Cobertura das revistas Veja e Época amacia quando o assunto são denúncias contra Aécio Neves
21 março 2016 às 22h32
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Mas Época é um pouco mais incisiva e reveladora sobre a conta de Aécio Neves e de sua mãe no paraíso fiscal de Liechtenstein
A Imprensa está tratando as denúncias contra o tucano Aécio Neves com luvas de pelica. Mesmo as revistas, como “Época” e, sobretudo, “Veja”, estão pegando leve com o senador de Minas Gerais. Pode-se alegar que ainda há poucos dados, mas, se quiserem ser isentas, deverão dar, nos próximos dias, uma capa com político que disputou a Presidência da República contra Dilma Rousseff em 2014. Seu suposto envolvimento em falcatruas pode até ser menor do que o dos petistas, mas tudo indica que o jovem que ama o Rio de Janeiro tem alguma “culpa” no cartório. Na edição que está nas bancas, “Veja” e “Época” deram tratamento ligeiramente diferenciado ao neto de Tancredo Neves. Vou sintetizar as duas coberturas, com comentários ligeiros, para que os leitores possam, se quiserem, se posicionar. Parece claro que há uma certa proteção ao ex-governador — uma certa hesitação ao reportar seus “problemas”.
A cobertura da “Veja”
A reportagem “Ficou ruim para ele também”, de Pieter Zalis, ocupa quatro páginas, mas o espaço é uma ilusão. Uma página inteira é ocupada com uma fotografia de Aécio Neves e o título e subtítulo. A maior parte do espaço é ocupado com pequenas notas a respeito da lista dos denunciados pelo senador Delcídio do Amaral, do Mato Grosso do Sul.
“Veja” começa quente e, na conclusão, amacia: “Numa escala de zero a 10, a possibilidade de o presidente do PSDB, Aécio Neves, vir a se tornar mais um investigado da Lava Jato está hoje em 11”. O senador, depois da delação premiada de Delcídio do Amaral, “terá de prestar esclarecimentos aos procuradores sobre ao menos três acusações: a de ter se beneficiado de um suposto esquema de corrupção que vigorou na empresa estatal Furnas Centrais Elétricas, a de ter manipulado dados sigilosos na CPI dos Correios para subtrair indícios contra ele e a de ser beneficiário de uma conta secreta no exterior”.
Vários políticos, um “documento” listou 156, teriam sido beneficiados pelo esquema de Furnas. “A autenticidade do documento foi questionada e nunca comprovada”, sublinha “Veja”.
No primeiro governo de Lula da Silva como presidente, entre 2003 e 2006, todos pediam por Dimas Toledo. Diziam que o “amado” São Dimas deveria permanecer numa diretoria de Furnas. A lista dos pedintes: Aécio Neves (ex-governador de Minas, do PSDB), Alberto Youssef (doleiro), Fernando Moura (lobista), Jose Janene (ex-líder do PP) e o Partido dos Trabalhadores (PT). “Pelo jeito, ele está roubando muito”, disse, ironizando, Lula da Silva para Delcídio do Amaral. O então presidente queria dizer que, como os esquemas eram múltiplos, o diretor tinha de “roubar muito” para atender a todos.
Quando governador de Minas, em 2005, Aécio Neves, relata a “Veja”, “articulou com os deputados federais Carlos Sampaio (PSDB) e Eduardo Paes (PMDB, mas então tucano) a ampliação de um prazo para a entrega de dados sigilosos do Banco Rural à CPI dos Correios. O objetivo do tucano, disse o senador em sua delação, era ganhar tempo para apagar dos registros contábeis informações que poderiam ‘atingir em cheio’ a ele e seu então vice-governador mineiro, Clésio Andrade. O Rural era peça-chave no esquema do mensalão petista, investigado pela CPI na época, e teria tido papel semelhante no chamado mensalão tucano — esquema de financiamento ilegal pelo qual o ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB) foi condenado no ano passado a vinte anos de prisão”.
Aécio Neves diz que as denúncias são “absurdas” e “requentadas”. É a sua linguagem e resposta tradicional.
“Veja” deixa para o final a história de que Aécio Neves tem uma conta no paraíso fiscal de Liechtenstein. A denúncia também é de Delcídio do Amaral — que, este sim, não tem sido nada seletivo: está “entregando” e devastando a República. “O tucano afirmou que a conta pertencia à sua mãe, foi fechada em 2007 e se destinava a pagar estudos dos netos no exterior”, frisa a “Veja”. A revista pega leve e sequer, ao contrário do que faz noutras reportagens em que as personagens são do PT, faz alguma ironia ou denota estranheza com a espantosa história, típica de Kafka e Ionesco.
As denúncias podem ser o drummond no meio do caminho de Aécio em 2018. Ele pode ser rifado da disputa pela Presidência da República. Mas a “Veja” dá uma ajudazinha, descredenciando, desde já, as denúncias: “… a investigação pode ser positiva para o senador também. Se terminar provando sua inocência, servirá para dirimir de vez rumores antigos que reaparecem a cada campanha eleitoral que ele enfrenta”. O que a revista não sugere, porque não quer, é que, se for investigado a fundo, como tem sido os integrantes do PT, Aécio Neves poderá se tornar, em breve, o Lula do PSDB.
A cobertura da revista “Época”
Aécio Neves, como sabem até as praias de Ipanema e Copacabana, é um bon vivant — um “carioca” que, por acaso, faz política em Minas Gerais. Consta que, quando governador, dava as ordens para sua irmã Andrea Neves, executiva apontada como de primeira linha, e Antonio Anastasia, que cuidava das finanças, diretamente do Rio de Janeiro, onde ficava o palácio informal do governo. As “fotografias” expostas pela “Veja” e pela “Época” mostram, pelo contrário, um homem preocupado e apreensivo, com a mão no queixo. Corrigindo: a fotografia das duas revistas é a mesma, de autoria de Jorge Pimentel, da Agência O Globo.
A reportagem de “Época”, “A pasta amarela”, assinada por Diego Escosteguy, também pega leve, porém é mais incisiva do que a de “Veja” e começa pela estranha história do caso da conta no principado de Liechtenstein.
“Época” apresenta o casal Norbert Muller e Christine Puschmann — moram no Rio de Janeiro —, não citado na “Veja”, que é suspeito “de comandar uma das mais secretas e rentáveis ‘centrais bancárias clandestinas’ do país. Vendiam a criação e manutenção de contas bancárias no LGT Bank no principado de Liechtenstein, o mais fechado dos paraísos fiscais”. A polícia investigou-os em 2007.
Numa pasta amarela, o doleiro Norberto Muller escreveu “Bogart & Taylor” (uma possível referência a Humphrey e Elizabeth). O nome cinematográfico, denotando uma história rocambolesca, teria sido escolhido por Inês Maria Neves Faria, de 74 anos, mãe e sócia de Aécio Neves, “para batizar a fundação que, a partir de maio de 2001, administraria o dinheiro da conta secreta 0027.277 no LGT”. Agora, “Aécio, que já vinha sendo investigado informalmente na Lava Jato, passa a ser alvo de investigação formal em Brasília”.
Os documentos apreendidos pela Polícia Federal indicam que “a conta poderia ser movimentada por Inês Maria e por Andréa Neves, irmã de Aécio”. O senador “não estava autorizado a movimentar a conta. Era, no entanto, seu beneficiário, de acordo com um documento apreendido pela PF e conhecido como ‘By Laws’”.
“Época” apresenta outra informação que é omitida pela “Veja”: “A investigação da PF confirmou que nem Inês Maria, nem Andréa, nem Aécio declararam a existência da conta e da fundação Bogart & Taylor, como determina a lei. A PF suspeita, por isso, que eles tenham cometido os crimes de evasão de divisas, ocultação de patrimônio e sonegação fiscal”.
Os advogados da família de Aécio Neves admitiram que “os documentos apreendidos são verdadeiros”. A história é nebulosa, mas, segundo os representantes legais dos Neves, “Inês Maria pretendia criar a fundação Bogart & Taylor em Liechtenstein para destinar recursos à educação de seus netos”. Inacreditável e estranhamente, eles garantem que “a conta secreta no LGT foi aberta ‘sem conhecimento’ da família. E permaneceu aberta por seis anos ‘à revelia’”.
Os documentos, escreve Diego Escosteguy, contrariam a informação dos advogados da família: “A parta guardava cópia do passaporte de Inês Maria, assinaturas dela nos contratos com o LGT, procurações a Muller e extratos da conta”.
Antes da Polícia Federal investigar o doleiro Norbert Muller, a conta tinha US$ 32.316,12. “Dois meses após a operação da PF, Inês Maria ‘cancelou os procedimentos de criação da fundação’.”
O procurador Rodrigo Poerson, do Ministério Público Federal, aceitou a explicação dos advogados de Inês Maria Neves e pediu “o fim das investigações”. O juiz federal Rodolfo Hartmann, ante o desinteresse do MPF, arquivou o processo.
Numa nota, Aécio Neves disse que a Bogart & Taylor não era secreta e que “sua criação não foi concluída”. Ele frisou que, ao saber da conta, declarou-a Imposto de Renda. “Época” não exibe os documentos comprobatórios do senador.
Não há a menor dúvida: embora não tenha falado de Furnas e da CPI dos Correios, a reportagem de “Época” é muito mais completa do que a de “Veja”. Mas termina também com a palavra de Aécio Neves, com o senador frisando a legalidade de suas ações.