Cientista político diz que Lula trata o Supremo como uma espécie de segundo Senado

24 dezembro 2023 às 00h01

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“O Globo” (Marlen Couto) publicou ótima entrevista do cientista político Christian Lynch, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerg) e pesquisador da Casa de Rui Barbosa, na segunda-feira, 18. O título do material é “Lula se aproxima do STF para compensar dificuldades no Congresso, diz cientista político”.
Lynch diz que, quando presidente da República, Fernando Henrique Cardoso pôs o Congresso no bolso, por assim dizer. A partir de 2013, o Congresso subordinou-se tanto ao Executivo quanto ao Judiciário. “Era o Judiciário toda hora dizendo que as leis são inconstitucionais, o Judiciário mandando prender senador. O Poder mais amesquinhado de todos era o Congresso e ele percebeu que tinha que recuperar seu poder para sobreviver.”

Agora, no terceiro governo Lula da Silva, o Congresso se recusa a submeter-se ao Supremo e ao Executivo. “Lula assume com um Congresso autônomo, em que o Centrão tem uma experiência durante ao menos dois anos no poder [no governo de Jair Bolsonaro] e não quer abrir mão disso. Tem orçamento secreto, as emendas de execução obrigatória. O presidencialismo de coalizão fica complicado. Lula tem de negociar com Lira, mas também assegurar aquilo do qual não pode abrir mão do ponto de vista do programa eleitoral, que é o que dá a possibilidade de reeleição. É difícil aprovar medida provisória, tem que mandar projeto de lei”.

A estratégia de Lula é que o Lynch chama de “Arca de Noé”: “Botar todo mundo para dentro, exceto o inimigo escolhido, o Bolsonaro e a extrema-direita. Tentar desmontar a polarização”. Porém, dado o fraturamento da sociedade, “até os que querem se deixar cooptar eventualmente não podem”. As patrulhas ideológicas estão sempre a postos.
Para viabilizar o governo, Lula da Silva, de acordo com Lynch, “percebeu que tem de incluir o Supremo. Após a tentativa de golpe (no 8 de janeiro), ele fez uma aliança estratégica. É um presidencialismo de coalizão que agora vai ter que incorporar o Judiciário. Sinaliza ao Congresso que o que eles não dão, o Supremo pode dar depois. E facilita a governança, porque consegue boa vontade em julgamentos estratégicos”.
Segundo Lynch, Lula da Silva “está tratando o Supremo como a terceira câmara do Congresso. O que é Gilmar Mendes senão um senador? Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e agora [Flávio] Dino têm um peso político. Agora será preciso nomear políticos para o Supremo como se nomeia para o TCU”.
Há uma espécie de “centralidade do Supremo”. Neste momento, o PT, ao perceber a importância política do STF, decidiu que irá indicar políticos para o cargo de ministro. “A era de ministros liberais-republicanos, de professores, acabou. Agora você precisa restabelecer a rotina na República. Nenhum modelo poderá deixar o Supremo de fora”, anota Lynch.

Com habilidade, Lula da Silva está colocando “o Supremo na engrenagem da governabilidade, até para compensar as dificuldades no Congresso. Ele trata o Supremo como trata o Senado, a Câmara dos Deputados”, assinala o cientista político.
Se Bolsonaro queria “destruir o Supremo, Lula quer cooptar”, sugere o mestre da Uerj.
Os militares se deram bem, postula Lynch, porque, como sugerem, apoiaram o governo de Bolsonaro, mas não embarcaram no golpe. “O que a cúpula das Forças Armadas queria era voltar ao poder, ao jogo. Eles [os militares] estavam fora do jogo desde o governo Collor. O que é estar dentro do jogo? É ter mais possibilidades de cargos, de influenciar a política. É ter algum peso político para criar orçamento, salários mais altos, manter e ampliar os privilégios corporativos”.