Crise de Jair Bolsonaro, maior do que a da Globo, tem causa: não soube se reinventar

01 outubro 2022 às 17h54

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O bolsonarismo trata a rede de comunicação da família Marinho como “Globo lixo”. Mas é mero discurso para arregimentar a militância contra um dos supostos adversários do presidente Jair Bolsonaro.
Pouco antes do debate na Globo, na semana passada, Bolsonaro admitiu a força da rede de televisão: “A Globo, se você não vai, você tá morto”. O que disse desmonta todo seu discurso a respeito de que “fragilizou” a emissora dos Marinho.
Em seguida, para afagar os bolsonaristas — militantes pouco dados à reflexão crítica e independente —, Bolsonaro acrescentou: “Se for, você leva tiro. Mas nós temos a verdade do nosso lado, não tem o que temer. Nós sabemos quem é o candidato da Globo, quem é o William Bonner, né, e o que eles pretendem”.
Bolsonaro “levou tiro” durante o debate? Recebeu críticas normais e se defendeu como quis, às vezes excedendo, e desrespeitando as regras, como falar durante a fala de outro candidato.
Procede que o candidato da Globo, “nominado” implícita mas não explicitamente por Bolsonaro, é Lula da Silva, do PT? De fato, é — e por exclusão. Por que o apoio ao petista, ex-“adversário”? Porque é o único que tem condições de derrotar Bolsonaro. Não se trata de um “companheiro de jornada”, e sim de um aliado circunstancial.
O presidente “empurrou” a Globo e boa parte da Imprensa para Lula da Silva. Deu ao petista uma aliada de peso, que tem sido corrosiva para a imagem de Bolsonaro — que é apresentado como “despreparado” para governar um país do porte do Brasil.
Ao contrário do que sugere Bolsonaro, a conduta do jornalista William Bonner, como mediador do debate, foi exemplar — não se comportando, em nenhum momento, como linha auxiliar do candidato do PT. O apresentador do “Jornal Nacional”, mesmo quando irritado com o padre K (trata-se de um personagem de Kafka que escapou da ficção e está andando por aí), teve uma paciência infinita.
Bolsonaro disse que a Globo planeja “voltar a mandar no governo, voltar a arranjar dinheiro”. Há um equívoco: a Globo não mandava nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff. A relação, ainda que civilizada, era de conflito.
Muito ao contrário do que Bolsonaro diz, para ludibriar os bolsonaristas, a Globo não deixou de faturar dinheiro do governo federal — e não “do” presidente — nos últimos três anos e nove meses.
O bolsonarismo tem o hábito de insinuar que a Globo “está em crise” porque não recebe mais fortunas do governo federal. Por causa da mídia técnica, que tem de acatar a questão da audiência — e a Vênus Platinada supera todas as demais redes —, a Globo ainda fatura alto. Menos do que antes, por certo. Mas ainda lidera em termos de faturamento. Portanto, Bolsonaro não fala a verdade quando sugere que o Grupo Globo praticamente não fatura no governo federal.

O que se pode dizer, e isto não interessa ao bolsonarismo, é que a Globo passa por uma crise que nada tem a ver com o governo de Bolsonaro. A audiência caiu, mas não por causa da ascensão das outras redes abertas, e sim pela imensa quantidade de entretenimento que se tem nos canais por assinatura e, claro, a fartura de tudo na internet (o celular é uma espécie de arma do telespectador, que tem programas pagos e gratuitos à disposição).
A disputa da Globo não é mais com TV Record, SBT e Band — que permanecem atrás e sem expectativa de crescimento —, e sim com o que se produz no mundo. Aprecio boxe, a nobre arte — escultura com punhos —, e, por isso, assinei a plataforma Dazn (a volta do boxe ao Combate é uma boa notícia. Uma pena que o canal esteja perdendo as lutas do UFC para a Band). Se quer assistir uma infinidade de filmes, séries e documentário, o telespectador pode recorrer à Netflix, à Amazon Prime etc. Há também a Sky e a Net. Há também as redes sociais, que absorvem um bom tempo dos indivíduos. Então, com tanta coisa para se ver e fazer, é natural que a audiência da Globo e das demais redes tenha caído. Mas, de algum modo, permanece alta. Porém, com tantos meios de comunicação — grandes, médios e pequenos —, também é natural que a audiência esteja mais dividida (assim como o faturamento).
Nos novos tempos, todos — inclusive os indivíduos, e não apenas a Globo, as demais redes, os jornais, as revistas, os sites, os blogs — precisam se reinventar. E nem é para crescer muito, e sim para não ficar para trás. As publicações estão muito iguais — uma é a cara da outra, porque todos querem “bombar” aquilo que é comentado nas redes sociais — e, para atrair e manter público, digamos, fiel, será preciso ter identidade, ser menos igual. Jornais que permanecerem meramente factuais, iguais aos demais, tendem a não sobreviver num mercado altamente competitivo. Firmar o “diferencial” é decisivo para acolher um público diversificado e também um público qualitativo.
Voltando a Bolsonaro. Não se deve afirmar que todos os bolsonaristas são ignorantes, porque não são. Porém, talvez por endossarem as “ideias” e “atitudes” do bolsonarismo sem espírito crítico, não perceberam que o presidente, ante uma circunstância adversa — a ascensão de Lula da Silva —, não soube se reinventar. Bolsonaro está ficando para trás, porque dialoga mais com o passado do que com o presente. A pregação exclusiva para os convertidos, sem agregar apoios novos, pode ser responsável por uma possível derrota do candidato da direita. Uma jogada que poderia ter sido certeira, um recuo para o centro e a redução de conflitos com a Imprensa, não foi adotada pelo postulante do PL.