Com a unificação das edições de sábado e domingo em uma só, jornal procura publicar reportagens mais consistentes para suprir a redução de conteúdo

As duas últimas edições de sábado e domingo e a primeira superedição do Pop

Entre os vários moinhos de vento que rondam a cabeça de presidente Jair Bolsonaro, a imprensa é um dos alvos prediletos. A mais nova diatribe, que provocou reações de jornalistas e entidades que os representam, foi dizer que os jornalistas são uma espécie em extinção e deveriam estar vinculados ao Ibama. É uma provocação, bem ao estilo do ex-capitão do Exército, mas não deixa de ter um irônico fundo de verdade.

As empresas de comunicação brasileiras passam por uma crise de financiamento já há alguns anos. Mesmo a poderosa Rede Globo tem feito ajustes – demitindo, renegociando salários. A Editora Abril, dona de gigantes como a Revista Veja e outras, entrou em um labirinto financeiro que levou a sua venda e perda de controle da família Civita.

A perda de circulação (no caso dos veículos impressos), a pulverização da audiência (com a popularização das tevês por assinatura) e, especialmente, a expansão da internet são alguns dos fatores que tornaram o negócio ainda mais difícil de gerir. Some-se a isso a crise de credibilidade fomentada pela polarização política – esquerda, direita e centro atacam os veículos de comunicação democraticamente.

Além de roubar audiência, a internet trouxe outro empecilho: a possibilidade de segmentação de pública baseada em inteligência artificial e os valores mais atrativos fizeram muitos anunciantes migrarem para o meio digital. Essa tendência atingiu de morte, principalmente, os jornais impressos, que são caros (para fazer e para ler) e não têm a agilidade dos demais meios.

Obviamente, muitos migraram para a web, seja em versões digitais ou em conteúdo exclusivo para o meio – normalmente, uma junção dos dois. Nessa migração, muitos ficaram pelo caminho (o caso mais notório é o do Jornal do Brasil). Outros ainda não encontraram um modelo de negócio sustentável, pois, mesmo sem o gasto com o papel, fazer jornalismo de qualidade ainda custa muito (há ainda muito gasto com tecnologia) e parece que o leitor não está disposto a pagar essa conta, muito menos os anunciantes.

Em Goiás, na mesma semana dois exemplos dessa crise da imprensa escrita (que sobrevive teimosamente) ocorreram simultaneamente. A Justiça decretou a falência do Diário da Manhã, anos depois de uma agonia pública. Cabe recurso, mas qualquer análise superficial deixa claro que mantê-lo é economicamente inviável, pois o montante das dívidas é estrondoso.

Superedição de 4 de janeiro: novos articulistas nacionais

O segundo exemplo vem do maior veículo impresso do Estado, o jornal O Popular, fundando pela família Câmara ainda na antiga capital, a cidade de Goiás. No primeiro fim de semana de 2020, o jornal lançou sua “Superedição de Fim de Semana”. O nome, em si, é uma ferramenta de marketing, para convencer o leitor e o mercado publicitário que vale a pena trocar duas edições por uma mais robusta e consistente.

Não é uma solução exclusiva do jornal goiano. O Valor Econômico, por exemplo, não tem edições aos sábados e domingos. O jornal A Gazeta, do Espírito Santo, abandonou o impresso diário, concentrando forças no online, mas tem uma edição impressa para o fim de semana. O Zero Hora, de Porto Alegre, adotou o modelo “superedição” de fim de semana em 2016.

Menos páginas

No caso do Popular, a unificação das edições de sábado e domingo em uma só é mais uma mudança drástica, que, a princípio, assusta os leitores – mas ela faz parte de um caminho inexorável. Há quase quatro anos, o jornal deixou o tradicional formato standard, maior, pelo berlinder, menor e mais fácil de manipular.

Com a superedição, o Grupo Jaime Câmara deixa de gastar um bom punhado de dinheiro em papel. Aos números: as edições de sábado e domingo, juntas, somavam 32 páginas no primeiro caderno, 8 no Esporte; 16 no Magazine e 12 de Classificados; a edição unificada tem 23 páginas no primeiro caderno, 7 no Esporte, 16 no Magazine e 6 de Classificados. Ou seja, de 68 páginas, agora são 62 no fim de semana. Na prática, economiza-se um primeiro caderno e uma edição de esporte de um dia útil normal.

Sem conhecer as contas do grupo, a observação das páginas dá algumas pistas dessa necessidade de cortar gastos. No último fim de semana de 2019 (sábado, dia 28, e domingo, dia 29 de dezembro), foram veiculados apenas três anúncios: dois de meia página da Pontifícia Universidade Católica (na verdade, uma coluna de notícias da instituição que é publicada há anos) e um de uma página da Enel, além de três calhaus (anúncios da própria empresa) de meia página cada. Nos Classificados, ao todo foram 222 anúncios de imóveis (para venda ou aluguel) e 75 de veículos.

Anúncio da casa, o chamado calhau, na edição de fim de semana

Já a “Superedição de Fim de Semana” trouxe um anúncio de meia página da PUC e um de um quarto de página da Unimed, além de um calhau. Os Classificados, agora só chamados de Classi, veicularam 150 anúncios de imóveis e 42 de veículos. Ou seja, se diminuiu o número de página, também diminuiu o número de anúncios. É preciso acompanhar o mercado ao longo dos próximos meses, pois são dois finais de semana atípicos, por estarem entre o período de festas de fim de ano e de férias de janeiro.

A redação tenta compensar a diminuição do número total de páginas e a ausência do jornal de domingo, que pode causar certo sentimento de orfandade no leitor assíduo, com material jornalístico mais consistente. A Superedição tem mais reportagens especiais. Na primeira delas, foram 12 páginas dedicadas a elas. No fim de semana anterior, foram publicadas apenas duas reportagens especiais – considerando-se como material especial aquele que ocupou ao menos duas páginas. Também foram apresentados dois novos articulistas. Infelizmente, ambos de fora de Goiás: Mário Sergio Conti e Martín Fernandez (o último do Globo Esporte).

O Popular é o maior jornal impresso de Goiás, pertence à maior empresa de comunicação do Estado e mantém sua influência e credibilidade, além de contar com um time de ótimos jornalistas. Tudo leva a crer, contudo, que o seu destino será, como o de outros, mergulhar definitivamente no digital.  Fica a torcida para que encontre um modelo econômico sustentável. Para se ter uma ideia, a assinatura do impresso custa R$ 54 por mês. A digital, R$ 19,90 (R$ 5,90 no primeiro mês). Ver como o Pop, como é carinhosamente chamado, vai se sair é acompanhar parte da história da imprensa goiana passando diante dos próprios olhos.