Chamar um comediante para um “duelo” sobre política já foi desastroso; pior foi a forma com que o pedetista se comportou

Gregório Duvivier e Ciro Gomes na contenda que era para ser um debate | Foto: Reprodução

Entre fazer questão de ter razão ou estar feliz, nunca abra mão da segunda opção.

Não é bem esse o provérbio, mas o sentido é este mesmo e a frase de sabedoria se origina certamente de relacionamentos conjugais. Às vezes, não custa dizer à parceira (ou ao parceiro) que ele está certo ou, em caso de algum mal-entendido mais simples, até pedir desculpas. Abrir mão do debate de minúcias em prol de uma causa maior.

O mesmo vale – e demais – para a política. Grandes nomes da vida pública nacional se tornaram célebre por nunca se fechar ao diálogo e que, em determinado ponto, por uma causa maior, fazer acontecer a diplomacia até com gente de quem seriam arquirrivais. Do fim do regime militar até os dias atuais, tivemos Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Marco Maciel. Agora, vemos isso ocorrer entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSB). O que alguns chamam de hipocrisia, os mais sensatos veem como amadurecimento e noção da conjuntura.

Seria bom viver um bom diálogo sempre, mas isso vai do temperamento de cada um. De qualquer modo, mesmo nos casos de pessoas mais impetuosas, é preciso saber a hora de parar de esticar a corda. Não é o que ocorre com Ciro Gomes.

Numa busca já um tanto desconcertada para mudar um cenário eleitoral que, há cinco meses da eleição, já tem um segundo turno praticamente contratado entre Jair Bolsonaro (PL) e Lula, o pedetista viu na edição do programa Greg News (do canal por assinatura HBO) da sexta-feira, 13, da qual foi o tema, uma oportunidade para ganhar visibilidade.

É que o apresentador Gregório Duvivier, ao fim de um percurso sobre passagens da vida pública do ex-ministro e ex-governador cearense, trouxe passagens que indignaram o protagonista. Mas o que fez Crio realmente perder a linha foi o convite ao fim do programa: que os eleitores de Ciro migrassem para Lula a fim de decidir, em favor do petista, a eleição no primeiro turno e minorar o risco de um golpe por parte do atual presidente – o que é realmente uma preocupação crescente.

Como alcançar o objetivo de se mostrar? Dizendo-se atingido por informações as quais considerou “fake news”, Ciro chamou Gregório para um debate virtual “com total paridade de armas”, em seu canal, o Ciro Games – nome jovial, acertadamente, para se aproximar do público jovem.

Para quem faz a leitura com certa análise de discurso, escrever “paridade de armas” já mostrava que Ciro Gomes falava em debate, mas o que queria mesmo era um duelo com seu crítico. Mostrar que tinha razão em seus argumentos. Duvivier topou, depois pediu adiamento por questões de trabalho.

Ciro, então, achou que seria uma boa ideia, em vez do debate com o comediante, fazer no Ciro Games um “react”, modalidade na qual uma pessoa comenta determinado vídeo enquanto o assiste (ou partes dele). E foi assim que ele tirou trechos do programa temático produzido sobre ele próprio para criticar com um ar sisudo. Ou seja, a um conteúdo cuja característica é noticiar com humor reagiu com uma carranca.

Mas foi mais do que isso: adicionou aos fatos que queria aniquilar o ad hominem ao humorista/apresentador. Ou seja, agiu como tem agido contra políticos, como se Gregório fosse um concorrente como Bolsonaro e Lula. Na ânsia de se mostrar com a razão, exacerbou e recebeu a reprovação da maior audiência neutra – ou seja, o eleitorado que precisa conquistar. Como ele confessaria ao rival no “debate”, precisava a “turma boa”, como chama sua militância, exigiu-lhe uma reação. Resumindo: pregou para convertidos, que, obviamente, acharam o máximo.

O problema de Ciro Gomes é exatamente ter uma inteligência pela metade: enquanto é muito hábil para desandar a dar estatísticas e números sobre economia e outros índices – às vezes com incorreções absurdas, mas que ninguém vai conferir mesmo na hora –, é incapaz de resistir ao mínimo de provocação de uma forma equilibrada.

Poderia tudo ter acabado, já com prejuízo a Ciro, nesse momento. Mas uma coisa ele conseguiu, com o “react” de seu Ciro Games: fazer Gregório topar o debate. A partir daí, com o confronto marcado, tudo poderia acontecer. O cenário de previsibilidade tinha ido para o espaço e a prova disso foi a audiência que o evento conseguiu ao vivo.

A certeza que se teve logo no começo do embate foi de que Ciro fora surpreendido por um Gregório Duvivier agressivo, não parecendo muito disposto a debater “projetos para o Brasil”, como gostaria Ciro. O comediante não estava para brincadeira e surpreendeu o político ao insistir em fazer uma espécie de “react” do “react”: estava a fim de um direito de resposta sobre cada “peça acusatória” que o pedetista havia feito em seu canal.

Entre outras coisas, Ciro insinuou – usando alguma retórica para não ser muito direto – que Gregório era baixinho – uma constatação, no caso –, maconheiro, racista, xenófobo e esnobe. Não era pouco. E assim se protagonizou um dos episódios mais constrangedores da internet brasileira neste ano: uma troca de acusações que parecia muito mais uma “DR” de casal barraqueiro em que há uma terceira pessoa presente – a audiência.

O momento patético que resumiu tudo segue transcrito abaixo (na discussão, Ciro Gomes está em negrito):

– Sabe, eu sou um cara cheio de ideias, a minha grande angústia existencial é ver o nosso País indo pro brejo e a melhor elite brasileira fazendo apologia de um ignorante, corrupto, como vocês estão fazendo!

– Não tô fazendo apologia de ninguém, inclusive eu acho errado chamar o Lula de corrupto exatamente porque ele foi inocentado, mas eu não tô aqui pra… (interrompido)

– Ele não foi inocentado, ele não foi inocentado!

– Cara, eu não tenho procuração…

– Ele não foi inocentado, é mentira do PT!

– É, tá…

– O Lula teve os processos anulados…

– Isso…

– Ele volta à presunção de inocência, mas ele não foi inocentado, desculpa!

– Eu não tenho procuração, eu não sou o Lula…

– Isso é mentira do PT!

– Infelizmente pra você, eu não sou o Lula, o Lula não quis debater com você…

– Isso é mentira do PT e você tá fazendo jogadinhas ensaiadas que são más, não é o meu estado de espírito!

– Que jogada ensaiada, o que você está insinuando? Por que que isso magoa tanto?

– Insinuando exatamente isso que eu acabei de falar, eu não fui insinuante, não. Eu acho que você tá fazendo jogada ensaiada e ficou tenso, desnecessariamente.

– Jogada ensaiada?

– É. Exatamente.

– Mas jogada ensaiada de quê, bicho?

– Eu acho que está escrito aí na tua mesa!

– Hã!?

– Eu acho que tá escrito aí na tua mesa, deve ter umas dez pessoas trazendo papelzinho para dizer “fala isso agora, fala isso aqui”! Tudo bem, irmão, tudo bem, volto a te dizer…

– Eu queria ver você aqui na minha casa… (Gregório então levanta o laptop e com a webcam mostra a mesa e o que está ao redor). Cadê? Queria…

– Não, isso é tão irrelevante… Não tem ninguém te dizendo “fala isso agora”?

– Não!

– “Tá no papelzinho, não sei o quê”? Não tem ninguém te falando??

– Não!!

– Aqui tem! Aqui tem. Isso não diminui ninguém, rapaz! Isso não diminui ninguém! Não diminui ninguém. Você acha que foi 55% da onde?

– Você é o candidato, eu não! Você tem que saber lidar com isso, bicho…

Resumo: Para depreciar o oponente, Ciro Gomes “apostou” que Gregório estava fazendo “jogada ensaiada” e que ele tinha uma equipe a assessorá-lo; quando Gregório mostrou que não tinha nada nem ninguém com ele, Ciro disse que ele próprio tinha e que isso não diminuía ninguém. É ou não uma coisa sem nexo?

Para quem chegou até aqui, vale a pena abrir o Twitter e ver o diálogo em vídeo:

Enfim, se a conversa serviu para alguma coisa, com certeza essa coisa não foi em favor de Ciro. A assessoria do pré-candidato poderia e deveria ter evitado esse constrangimento, já que ela precisa também gerenciar crises. Se fez esse aconselhamento e o pedetista passou por cima, mais um aspecto que o torna próximo a Bolsonaro, além da pouca inteligência emocional já observada.

Claro, seria apenas nesses aspectos em particular, Ciro Gomes é muito melhor que o atual presidente. Mas é mesmo esse o líder de que o Brasil precisa e que ele se diz capacitado a ser? Para ter ideia do estrago que se fez, basta Ciro, ele próprio, se perguntar, em um ataque de lucidez mesclado a um raríssimo momento de autocrítica: quantos votos será que eu ganhei nesse debate com o comediante?

Talvez nem queira abrir os olhos para ver os votos que perdeu e os admiradores que deixou de ter ao promover a rinha em seu Ciro Games.

Mas talvez também não tenha havido nada em favor de Lula. Só quem não tem nadinha a reclamar do acontecido é aquele que todos do campo progressista querem vencer.