Historiadores dizem que o nazista, protegido de Himmler, foi executado a mando de Hitler. Mas pesquisa sugere que morou na Argentina e no Brasil, onde morreu

“Hitler” (Companhia das Letras, 1077 páginas, tradução de Pedro Maia Soares), do historiador britânico Ian Kershaw, é um estudo extraordinário tanto da vida do ditador nazista, da Alemanha, quanto de boa parte da história do século 20. Há poucas informações sobre Hans Georg Otto Hermann Fegelein (1906-1945), um dos homens de Heinrich Himmler na SS.

Kershaw relata, na página 977: “Nem todos estavam dispostos a participar de um pacto suicida. Hermann Fegelein, o oportunista cínico, mulherengo e fanfarrão que chegara a um alto posto na hierarquia da SS graças ao favor de Himmler e depois selara seus laços com a ‘corte’ de Hitler por meio de um casamento com a irmã de Eva Braun [Gretl Fegelein], havia desaparecido do bunker. Sua ausência foi notada em 27 de abril [de 1945]. E, naquela noite, ele foi descoberto em trajes civis em seu apartamento de Charlottenburg, completamente bêbado e com uma boa quantidade de dinheiro guardado em sacos prontos para partir. Ele telefonou para Eva Braun para pedir que intercedesse. (…) Mas não adiantou. Ele foi arrastado de volta ao bunker em profunda desgraça, teve suas divisas arrancadas, foi rebaixado e mantido numa cela improvisada até que Hitler estivesse pronto para vê-lo”.

Na página 981, Kershaw relata que, postulando que Himmler conspirava contra seu governo, Hitler acreditou que Fegelein, que era ligado ao chefão da SS, também estava conspirando, inclusive para matá-lo. Otto Günsche e Martin Bormann convenceram Hitler “a entregá-lo a uma corte marcial, que foi improvisada às pressas. Após as mais simples formalidades, Fegelein foi sumariamente condenado à morte, levado de imediato para fora e alvejado nas costas por um homem do SD antes mesmo que pudesse ser posto diante de um pelotão de fuzilamento. Algumas das pessoas reclusas no bunker ficaram chocadas com o fato de alguém do ‘círculo íntimo’ ser culpado de ‘traição’ e ser liquidado de forma tão peremptória. Para Hitler, era o máximo que ele podia fazer para se vingar do próprio Reichsführer-SS” (Himmler).

“Heinrich Himmler — Uma Biografia” (Objetiva, 911 páginas, tradução de Angelika Elisabeth Köhnke, Christine Röhrig, Gabriele Ella Elisabeth Lipkau e Margit Sandra Bugs), de Peter Longerich, trata brevemente de Fegelein, mas não menciona sua morte.

Num livro recém-publicado no Brasil, “Conspirações Sobre Hitler — O Terceiro Reich e a Imaginação Paranoica” (Crítica, 266 páginas, tradução de Renato Marques de Oliveira), Richard J. Evans, ex-professor de Cambridge, menciona Fegelein. No ensaio “Hitler escapou do bunker”, o historiador britânico assinala que Simon Dunstan e Gerrard Williams, no livro “Lobo Cinzento — A Fuga de Adolf Hitler: O Caso Apresentado”, “afirmam que o cunhado [na verdade, concunhado] de Hitler, Hermann Fegelein, escapou do bunker com o líder nazista, mas novamente a evidência não é apenas boato, mas um rumor de terceiros e, ainda por cima, do pós-guerra — a afirmação supostamente teria sido feita pelo pai de Fegelein a um oficial que o entrevistou em setembro de 1945, embora na verdade haja evidências contemporâneas diretas de testemunhas oculares que mostram que Fegelein foi baleado em 28 de abril de1945 por ordem pessoal de Hitler — por tentar sair do bunker sem permissão”.

Waldemar Fegelein, Hermann Fegelein, Gretl Braun (no dia do casamento), Adolf Hitler e Eva Braun e, acima, Heinrich Himmler | Foto: Alamy/Fotoarena e Arquivo Público da Alemanha

Afinal, Fegelein morreu ou não em 28 de abril de 1945, aos 38 anos? Segundo reportagem da revista “Carta Capital”, “Rastros de um nazista”, assinada por Marcelo Netto, o homem da SS conseguiu escapar e morou no Brasil.

O repórter Marcelo Netto conta que, há alguns anos, se encontrou com um alemão, de nome Hermann, numa feira da Cidade Dutra, no Estado de São Paulo. Tratava-se de Hermann Fegelein, acompanhado de sua mulher, Fanni Erika von Ammon. Depois de uma breve conversa, o casal, desconfiado, deixou a feira sem nada comprar.

O jornalista não desistiu de Fegelein e, 15 anos depois, conseguiu informações objetivas e detalhadas. “Perícias de fotos e de assinaturas indicam, com uma margem desprezível de erro: o senhor Hermann que conheci na feira da Cidade Dutra é Hermann Fegelein, assessor especial de Heinrich Himmler.”

Hermann Fegelein fotos de seus documentos na Argentina e no Brasil | Foto: Reproduções

A se aceitar a investigação de Marcelo Netto, Fegelein não foi assassinado. “Não se sabe comprovadamente quem o assassinou e de que maneira. E, embora o governo alemão insista na tese da execução, seu corpo nunca foi encontrado” (vale reler, acima, o que postulam Ian Kershaw e Richard Evans, gabaritados pesquisadores da história do nazismo). “Nenhuma testemunha realmente viu Fegelein ser executado. Muito menos o corpo”, anota a reportagem da “Carta Capital”. Sugere-se que Fegelein teria fugido com Heinrich Müller, o chefe da Gestapo. Os historiadores mais gabaritados sustentam que Müller morreu em 1945.

O perito brasileiro Eduardo Zocchi, ao comparar as fotografias de Fegelein jovem e as do nazista refugiado na Argentina e, em seguida, no Brasil, pontua: “Os resultados obtidos conduzem à conclusão de que realmente se trata da mesma pessoa. Estima-se, de modo aproximado, uma certeza nesse sentido por volta de 90%, ou até mesmo maior”.

Certidão de Óbito de Fegelein (com o nome Hermann Volkert Ramsauer) e sua grafia | Fotos: Reprodução

De acordo com Marcello Netto, “as características físicas e antropométricas permanecem compatíveis em todas as imagens, garante o laudo”.

O repórter sublinha que “a perícia grafotécnica também não fica atrás”. O perito Osvaldo Negrini Neto declara que “tudo levar a crescer que as assinaturas tenham se originado do mesmo punho”.

Sobrinho-neto de Fegelein — neto de Waldemar Fegelein, irmão de Hermann —, Juan Pablo Ruppel compartilhou fotografias com o pesquisador argentino Jorge Pedro Bordón.

Juan Pablo contou que o nome de seu tio-avô era Hans Ruppel, nome usado por Fegelein na Argentina. Utilizou também os nomes de Otto Plantz ou Otto Pantz.

O pai de Juan Pablo era filho de Waldemar. Como ele não cuidou da criança, Horst Schmidt, ex-sargento da 3ª Divisão SS Totenkopf, se tornou seu tutor. Era um homem de 2 metros de altura.

Adolf Hitler, Heinrich Himmler e, ao fundo, Hermann Fegelein | Foto: Reprodução

Numa fotografia de 1947, feita em Buenos Aires, os irmãos Fegelein aparecem ao lado de Horst. Sem dinheiro, Juan Pablo começou a vender objetos de Fegelein, “entre” eles “uma Parabellum calibre 45, número de série limitada 05, de valor inestimável por haver pertencido a Hitler”. Havia também armamento que havia sido de Joseph Goebbels e Otto Skorzeny.

Schmidt deu uma informação falsa — não há evidência alguma a respeito do assunto — a Juan Pablo. Ele disse que Hitler, Eva Braun e Fegelein chegaram à Argentina num submarino, na companhia de 50 nazistas. Pesquisadores sérios contestam e afiançam que Hitler se suicidou, ao lado de Eva Braun, em 1945. Seus ossos, o que restou deles, foram levados para a União Soviética, por ordem expressa de Ióssif Stálin.

Bordón afirma que o médico Joseph Mengele, um dos carniceiros de Auschwitz, morou numa casa de Fegelein, em Buenos Aires. O nazista era então conhecido como Otto Pantz.

Horst Schmidt e Waldemar e Hermann Fegelein

Fegelein esteve no Brasil, em junho de 1964. Ele desembarcou no Aeroporto de Viracopos, em Campinas. Na época assinava-se Herman (só com um “n”) Ramsauer. Seu passaporte era alemão. Pesquisas do prefeito de Laichingen, na Alemanha, Klaus Kaufmann, comprovaram que seus documentos eram falsos. Seus “pais”, descritos em seus documentos, não tinham filho com o nome de Herman Ramsauer.

Maria Margarita Baltín Ramsauer, então mulher de Fegelein, chegou ao Brasil 11 dias depois do marido, em junho de 1964. Estava com um filho, o bebê André Ramsauer. Ele se registrou na Delegacia Especializada de Estrangeiros como “industrial” e ela, “prendas domésticas”. Em seguiram, tiveram a filha Nicola Ramsauer.

É provável que Fegelein estivesse sondando o Brasil. Em 28 de junho de 1974, Hermann (“com dois enes”) Volker Ramsauer voltou ao Brasil, agora em caráter definitivo. Viúvo, estava acompanhado dos dois filhos, André (mora na Alemanha) e Nicola. Eles foram morar em Santo Amaro.

Em 1982, Fegelein se casou com Fanni Erika von Ammon. O ex-tutor de Fanni, Günter Paul Dauch, era membro do conselho de administração da Mannesmann no Brasil.

Fanni Ammon foi casada com Fritz von Ammon, “o mensageiro dos nazistas reorganizados na cidade de Marechal Rondon, no Paraná, na fronteira com o Paraguai”, aponta Marcello Netto.

Fegelein morreu em São Paulo, em 2 de outubro de 2008, com o nome de Hermann Volker Ramsauer, “em decorrência de um câncer de cólon. O corpo foi cremado no Horto da Paz, em Itapecerica da Serra”. Sua filha, Nicola Ramsauer-Bruner — mora nos Estados Unidos —, informa que “as cinzas foram jogadas em Paraty, litoral Sul do Rio de Janeiro”.

A reportagem-pesquisa de Marcello Netto é convincente? A rigor, parece diferente das teorias conspiratórias. Porque é bem documentada. Vale consultar o site da revista para verificar toda a documentação reunida pelo repórter.

O nazista Hermann Fegelein organizou assassinatos de judeus

Hermann Fegelein era um nazista brutal. Era o queridinho de Heinrich Himmler na SS. Em 1939, durante a Segunda Guerra Mundial, organizou o assassinato de 1,7 mil pessoas “nos bosques de Kampinos, ao redor de Varsóvia”. Era o comandante do 1º Batalhão de Cavalaria da 3ª Divisão SS Totenkopf.

Em 1941, acusado de estupro de uma polonesa, em Cracóvia, escapou à corte marcial dada a proteção de Himmler.

Numa região entre a Ucrânia e a Bielorrússia, Fegelein comandou o assassinato de 14.178 judeus, 1001 partidários e 699 soldados do Exército Vermelho. A ação dos criminosos nazista é conhecida como Massacres dos Pântanos de Pripyat. Trata-se, de acordo com a reportagem, do “primeiro assassinato em massa de civis planejado pela Alemanha nazista”.

Na Operação Valquíria, tentativa de assassinato de Hitler, Fegelein estava próximo e saiu ferido, mas sem gravidade.