Centrão e militares podem “segurar” golpismo de Bolsonaro

08 maio 2022 às 00h02

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Talvez seja uma visão otimista, mas, como não são golpistas, o Centrão e os militares tendem a conter os impulsos autoritários de Bolsonaro
Não há no Brasil, neste momento, político mais experiente do que Lula da Silva, pré-candidato a presidente da República pelo PT. Porém, talvez por ter sido preso, às vezes se manifesta como “fera ferida”, um justiceiro vingativo.
Parece que Lula da Silva quer confrontar a radicalização da direita bolsonarista, mostrando-se também radical — o que o petista, a rigor, não é. Trata-se de um político moderado, que, no poder, raramente excedeu. O petista pertence à esquerda socialdemocrata e nada tem a ver com comunismo, como prega o conservantismo patropi. Ele talvez tenha sido o político que mais contribuiu para moderar a esquerda patropi — inclusive os comunistas do PC do B.

Jair Bolsonaro está crescendo aos poucos, se aproximando, mas Lula da Silva tem condições de vencê-lo, no primeiro ou no segundo turno. Entretanto, se quiser ser eleito — e é claro que quer —, precisa ficar atento ao Brasil real. Aqui e ali, Bolsonaro parece mais próximo do povão e das classes médias do que o petista-chefe, que, até pouco tempo, tinha profunda identidade com os brasileiros, de quaisquer classes sociais.
Conectado ao que está acontecendo, publicamente e nos bastidores, Lula da Silva enviou emissários — como o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim — para conversar com militares graduados (almirantes, brigadeiros e generais).
É possível que militares estejam tencionando muito mais para fortalecer Bolsonaro, na sociedade e eleitoralmente, do que pensando em golpe de Estado
Há mesmo possibilidade de golpe militar impulsionado por Bolsonaro? Nunca se sabe. Mas não há dúvida de que o presidente está cada vez mais próximo dos comandantes militares e parece ter conseguido radicalizá-los.
Quais os motivos da relativa radicalização militar? Não dá para saber, exatamente. A possibilidade de uma volta do PT ao governo — o partido é associado à corrupção e crises econômicas — é, sem dúvida, uma das razões.

Recentemente, Lula da Silva disse que, se eleito, vai retirar os quase 8 mil militares que Bolsonaro levou para o governo. O petista-chefe tem razão: deve-se proceder a uma desmilitarização da gestão pública. Porém, do ponto de vista eleitoral, de quem não deve confrontar o oficialato, não foi uma boa ideia divulgar o plano agora. É provável que nem na ditadura civil-militar, de 1964 a 1985, tantos militares ocuparam cargos com altos salários. Há um tratamento vip.
Militares avaliam que Bolsonaro, se não faz um grande governo — o país não cresce, a inflação está voltando com vigor e o número de pobres voltou a aumentar —, ao menos, de acordo com eles, não faz uma gestão corrupta.
Se os militares querem a permanência de Bolsonaro no poder, isto quer dizer que articularão um golpe de Estado para impedir, digamos, a posse de Lula da Silva? É provável que não.
O mais provável é que os militares estejam tencionando com o objetivo de que Bolsonaro seja eleito pelo voto. Não parecer haver uma “tradição” golpista nos atuais comandantes das Forças Armadas. A atual geração é democrática, bem-formada e, por isso, sabe como a história deixou mal os próceres da ditadura civil-militar que durou uma longa noite de 21 anos. Qual general-presidente é elogiado pela sociedade? Nenhum, nem mesmo os mais moderados deles, Castello Branco e Ernesto Geisel — que foram bons presidentes. Ao segundo se deve a distensão e, em seguida, a Abertura política.

Na “Folha de S. Paulo”, um jornalista escreveu que o Centrão se uniu aos militares em defesa de um golpe de Estado.
Golpe de Estado agora? Bolsonaro ainda está no poder e parece acreditar que tem condições de derrotar Lula da Silva nas urnas. Se crê nisto, por que golpe? Insisto num ponto: é possível que militares estejam tencionando muito mais para fortalecer Bolsonaro, na sociedade e eleitoralmente, do que pensando em golpe de Estado.
Quanto ao Centrão, o repórter da “Folha” está equivocado. Primeiro, o Centrão pode até ser fisiológico, mas não é golpista — é democrático. Segundo, numa ditadura, ou mesmo numa democradura — ao estilo da Rússia e da Hungria —, Bolsonaro não precisaria do Centrão.
Bolsonaro só precisa do Centrão num regime democrático. Por isso, os políticos deste “partido” — que envolve vários partidos — não querem saber de golpe.
No Brasil há a tradição dos civis-vivandeiras — aqueles que vivem nas cercanias dos quartéis convocando militares para golpes de Estado. Os dois mais famosos talvez tenham sido Carlos Lacerda e Magalhães Pinto. O Centrão não é um partido de vivandeiras. Pelo contrário, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, não são frequentadores de quarteis. Diz-se que Nogueira não simpatiza muito com a presença ostensiva de militares no governo.
Talvez minha visão seja otimista, mas creio que o Centrão e os militares não sejam golpistas. Acho que, juntos, podem conter impulsos autoritários e golpistas de Bolsonaro.
Há militares golpistas, é claro. Mas talvez não representem inteiramente as Forças Armadas.
Voltando a Lula da Silva. Se for eleito, precisa entender que fará um governo de transição, tipo o de Sarney, em 1985. Bolsonaro não é ditador, mas governa pressionando as instituições democráticas. O próximo presidente, se for o petista, precisará ter uma paciência imensa para evitar contenciosos gratuitos.