Censura a livros foi mais forte no governo de Geisel e não nos anos de chumbo
10 março 2024 às 00h17
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A ditadura é uma devoradora da liberdade de expressão — sua principal inimiga ao longo da história da humanidade — e criadora de homens e mulheres que, forçados à submissão, se tornam fantasmas andantes. Na ditadura civil-militar de 1964-1985 — que se tornará sexagenária daqui a 21 dias — aqueles que primavam por dizer o que era preciso ser dito, do belo à crítica ao autoritarismo, sofreram sob os sapatos dos civis e botas dos militares. Obras de escritores, jornalistas e diretores de cinema e teatro deixaram de ser divulgadas ou, por vezes, foram mutiladas. Um abuso visceral à criatividade.
Entre os escritores censurados pela ditadura civil-militar figura o bardo goiano Brasigóis Felício, de 73 anos (nascido na cidade de Aloândia). A ditadura sessentaequatriana decidiu censurar seu romance “Diários de André”. Um livro — digamos, rebelde, ma non troppo — de um bardo e prosador de imenso talento: crítico e posicionado.
“Repressão e Resistência — Censura a Livros na Ditadura Militar” (Edusp/Fapesp, 184 páginas), de Sandra Reimão, é um competente (mas não exaustivo) mapeamento da ação autoritária do regime militar.
Em termos de censura, a dita ficou mais dura depois do AI-5, a partir de dezembro de 1968.
O golpe de Estado, que retirou João Goulart do poder, entre 31 de março e 1º de abril de 1964, inicialmente, frisa Sandra Reimão, não investiu “contra a produção cultural de esquerda”. Era a ditadura envergonhada, no dizer do jornalista e pesquisador Elio Gaspari. “Entre 1964 e 1969, a paradoxal convivência de uma ditadura de direita com uma ampla presença e produções culturais de esquerda foi característica marcante do panorama cultural brasileiro.”
O ensaísta e crítico literário Roberto Schwarz escreveu, em “Cultura e Política 1964-1969”, que, “apesar da ditadura da direita, há relativa hegemonia cultural da esquerda no país”. (Lembro-me que em 1969, quando eu tinha 8 anos, meu pai, Raul Belém, ligado ao PCB de José Sobrinho Fernandes, reuniu vários livros, colocou-os em dois sacos plásticos e os enterrou no nosso quintal. Mais tarde, ao retirá-los, notou que alguns estavam “mofados”. Demonstrou preocupação porque um dos livros era do amigo Osterno Pereira, com o qual compartilhava ideias de esquerda, a moderada. Tentei perguntar alguma coisa, pois não estava entendendo o motivo de os livros terem sido enterrados e desenterrados. Recebi uma resposta ríspida: “Não é história para crianças”. Em seguida, os livros foram guardados num guarda-roupa.)
Em maio de 1964, quando a ditadura era uma espécie de bebê — o boneco Chucky, digamos, se revelaria a partir de 1968 —, o chargista e jornalista Millôr Fernandes e um grupo de profissionais lançaram a “Pif-Paf”. A revista era posicionada: “Em todos os números do ‘Pif-Paf’ falaremos da Liberdade. É um assunto que nos tem presos”.
“O Ato e o Fato”, de Carlos Heitor Cony, crítico da ditadura, vendeu 1600 exemplares numa noite de autógrafos. A “primeira edição” esgotou-se “em poucas semanas”.
Críticos do governo dos militares, emulado por civis, “Quarup”, de Antonio Callado, “Senhor Embaixador”, de Erico Verissimo, saíram entre 1964 e 1968.
De acordo com Roberto Schwarz, o governo militar, entre 1964 e 1969, decidiu “preservar a produção cultural” mas “liquidar o seu contato com a massa operária e camponesa”.
Sandra Reimão enfatiza que, de 1964 a 1968, “a censura a livros nos Brasil foi marcada por uma atuação confusa e multifacetada e pela ausência de critérios, mesclando batidas policiais, apreensões, confiscos e coerção física”.
Ao censurar, o governo dos homens de farda dizia que estava garantindo a “segurança nacional” e defendendo a “ordem moral”. Dois tipos de material eram considerados ofensivos, portanto passíveis de censura e recolhimento: os ditos “subversivos” — críticos à ditadura — e os “pornográficos”. Não se podia atentar “contra a família” e os “bons costumes.
Ênio Silveira e Civilização Brasileira
O editor Ênio Silveira (1925-1996) chegou a ser preso e processado. O governo militar apreendia e censurava os livros publicados pela Editora Civilização Brasileira.
Em maio de 1965, a prisão de Ênio Silveira — acusado de ter escondido o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes —, por nove dias, gestou um manifesto com a assinatura de mil pessoas. A prisão havia sido decidida pelo coronel-intendente Gerson de Pina e o objetivo era intimidar o editor, que, de extrema coragem, nunca se dobrou — permanecendo no front crítico.
O presidente Castello Branco não concordou com a prisão de Ênio Silveira e enviou um comunicado ao seu chefe de gabinete-militar, Ernesto Geisel: “Por que a prisão do Ênio? Só para depor? A repercussão é contrária a nós […]. Apreensão de livros. Nunca se fez isso no Brasil. Só de alguns (alguns!) livros imorais. Os resultados são os piores possíveis contra nós. É mesmo um terror cultural”.
Resoluta, a Civilização Brasileira, por meio de mandado de segurança, questionou o confisco de seus livros. “Os confiscos eram feitos sem bases legais, sem inquéritos policiais”, anota Sandra Reimão. Entre os mais de 30 livros apreendidos estavam “Primeiro de Abril”, de Mário Lago, “O Golpe de Abril”, de Edmundo Moniz, “O Golpe Começou em Washington”, de Edmar Morel, e “História Militar do Brasil”, de Nelson Werneck Sodré.
Espécie de Torquemada dos livros, o ministro da Educação, Flávio Suplicy de Lacerda, “organizou pessoalmente o expurgo de bibliotecas, queimou livros de Eça de Queiroz, Sartre, Graciliano Ramos, Guerra Junqueiro, Jorge Amado, Paulo Freire, Darcy Ribeiro”, assinala Alexandre Stephanou, no livro “Censura no Regime Militar e Militarização das Artes” (Edipucrs).
O dramaturgo, escritor, cronista e jornalista Nelson Rodrigues, da direita empedernida, também foi vítima do moralismo da censura.
Portaria de outubro de 1966, assinada pelo ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva, proibiu “a edição, a distribuição e a venda, assim como ordenando a apreensão do romance ‘O Casamento’, de Nelson Rodrigues”.
Encarregados de apreender o livro, agentes do Dops acabaram por descobrir que a maioria dos exemplares havia sido vendida. A obra acabou sendo liberada pela Justiça.
Nas duas primeiras semanas de setembro de 1966, a Editora Eldorado, de Alfredo Machado, vendera 8 mil exemplares do livro de Nelson Rodrigues. Disputando “pau a pau com “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, de Jorge Amado, que havia sido publicado pela Record, também de Machado.
Fala-se em terrorismo da esquerda, mas havia também o terrorismo da direita. A Editora Tempo Brasileiro, a Editora Civilização Brasília e a Livraria Forense sofreram atentados em 1968.
Mas Sandra Reimão reitera que, nos quatro primeiros anos da ditadura, o governo militar não estruturou “um sistema único de censura a livros”. Por isso, em 1968, foram lançados “clássicos do pensamento nacional de esquerda, como ‘Um Projeto para o Brasil’, de Celso Furtado, e clássicos internacionais da literatura erótica, como ‘Kama Sutra”, ‘Filosofia na Alcova’, do Marquês de Sade, ‘Minha Vida, Meus Amores’, de Henry Spencer Ashbee”.
430 livros proibidos pela ditadura
O Departamento Federal de Segurança Púbica ganhou, em 1965, um novo edifício, em Brasília. Lá funcionaria o Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP).
“A Constituição outorgada em 1967 oficializou a centralização da censura como atividade do governo federal, em Brasília. A lei número 5.536, de 1968, incluiu novelas televisivas no conjunto do material a ser examinado pelo Conselho Superior de Censura”, diz Sandra Reimão.
Houve reação à censura. Membros da categoria teatral organizaram, em 1968, a manifestação “Cultura Contra a Censura”. A encenação de oito peças havia sido proibida. A Passeata dos Cem Mil, de 26 de junho de 1968, foi um ato contra as arbitrariedades da ditadura em geral.
Em 13 de dezembro de 1968, o presidente Arthur da Costa e Silva editou o Ato Institucional nº 5, que endurecia, ainda mais, a ditadura. “A edição deste ano tornou possível cassar mandatos, suspender direitos políticos, suspender garantidas individuais e criou condições para a censura à divulgação de informação, à manifestação de opiniões e às produções culturais e artísticas”, registra Sandra Reimão. Era a chegada dos “anos de chumbo”.
Jornalistas, como o moderado Carlos Castello Branco e Osvaldo Peralva, foram presos. Censores invadiram várias redações, como as do “Jornal do Brasil” e do “Correio da Manhã”. Censores ficaram dez anos na redação do jornal “Tribuna da Imprensa”. A “Veja” foi obrigada a enviar a edição impressa para exame. Dependendo das reportagens editadas, a circulação era vetada. Surgiu, então, a imprensa alternativa — como “O Pasquim”, “Movimento” e “Opinião” (o jornal que levou o jornalista e economista Herbert de Moraes Ribeiro a criar o Jornal Opção, em 1975).
Baseada em pesquisa do jornalista e escritor Zuenir Ventura, Sandra Reimão relata que, “nos dez anos de vigência do AI-5, foram censurados ‘cerca de 500 filmes, 450 peças de teatro, 200 livros, dezenas de programas de rádio, 100 revistas, mais de 500 letras de música e uma dúzia de capítulos e sinopses de telenovelas’”.
A ditadura regulamentou a censura prévia para livros pelo Decreto-Lei 1077/70.
Jorge Amado e Erico Verissimo encamparam a batalha contra a censura prévia para livros. Os dois escritores disseram que “em nenhuma circunstância” enviariam seus textos para o governo censurar. Eles alertaram que optariam por publicar suas obras no exterior.
A pressão de escritores e intelectuais, da sociedade civil, levou o governo militar a recuar e publicar uma nova Instrução para a Portaria 11-V, a Instrução nº 1-70, de 24 de fevereiro. Desde que não tivessem a ver com “sexo, moralidade públicas e bons costumes”, os livros não precisavam mais de verificação prévia.
A ditadura não tinha censores em número suficiente para examinar todos os livros publicados. Então, a censura examinava livros denunciados ou obras enviadas pelas editoras, que, temendo a apreensão, o que poderia provocar crise financeira, procuravam a Polícia Federal. “O conjunto de pessoas atuando como censores federais passou de 16 funcionários em 1967 para 240 ao final do regime militar” (1985).
“Em 1972, o Brasil ultrapassou, pela primeira vez, a barreira de um livro por habitante ao ano. Em 1972 a população brasileira era de 98 milhões de habitantes e foram produzidos 136 milhões de livros — 1,3 livro por” indivíduo. O analfabetismo caiu de 39% para 29% na população com mais de 5 anos de idade, entre os anos de 1970 e 1980. Eram os efeitos do Milagre Econômico (período de crescimento da economia em níveis chineses, acima de 10%).
No livro “1968 — O Ano Que Não Terminou”, Zuenir Ventura conta que, “entre 1968 e 1978, foram censurados 200 livros”. No livro “Nos Bastidores da Censura”, o pesquisador Deonísio da Silva afirma que “430 livros” foram “proibidos pela censura durante o regime militar”.
Deonísio da Silva sublinha que, dos livros censurados, 98 títulos eram de autoria de brasileiros. “Destes 98, oito são textos teatrais censurados para publicação em livro, 19 são livros de não ficção e 70 são textos literários. Entre os 70 textos literários referidos, cerca de 60 são eróticos/pornográficos”, escreve Sandra Reimão.
No Arquivo Nacional, em Brasília, há registros de que 492 livros foram examinados pela censura. “Cerca de 140 são de autores nacionais; destes, 70 foram vetados, sendo que 60 deles podem ser classificados como eróticos/pornográficos.”
Peças teatrais censuradas
Sandra Reimão diz que a censura vetou em 1970 quatro peças teatrais que seriam publicadas em formato de livro: “Pavana Para um Macaco Defunto”, de Antônio Galvão Naclério Novaes; “Papa Highirte”, de Oduvaldo Vianna Filho; “O Sotão e o Rés do Chão ou Soninha Toda Pura”, de José Ildemar Ferreira; e “A Farsa do Bode Expiatório”, de Luiz Maranhão Filho. Quinze textos foram liberados para publicação.
Deonísio da Silva menciona que oito outros textos teatrais de autores brasileiros foram impedidos de sair em livro. Entre eles “Maria da Ponte”, de Guilherme Figueiredo (irmão do general João Figueiredo, mais tarde presidente da República), “Rasga Coração”, de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, e “Abajur Lilás e Barrela”, de Plínio Marcos”.
Não se trata, esclareça-se, de censura às peças que seriam encenadas. O governo militar censurou a encenação de peças de Dias Gomes e Sérgio Porto e dos estrangeiros Górki, Brecht e Feideau.
A ditadura proibiu a encenação da peça “O Berço do Herói”, de Dias Gomes, em 1965, mas permitiu a publicação em livro; por sinal, best-seller.
Em 1975, no governo do “liberal” general-presidente Ernesto Geisel, Dias Gomes adaptou “O Berço do Herói” para telenovela, com o título de “Roque Santeiro”. A censura a vetou no dia da estreia.
A censura descobriu que “Roque Santeiro” era uma adaptação de “O Berço do Herói” porque, sem saber que estava com o telefone grampeado, Dias Gomes contou a história ao amigo Nelson Werneck Sodré. A Globo levou a novela ao ar em 1985, com imenso sucesso de audiência.
O romance de “Macunaíma”, de Mário de Andrade, circulava livremente. Mas o filme de Joaquim Pedro de Andrade só foi liberado depois de quatro cortes. A censura segurou o filme “São Bernardo”, dirigido por Leon Hirzman, durante um ano e meio. A censura liberou “Toda Nudez Será Castigada”, adaptação da peça de Nelson Rodrigues por Arnaldo Jabor, com cortes.
“Calabar”, de Chico Buarque e Ruy Guerra, saiu em livro, mas a encenação foi censurada. Até a capa do disco teve de ser mudada.
A censura também impediu a publicação de vários livros de não ficção, como “O Poder Jovem — História da Participação Política dos Estudantes Brasileiros”, de Arthur José Poerner; “O Mundo do Socialismo e a Revolução Brasileira”, de Caio Prado Júnior; “A Universidade Necessária”, de Darcy Ribeiro; “Tortura e Torturados, de Márcio Moreira Alves; e “A Ditadura dos Cartéis”, de Kurt Rudolf Mirow.
O livro “113 Dias de Angústia — Impedimento e Morte de um Presidente” (sobre o general Costa e Silva), de Carlos Chagas, saiu pela Editora Agência Jornalística, em 1970. Mas acabou proibido.
Os homens da ditadura pareciam ter obsessão com literatura erótica ou pornográfica (a pornografia é o erotismo dos outros, disse o poeta francês Guillaume Apollinaire). Sandra Reimão anota que, “nos arquivos do fundo da DCDP, encontram-se indicações de 70 livros eróticos/pornográficos de autores brasileiros vetados entre 1968 e 1978”.
Deonísio da Silva registra que foram proibidos de circular 69 livros ditos eróticos/pornográficos. “Resulta que cerca de 100 livros eróticos/pornográficos de autor nacional foram censurados na década de 1970. Entre esses, 18 são de autoria de Cassandra Rios, 13 de Adelaide Carrarro, 22 são de Dr. G. Pop, 17 por Brigitte Bijou e seis por Márcia Fagundes Varella”. (Um breve depoimento: entre as décadas de 1960 e 1970, meu pai lia Adelaide Carrarro. Embora ele me proibisse de ler os romances, li todos, às vezes sem entender direito as histórias, mas sempre apreciando-as, não raro achando graça, nem sei por quê.)
Romances, contos e poesia
A ditadura censurou obras ficcionais de vários autores brasileiros, como “Quatro Contos de Pavor e Alguns Poemas Desesperados”, de Álvaro Alves de Faria”; “Dez Histórias Imorais”, de Aguinaldo Silva; “Meu Companheiro Querido”, de Alex Polari; “Zero — Romance Pré-Histórico”, de Ignácio Loyola Brandão; “Em Câmara Lenta” (Sandra Reimão conta a história da censura deste livro, espécie de literatura de testemunho), de Renato Tapajós; “Aracelli, Meu Amor”, de José Louzeiro; “Feliz Ano Novo”, de Rubem Fonseca; “Diários de André” (vetado em 1976), de Brasigóis Felício, e os contos “Mister Curitiba”, de Dalton Trevisan, e “O Cobrador”, de Rubem Fonseca.
“Os contos ‘Mister Curitiba’, de Dalton Trevisan, e ‘O Cobrador”, de Rubem Fonseca, foram vetados previamente pela DCDP quando venceram concursos de contos da revista ‘Status’ em 1976 e 1978.”
Curiosamente, nos chamados anos de chumbo, a censura não era tão presente quanto em anos posteriores. Em termos de livros, “a atividade censória foi mais rígida entre 1975 e 1980, período em que mais de 50% dos livros submetidos foram vetados, enquanto entre 1970 e 1973 o percentual ficava muito abaixo desse número”, destaca Sandra Reimão.
“A censura a livros durante a ditadura militar”, ressalva Sandra Reimão, “teve uma atuação mais forte não nos chamados Anos de Chumbo (1968-1972), mas durante o governo Geisel (março de 1974 a março de 1979), e especialmente no final desse governo. (…) A censura a livros por parte da Divisão de Censura de Diversões Públicas aumentou quando a maioria dos jornais e revistas estava sendo liberada da presença da censura prévia nas redações”.
A pesquisadora acrescenta que “dados do DCDP indicam que também o teatro e o cinema foram mais vetados durante o governo Geisel”.
Por que, no governo que iniciou a Abertura, a censura se tornou mais forte? O historiador Carlos Fico pontua que os censores eram muitos preocupados com as questões ditas morais, e nem sempre examinavam as questões políticas das obras. Então, mesmo no governo de Ernesto Geisel, os censores continuaram atentos aos “problemas morais” dos livros. Sandra Reimão propõe uma outra interpretação: “A própria DCDP, percebendo a possibilidade do fim das atividades censórias, buscou mostrar-se como necessária ao sistema” (meio parecido com a turma dos “porões”, que, mesmo sob pressão de Geisel e sua equipe, resistia — torturando e matando —, dizendo-se a serviço do governo militar).
Sandra Reimão apresenta uma terceira hipótese: “Nos Anos de Chumbo, artistas e intelectuais exerciam a autocensura, conscientes do rigor da atividade censória que, durante o governo Médici (1969-1974), ‘ficou prioritariamente em mãos dos militares da linha dura’, evitando produzir obras que pudessem ser censuradas. Como observou Bernardo Kucinski, a existência de uma censura rigorosa ‘induz ao exercício generalizado da autocensura’. A autocensura explicaria o índice proporcionalmente menor — em relação ao total examinado — de livros, peças de teatro e filmes censurados durante os Anos de Chumbo”.
A censura era tão terrível e tentacular que, quando um deputado declarou que ela iria acabar, baseado numa conversa com o ministro Golbery do Couto e Silva, da Casa Civil, não permitiu que a fala do parlamentar fosse divulgada.
A censura acabou no Brasil, em 1988, com a Constituição Cidadã. Acabou? Não é bem a palavra. Neste ano, em que a ditadura faz 60 anos, há uma cruzada censória contra o livro “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório. Mas, provando que a censura não é nada inteligente, as vendas da obra subiram 400%.
O escritor americano William Faulkner acertou a mão ao dizer que o passado nunca está morto — e nem mesmo é passado. Nos “mausoléus”, de alguma maneira, Costa e Silva, Emilio Garrastazu Médici, Stálin, Mao Tsé-tung e Hitler vivem. Ainda estão “vivos”… no cérebro dos que têm vocação para a “profissão” de censor.