Crônica de um atropelamento anunciado (de uma diarista) na GO-20

08 outubro 2020 às 09h19

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L. saiu para trabalhar. Estava numa pequena ilha, esperando os carros passarem, para atravessar a rua. Foi atropelada e morreu

L. saiu de casa para trabalhar na quinta-feira, 8. Pegou um ônibus e desceu nas proximidades da GO-020. L. estava numa ilha estreita, ao lado de um posto de combustível. L. não sabia o que estava acontecendo às suas costas, numa pista construída pela Agetop, no governo anterior.
L. era diarista e prestava serviço numa casa do Housing Flamboyant. Um pedreiro, que trabalha no condomínio, relata que era uma mulher educada, uma trabalhadora.

L. não contava, porém, que às suas costas havia um motorista dirigindo em alta velocidade. O homem dirigia uma Mercedes e, segundo outro motorista, estava correndo muito. Possivelmente para não bater no carro à frente, o motorista da Mercedes desviou o automóvel e atingiu em cheio a diarista.
L. estava perto de um poste, preparando-se para atravessar a rua. Avaliava certamente que, na ilha, estava protegida do tráfego veloz e furioso. Não estava.
O motorista da Mercedes bateu em L. e jogou-a no meio da pista da Avenida Alphaville, onde tem uma rotatória. Morreu no local. A três metros do corpo, ficou parte da frente do veículo – o símbolo da empresa, a estrela.

O automóvel que serviu de “arma” para matar L. é de origem alemã, da terra de Goethe. O motorista não é, por certo, um selvagem. Mas comportou-se de maneira desumana. Atropelou L. e fugiu. Pego pela Polícia Militar – que atuou de maneira eficiente no caso –, se recusou a fazer o teste do bafômetro. Parecia bêbado? Há versões diferentes.
A área onde L. foi atropelada é um espaço aberto para novos atropelamentos. A Agetop (na gestão do governo anterior; o Jornal Opção chegou a alertar sobre o problema, mas os obreiros fazem o que querem) construiu uma pista paralela à outra pista, com o objetivo de facilitar o tráfego para automóveis (a prefeitura chegou a fechá-la, mas, sob pressão de moradores que têm carros, reabriu-a). Mas esqueceu que centenas de indivíduos que não têm veículos andam pelo local. São trabalhadores – pedreiros, serventes de pedreiros, frentistas dos dois postos de combustíveis, vigilantes, empregadas domésticas – e moradores dos condomínios que se arriscam a fazer caminhadas (ou compras) pela região. Eles correm perigo diariamente, tentando atravessar as “ruas”, driblando os automóveis de motoristas que têm pressa, muita pressa.
L. deixa a família, que, por causa da pandemia do novo coronavírus, terá de enterrá-la com escassa presença de familiares e amigos.
Perto de seu corpo, uma máscara de cor preta – cor do luto no Brasil – parece indicar o seu destino. Já o motorista contratará um advogado de renome e, certamente, responderá ao processo em liberdade. Dirão, ele e o advogado, que se trata, o “crime”, de homicídio culposo, quer dizer, não houve intenção de matar.
L. morreu. Como diz a música de Chico Buarque, atrapalhando o trânsito.