“Comentário” de Alexandre Garcia sobre enchente não é liberdade de expressão

16 setembro 2023 às 23h10

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É bem verdade que Alexandre Garcia sempre teve um pé e meio na canoa de apoio a tudo aquilo que contrariasse o que considera ser “de esquerda”. Durante todo o governo de Jair Bolsonaro (PL), o veterano comunicador se postou como um vigoroso soldado da tropa de choque da desinformação da extrema direita.
Porta-voz de João Baptista Figueiredo, o último presidente da ditadura militar, depois do fim do regime ele se consolidou durante décadas como um dos principais nomes nos telejornais da Rede Globo. Como a ex-colega Giuliana Morrone falou em um áudio vazado à época da pandemia – quando Garcia tecia críticas seguidas a sua antiga empregadora –, ele na mão, na principal emissora do continente, o “microfone de ouro”, uma expressão do meio para dizer que alguém está do topo da cadeia de jornalistas.
Em sua trajetória pós-Globo, Garcia passou por CNN, Jovem Pan e agora está na Revista Oeste, um dos canais fundados durante o governo Bolsonaro para dar suporte à ideologia de plantão. Além disso, à semelhança de outros jornalistas famosos, ele passou a ser produtor de conteúdo para o próprio canal no YouTube, que leva seu nome.
Foi desse canal que, em 2021, foram deletados pelo menos 126 vídeos, considerados como divulgadores de notícias falsas em meio à pandemia. Com fake news ou sem, o Google divulgou que ele havia conseguido obter quase US$ 70 mil com as visualizações de suas postagens, que, entre outras coisas, pregavam a eficiência da ivermectina no combate à Covid-19 e contestavam medidas sanitárias da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Fazia então, e continua fazendo, um conteúdo muito satisfatório para os “conservadores”. Mas, mais do que na direita, as raízes de Alexandre Garcia parecem estar no reacionarismo puro. No caso presente, está a polêmica e irresponsabilidade declaração de uma suposta suspeita (dele próprio) de que usinas hidrelétricas próximas à região da trágica inundação no Rio Grande do Sul, construídas “durante os governos petistas”, teriam aberto propositalmente suas comportas durante o ciclone e contribuído para que o quadro piorasse.
A notícia foi desmentida pelas autoridades responsáveis pelas represas em nota oficial e a Advocacia-Geral da União (AGU) disse que investigaria a atitude de Alexandre Garcia, com base no que ele comentara. O jornalista contra-atacou, dizendo que estavam “querendo investigar quem pedia investigação”.
A mesma AGU entrou com pedido de direito de respostas e Garcia foi obrigado a lê-lo em suas durante o programa do canal do YouTube da Revista Oeste. Mesmo assim, fez questão de falar em “liberdade de expressão”. Não custa repetir: liberdade de expressão não é liberdade para cometimento de crimes. Disseminar fake news, meias verdades ou desinformação pura e simplesmente é algo que precisa ser combatido como tal.
Tudo que o Rio Grande do Sul menos precisa no momento é de uma guerra partidária que use as vítimas como massa de manobra, seja para atacar ou exaltar governos e governantes. Afinal, tudo que for feito pelo poder público será ínfimo diante das perdas afetivas e financeiras para tantos milhares de pessoas. Usar isso como bomba de alcance ideológico oscila entre o mesquinho e o cruel.