Companhia das Letras lança todos os contos de Julio Cortázar em edição caprichada
27 maio 2021 às 19h54
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Nem o preço — 269,90 reais — deve assustar os apreciadores de literatura de alta qualidade. Afinal, o cartão de crédito serve pra que mesmo?
O maior inimigo do livro no Brasil não é o imperador bárbaro Messias, dito Jair Bolsonaro, também conhecido, no Palácio do Planalto, como “Zero à Esquerda”. Tampouco é Paulo “Imposto” Guedes, conhecido, em Chicago e adjacências, como Posto Tabajara.
O maior inimigo do livro no Brasil é seu preço — muito elevado. O que decorre, por vezes, das pequenas tiragens.
O maior amigo do livro no Brasil é o cartão de crédito (nem digo os preços da Amazon, porque não aprecio dumping). Porque, ao contrário de outros países, no país da excelente poeta Angélica Freitas se consegue, com o cartão, parcelar a compra, o que torna possível, aos que não têm uma renda alentada, adquirir livros.
Veja só: a Companhia das Letras está colocando nas livrarias patropis “Todos os Contos”, de Julio Cortázar, por 269,90 reais! A exclamação não tem só um motivo, não. Na verdade, tem três. Primeiro, a publicação é um portento, um esforço editorial que merece todos os elogios deste vasto mundo. Segundo, a tradução é de duas craques — Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista. É garantia de que teremos um Cortázar em estado de graça em português. Terceiro, o preço! Quem vai comprar um livro — no caso, são dois volumes — que custa 270 reais? Poucos, muito poucos. Aí, claro, entra o cartão de crédito — o maior amigo dos ledores indefectíveis, como Marcelo Franco, Iuri Rincon, Roberson Guimarães, Cristiano Deveras, Helverton Baiano, José Carlos Guimarães, Brasigóis Felício, Salomão Sousa, Adelto Gonçalves, Carlos Augusto Silva, Mário Avezu, Ademir Luiz, Edival Lourenço, Carlos César Higa, Aureliano Martins Peixoto, Anderson Alcântara (contista) e Carlos Willian. Em dez prestações, sem juros, o leitor pagará, pelos 2,159 quilos dos dois volumes, 26,99 reais por mês. É melhor do que reformar o sofá que o gato arranhará no dia seguinte da entrega e o cachorro morderá quiçá pelo cheiro de couro (ou do material sintético).
Nem todos os contos de Julio Cortázar são de entusiasmar, é claro. Mas várias de suas histórias curtas — algumas nem tão curtas — são de excelente qualidade. A edição, que reúne toda a sua produção, permitirá ao leitor, mesmo ao não especialista, avaliar o conjunto. O que se perceberá, quem sabe, é que a média do escritor argentino, nascido na Bélgica, é alta, até muito alta.
Antes, a Companhia das Letras havia publicado o romance “O Jogo da Amarelinha”, espécie de duelo de Julio Cortázar com toda a literatura modernista do século 20. O romance, que permite duas leituras — indicadas pelo autor —, é, para usar uma palavra desusada, quiçá por seu caráter meio nacionalista, sublime. Tanto a história como a forma (as formas) de contá-la. A tradução, precisa, é de Eric Nepomuceno.
Bem, se Candice Marques de Lima, minha mulher — leitora aficionada de “O Jogo da Amarelinha” —, não proibir, porque já comprei livros este mês, pelo portal Estante Virtual, daqui a pouco usarei o cartão de crédito, a maior invenção do século 20, depois da gilete e do computador, para comprar “Todos os Contos”. A edição, com capa dura, com os dois volumes numa caixa, tem a excelência da Companhia das Letras.
Do site da Companhia das Letras, retiro o que tu, se quiser, lerá abaixo.
Uma estrutura em tensão, diz Davi Arrigucci
“‘A verdadeira revolução de Cortázar está nos contos. Neles, Cortázar não experimentou: ele encontrou, descobriu, criou algo que não perece’, anotou o escritor Mario Vargas Llosa. Com novas traduções de Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista, uma edição com os contos completos de Julio Cortázar chega pela primeira vez ao leitor brasileiro. Considerado um dos autores mais inventivos do século 20, Cortázar modificou para sempre o gênero e escreveu clássicos como ‘Casa tomada’, ‘A autoestrada do sul’, ‘Carta a uma senhorita em Paris’, ‘Continuidade dos parques’, ‘As babas do diabo’, ‘A ilha ao meio-dia’.
“Esta edição de ‘Todos os Contos’, em dois volumes com capa dura e mais de 1200 páginas [noutra parte, a editora informa 1144 páginas], vem numa caixa com projeto especial de Elaine Ramos. ‘Bestiário’, ‘Todos os Fogos o Fogo’, ‘As Armas Secretas’, ‘Octaedro’, ‘Fim do Jogo’, ‘Histórias de Cronópios e de Famas’, todos os livros fundamentais de Cortázar estão aqui. A edição conta ainda com os dois célebres ensaios do autor sobre a escrita de contos, ‘Alguns aspectos do conto’, de 1963, e ‘Do conto breve e seus arredores’, de 1969, além de um estudo do crítico argentino Jaime Alazraki sobre o Cortázar contista.
“‘Em Cortázar, o conto é entendido como uma totalidade orgânica, uma narrativa de economia rigorosa, uma estrutura em tensão, limitada quanto ao tempo e quanto ao espaço, na qual todos os elementos devem estar, necessariamente, em função do efeito unitário do conjunto’, frisa Davi Arrigucci Jr.”