“O Jornal Nacional tira de quem integra essa equipe o simples direito de ser ingênuo. Nós não podemos ser ingênuos nunca porque nós temos a confiança de um país de que vamos fazer um trabalho de apuração daquilo que é certo, daquilo do que não é certo, do que é verdadeiro e do que não é. Então, ingenuidade é proibida para quem aqui trabalha.” — William Bonner

O modelo do “Jornal Nacional” sobreviveria, como é, na Record ou no SBT? Na verdade, o “JN” é o modelo dos demais telejornais. Mas, se fosse produzido fora da Globo, talvez não sobrevivesse.

O “Jornal Nacional” chega cada vez “velho” à casa e aos celulares dos telespectadores. Permanece sendo visto por que é exibido na Globo, mas a audiência não é a mesma de outros tempos.

Entretanto, a queda da audiência não tem a ver com “falta” de qualidade do “Jornal Nacional”, que continua bem-feito, e sim com os novos tempos das comunicações. Agora, os telespectadores têm uma oferta de informação e entretenimento global excessiva. Por isso a audiência é mais atomizada.

O “Jornal Nacional” permanece sendo feito para um público que recebe excesso de informações o dia inteiro, de maneira saturada. Por isso, quando se assiste o telejornal da Globo, fica-se com a impressão, cada vez mais, de algo já visto.

Apresentadas depois das 20 horas, as notícias do “Jornal Nacional” se tornam “caducas” assim que são levadas ao ar.

É fato que, nos últimos meses, há um esforço maior para apresentar reportagens especiais a respeito de determinado tema. Os jornalistas da rede expõem notícias que não estão no ar o dia inteiro. Mas, no geral, é mais do mesmo.

Foto Reprodução governo ucraniano
A guerra da Ucrânia é vista quase sempre de longe pela Globo | Foto: Governo ucraniano

Gaza e Ucrânia: jornalismo da ausência

A cobertura do “Jornal Nacional” das guerras na Ucrânia e em Gaza são de uma pobreza assustadora.

Até a maneira de apresentar as notícias envelheceu. Telejornais americanos e europeus mantêm jornalistas no Oriente Médio e na Ucrânia reportando os fatos diretamente. No “Jornal Nacional” o que se tem, em geral — eventualmente, há um esforço maior e abre-se espaço para reportagens in loco (em Gaza, não; porque, lá, os israelenses proíbem a entrada) — são jornalistas reportando de Londres, de Roma, de Nova York ou de Washington fatos que estão acontecendo a milhares de quilômetros de tais cidades.

Aqui e ali, o correspondente em Londres aparece falando da guerra na Ucrânia e os correspondentes nos Estados Unidos são chamados a reportar a guerra em Gaza. Não apresentam uma informação nova, mas fica-se com a impressão de que estão revelando o último segredo de Fátima.

Para falar do Oriente Médio e da Ucrânia seria mais adequado, como faz a GloboNews, convocar analistas — como Demétrio Magnoli, Guga Chacra e Oliver Stuenkel. Eles explicam melhor o que está acontecendo que repórteres que estão longe de Gaza e de Kiev, por exemplo.

Cristiana Sousa Cruz foto de Cicero Rodrigues TV Globo
Cristiana Souza Cruz: nova editora-chefe do Jornal Nacional | Foto: Cícero Rodrigues/TV Globo

O problema maior não é nem a cobertura internacional da Globo e os correspondentes são competentes — só precisam ser enviados para cobrir os fatos onde estão acontecendo (repetindo que, em Gaza, é praticamente impossível). No momento, a cobertura da rede é o que se pode denominar de “jornalismo da ausência”. Quer dizer: cobre-se de muito longe. Há uma correspondente em Israel, que deveria se deslocar para outros países da região e apresentar as visões dos árabes em geral.

O “Jornal Nacional” é escravo do factual e, por isso, dificilmente abre espaço para análises. Pensa-se, aparentemente, que os telespectadores do horário não querem análises, pois estão “cansados”. Penso o oposto. Se viram notícias o dia inteiro, às vezes discutiram várias delas com seus colegas de trabalho, talvez, à noite, queiram que o telejornal explique o contexto dos fatos. Querem entender um pouco o que está acontecendo.

Obviamente não se está cobrando que o “JN” só contenha análises. Porque aí seria de uma chatice sem par. O que se está sugerindo é outra coisa. Primeiro, a apresentação de notícias factuais — as principais do dia. Segundo, a análise de um ou dois fatos importantes. Terceiro, reportagens mais abrangentes sobre determinados assuntos. Quarto, a cobertura do país precisa ser mais ampla, e menos concentrada em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília — o Triângulo das Bermudas do jornalismo global.

A imprensa mostra a substituição de William Bonner por César Tralli na apresentação do “Jornal Nacional” como símbolo de “mudança”. Talvez seja, a médio ou longo prazo. Mas, se o modelo permanecer, a Globo vai ganhar um bom apresentador e vai perder um grande repórter.

Espera-se que César Tralli não se torne tão-somente um leitor de teleprompter. Acredito que não repetirá Cid Moreira e William Bonner.

César Tralli é mais repórter do que William Bonner — este, sem dúvida, o melhor apresentador da TV brasileira. Espécie de Voz do Brasil, como havia sido Cid Moreira.

Por ser mais repórter, e por ocupar o cargo de editor-executivo, espera-se que, com o apoio da editora-chefe, Cristiana Souza Cruz, César Tralli dinamize o “Jornal Nacional”, que o torne mais vivo, atualizado e esclarecedor.

A equipe do “Jornal Nacional” é excelente. O que precisa mudar é, por assim dizer, o “espírito” do telejornalismo. Acredito que César Tralli, com seu jeitão simpático e firme — se for ouvido por Ricardo Villela, o chefão do jornalismo da Globo —, poderá contribuir para a renovação do jornalismo do jornal carro-chefe não apenas da Globo, e sim do país. Senão, o “JN” pode, digamos, “morrer vivo”.

César Tralli, que assume a bancada do “Jornal Nacional” na segunda-feira, 3, disse: “O trabalho de repórter está dentro de mim, adoro apurar notícia”. É o que se espera dele — que continue repórter.