre suas provas, Delcídio do Amaral disse que suas informações “amarraram” as pontas das histórias contadas por outras pessoas, notadamente pelos empresários. Tratam-se das pontas políticas, do que ocorria nos bastidores, sobre quem e como mandava. Havia um “chefão” e este foi revelado pelo ex-senador. O poderoso chefão seria Lula — é o que têm indicado o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e, claro, Delcídio do Amaral.
Por vezes, parecia que os entrevistados conduziam a entrevista, mas, político experiente, Delcídio do Amaral apresentou-se preparado para impor sua versão. Ele destacou que o impeachment de Dilma Rousseff não decorre exclusivamente das pedaladas fiscais. “O pano de fundo é a Lava Jato”, sintetizou. E é preciso conectar as “dificuldades de gestão” com o “baixo crescimento econômico”.
Na versão de Delcídio do Amaral, o núcleo político próximo de Dilma Rousseff acreditou, num primeiro momento, que ela sairia incólume da crise e sobreviveria politicamente. Seria a heroína do combate à corrupção. Só Lula da Silva seria pego, com outros aliados do PT e de outros partidos. Os articuladores da presidente retirada do poder eram Aloizio Mercadante, ministro da Casa Civil e, em seguida, da Educação, e José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça. Depois, ao perceberem que não se teria salvação isolada, os dilmistas se aliaram aos lulistas, mas era tarde.
O empresário José Carlos Bumlai (foto acima, com Lula) se tornou aquele amigo inconveniente. Mas Delcídio do Amaral, que o conhece bem, pois ambos são de Mato Grosso do Sul, garante que Bumlai e Lula têm forte ligação. Eram ou são muito amigos. Íntimos, sugerem fotografias e depoimentos. Bumlai, na acepção de Delcídio do Amaral, era um homem bem-sucedido, mas se encantou pela “serpente”, pela “jararaca” — quer dizer, por Lula da Silva. “Havia uma interação muito forte entre eles.”
A história de Furnas
A corrupção envolvendo a estatal Furnas está sendo rastreada. “Furnas é a joia da coroa do sistema [energético], pois cuida do filé mignon, o Sudeste do país”, afirma Delcídio do Amaral. Os repórteres poderiam ter explorado mais o tema, mas ficaram calados, deixando o ex-senador falar, sem pontuarem. Na delação premiada, o ex-petista mencionou o senador Aécio Neves (foto acima, com Delcídio do Amaral), do PSDB, como beneficiário de um esquema de corrupção em Furnas. O esquema supostamente era acionado por Dimas Toledo, ex-diretor de Engenharia da empresa, que teria vínculo “forte” com o senador mineiro.
Lula da Silva, quando presidente, perguntou a Delcídio do Amaral porque “todos”, inclusive Aécio Neves, queriam que Dimas Toledo permanecesse na diretoria de Furnas. Teria acrescentado que, para agradar “todo mundo”, deveria estar roubando muito. O ex-senador ressalva que Dimas Toledo era um executivo “competente”.
Para definir a nomeação do desembargador Marcelo Navarro Ribeiro Dantas para ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Delcídio do Amaral afiança ter conversado com a presidente Dilma Rousseff, no Palácio da Alvorada. Em seguida, o ex-senador se encontrou com Marcelo Navarro no Palácio do Planalto, numa sala do andar térreo. Ele teria, após ser nomeado, de votar pelar soltura de dois executivos de empreiteiras. O ministro já disse, em mais de uma oportunidade, que não se envolveu em nenhum esquema.
Renan Calheiros, o Lampião do Senado
Um dos alvos de Delcídio do Amaral foi Renan Calheiros (foto acima, ao lado do ministro Romero Jucá), que teria operado por sua cassação imediata. “Renan é uma figura ilustre que preside o Senado respondendo a 12 processos”, ironizou. E acrescentou: “O cangaceiro Renan Calheiros”.
O ex-petista declarou que, apesar de ter sido o único cassado — e não por corrupção, insiste —, “20 senadores estão sendo investigados pela Operação Lava Jato e mais de 50 senadores respondem a processos judiciais”.
André Esteves e a Petro África
Envolvido no suborno pago a Nestor Cerveró, para que não entregasse figuras de proa do PT, o banqueiro André Esteves (na foto, ao lado de Aécio Neves), sócio do BTG Pactual, acabou preso. O problema com André Esteves é, segundo Lula, a Petro África. Associado à Petrobrás, o BTG adquiriu campos de petróleo na África, notadamente na Nigéria. Trata-se de um esquema bilionário. Segundo Delcídio do Amaral, o banco pagou menos do que a Petrobrás havia investido nos poços. Um negócio de avô para neto. O problema, na interpretação de Lula, não tem a ver com “embandeiramento” de postos de combustível.
Futuro de Lula, Dilma, PT e Temer
Indagado sobre o futuro de Lula da Silva, Dilma Rousseff, PT e Michel Temer, o ex-senador não titubeou em apresentar suas interpretações. Delcídio do Amaral disse que o ex-presidente vai sair “muito desgastado” do processo. Ele avalia que não se trata mais de um postulante competitivo para a disputa presidencial de 2018. “O cerco se fechou.” Uma repórter insistiu: “Lula pode ser preso?”. “Não sei, mas o cerco se fecha”, replicou o ex-petista.
Sobre a presidente afastada: “Dilma achou que os outros entrariam pelo cano. Ela entrou pelo cano. Dilma não volta mais” ao governo. “Os 55 votos dos senadores pelo impeachment indicam isto. O placar pode se alargar. Dilma vai para a aposentadoria.”
“O PT precisa fazer uma revisão de seus conceitos. Tem que ter humildade. Rui Falcão é uma figura bizarra, não tem dimensão para presidir um partido como o PT. Mas o partido tem líderes não sectários”, afirmou Delcídio do Amaral. Curiosamente, não citou quais líderes.
Ao mencionar Michel Temer, Delcídio do Amaral optou por começar a falar sobre os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e das Relações Exteriores, José Serra. “São escolhas importantes.” São vistos como qualificados pelo ex-senador.
Mas Delcídio do Amaral aponta um problema: “O governo de Dilma Rousseff fazia política de menos. O governo de Michel Temer tem política demais”. Algumas escolhas do presidente não foram positivas. O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho (PSB), por exemplo, foi uma má escolha. Não é do ramo, segundo o ex-senador.
Um dos problemas do governo de Michel Temer é que não tem base social, que não é o mesmo que base política. “Temer vai precisar ter coragem” para governar.
A afiada repórter Natuza Nery constatou: “O sr. está ensaboado”. Delcídio do Amaral deu um sorriso sem graça e redarguiu que não procedia. Mas a repórter de fato tem razão.
Ao final da entrevista, Delcídio do Amaral insistiu que sua delação mostrou como funciona o sistema do petrolão. “Romero Jucá, Edison Lobão e Renan Calheiros vão aparecer na Lava Jato”, aposta.
Augusto Nunes disse, ao descer as cortinas do espetáculo: “Uma entrevista extremamente reveladora”. Menos do que se esperava, mas, ainda assim, reveladora. O telespectador queria mais. Todos sabem que Delcídio do Amaral sabe mais do que disse.
Veja abaixo a íntegra da entrevista: