Como escrevo a coluna Imprensa, ao lado de Elder Dias — autor de excelentes textos sobre a mídia —, leio, com frequência, sites sobre jornalismo e jornalistas. São vários. Uns bons, outros razoáveis e alguns muito ruins. O sensacionalismo impera em parte deles. Assim como certa falta de elegância básica: jornalistas como Chico Pinheiro e Dora Kramer — uma das mais gabaritadas analistas políticas do país — são, por vezes, tratados como “medalhões”, de maneira pejorativa.

Ao lado do sensacionalismo, viceja a fofoca, que é uma espécie de “anjo caído” da verdade. Títulos “explosivos” não condizem, muitas vezes, com o conteúdo das ditas “reportagens”. Fotografias expõem profissionais, mas as “matérias” não raro mal falam deles.

Pintura de Igor Morski

Mas há outro aspecto raramente comentado — se é que se comenta. Certas reportagens sobre a crise da imprensa são primárias, até pueris.

Quando um jornalista é demitido de uma rede de televisão, como a Globo e a Record, ou de um jornal, como a “Folha de S. Paulo” e “O Globo, são publicadas reportagens espetaculares, como títulos bombásticos. Há os que mencionam, corretamente, que os afastamentos têm a ver com a redução do faturamento — daí a “necessária” contenção de despesas.

Exposta a causa “aparente”, e certamente verdadeira — o faturamento das empresas de comunicação tem caído —, começa-se a fofoca, o disse-me-disse. Fulano “persegue” sicrano por isto e aquilo. Sicrano “não gosta” de fulano. Diz-se: o ambiente de trabalho “é ruim”. Coisas do gênero. Poucos se perguntam: como é que um profissional conseguiu trabalhar 20 anos numa empresa se o ambiente não era dos melhores?

Na verdade, nenhum editor sério gosta de demitir, de desfazer equipes. Porque organizar uma equipe que funcione por música não é nada fácil. São os órgãos de comunicação e seus editores que contribuem para o aprimoramento dos profissionais que chegam por vezes crus e imaturos às redações. Então, demitir quem se ensinou por um bom tempo é desperdiçar recursos. Portanto, é possível sugerir que demitir, na maioria dos casos, não é um ato de maldade. É, às vezes, uma necessidade das empresas (capitalistas, diga-se) — contra a qual editores nada podem fazer (muitos deles também são demitidos).

Há uma questão que urge apontar. As empresas de comunicação mais antigas constituíram grandes estruturas, pois, durante certo tempo, eram necessárias. O faturamento era alto, o que possibilitava salários condizentes. Profissionais de alta qualidade, sobretudo aqueles com renome, eram disputados a peso de ouro. Alguns deles, ao final do mês, mais pareciam acionistas do que assalariados. Os salários eram equivalentes a retiradas de sócios — algo assim.

Pintura de Igor Morski | Foto: Reprodução

Entretanto, os tempos mudaram. Diz-se: “O ex-presidente Jair Bolsonaro quase acabou com a Globo”. Outros afiançam: “O presidente Lula da Silva vai acabar com a Jovem Pan”.

A Jovem Pan montou uma estrutura dispendiosa (que fez sucesso como experiência de jornalismo altamente ideologizado), para tempos bolsonaristas, pois Bolsonaro era um aliado ideológico do proprietário e de um grupo de jornalistas — muitos deles experimentados, como Augusto Nunes e Guilherme Fiuza. Nos tempos petistas, o faturamento caiu, e não necessariamente porque o governo federal deixou de investir. Empresas privadas estão deixando de anunciar na Jovem Pan, desde há algum tempo, em decorrência da pressão de setores da sociedade, alertados pelo Sleeping Giants (a Pan ficou com a imagem de negacionista e divulgadora de fake news). Há, por certo, quem não queira desagradar o governo dos reds.

Mas o que robusteceu a crise da Jovem Pan foi sua grande estrutura, que, com menos recursos, a empresa não tem como manter. O proprietário não é, evidentemente, nenhum filantropo.

O caso da Jovem Pan não é diferente de outros. A Globo reduziu sua equipe, com grandes cortes no jornalismo e no entretenimento (no elenco de atores de novelas, por exemplo). Maldade? Nada disso. Para sobreviver num mercado cada vez mais competitivo. Talvez possa se resumir a questão assim: ou corta ou morre. A Record está fazendo a mesma coisa. Assim como a Band.

Quem quiser sobreviver, no mercado de comunicação, certamente terá de ficar menor.

A comunicação mudou. Os melhores jornais e emissoras de rádio e televisão, assim como sites e portais, vão sobreviver — desde que se atenham a uma política empresarial realista (diga-se que a crise é mais do negócio da comunicação do que do jornalismo em si). As mudanças globais na comunicação não foram entendidas de imediato pelos executivos da mídia — que vinham de um outro tempo, que compreendiam bem. Porém, como a mudança foi abrupta — e continua numa velocidade extrema —, eles não perceberam que teriam de agir em cima dos novos fatos. Esperaram, esperaram, esperaram. Aí a crise agigantou-se.

Durante anos, a Globo não contava com um competidor à sua altura. Record, SBT e Band no máximo tentavam ficar em segundo lugar, comemorando quando um de seus programas superava a rede da família Marinho no Ibope. Sem concorrência, o faturamento era alto.

Pintura de Igor Morski

Entretanto, com a revolução da comunicação, proporcionada pela internet, o mundo caiu de paraquedas na casa de todas as pessoas, ou melhor, em seus celulares. Se o mundo chega nos smartphones, não raro com baixo custo — os leitores estão sempre encontrando uma saída para burlar sites inteiramente “fechados” —, é sinal de que as fontes de informação se tornaram muito mais amplas.

Desde algum tempo, ficou fácil ler jornais de qualquer país, consultar livros em várias línguas, assistir praticamente todos tipos de filmes, séries e documentários. O mundo está ao alcance de nossos olhos e dedos. Sendo assim, muita gente está deixando de acompanhar os veículos tradicionais (e mais críveis). Por isso a audiência de quase todas as redes de televisão caiu, e, se brincar, vai cair ainda mais. Leitores e telespectadores estão sendo disputados, para exagerar um pouco, quase no tapa. Convencer alguém a consultar o seu produto é cada dia mais difícil.

Redes sociais e aplicativos absorvem a atenção de parte significativa das pessoas. A GloboNews informa que “a inflação caiu” e conta que há “deflação”. Notícia boa para todos? É. Mas, pensando bem, aquele vídeo do gato ou do cachorro fofo das redes sociais é muito mais atraente. “Vamos compartilhar?” É claro. Humoristas contando piadas — muitas delas divertidas, outras bem insossas — é um prato cheio na era da dispersão. Eu mesmo paro para ouvir a fala de uma menina de 3 anos, a inteligente e perspicaz Lulu, de Brasília, ou ver ações de gatos e cachorros espertos.

Num ensaio de 1990, “O público distraído” — inserto no excelente livro “Tudo Faz Sentido: Do Passado Obscuro ao Futuro Incerto” (Rocco, 378 páginas, tradução de Rubens Figueiredo) —, Saul Bellow assinala que se solicita “a nossa atenção não para concentrá-la mas para dispersá-la. (…) Se a felicidade é a remissão da dor, emergir da distração constitui a satisfação estética”.

O escritor canadense-americano cita George Orwell, que morreu em 1950: “Afundamos a tal profundidade que a restauração do óbvio tornou-se a primeira tarefa do ser humano civilizado”. O ensaísta acrescenta: “O óbvio é que todas as mentes foram arrastadas para um terreno comum”.

Escrevendo há 33 anos, Saul Bellow nos diz: “Na adolescência, graças a Wordsworth [poeta britânico] e outros, tomei consciência de que havia coisas mais elevadas e que estas coisas elevadas se achavam sitiadas, em dificuldade, seu terreno estava diminuindo. (…) Cada vez mais temas públicos, com cada vez menos consciência pessoal. Evidentemente, a consciência pessoal está se encolhendo”. Quem fica plugado o dia inteiro no Instagram aprecia ler isto?

O que fazer? Primeiro, entender que a crise é mais do negócio da comunicação do que do jornalismo — que, a rigor, vai bem, obrigado. Mas a redução do investimento em jornalismo — em reportagens de qualidade — tende a enfraquecê-lo (não à toa que muitos sites estão trocando a reportagem pela “recortagem”. Me contaram que, num site, os jornalistas mais bem avaliados pelos editores são aqueles que copiam o maior número de releases, mudando apenas algumas palavras ou frases). Segundo, o sucesso do Google, assim como das redes sociais, deveria inspirar, de alguma maneira, as empresas jornalísticas. Mais do que o jornalismo, são as empresas de comunicação que precisam se reinventar.

Por fim, a crise “do” jornalismo no Brasil não tem a ver nem com Bolsonaro nem com Lula da Silva, como os incautos parecem acreditar. O problema é universal.