Como quem faz o próprio prato, cidadãos escolhem notícias à la carte – geralmente dos grupos com os quais compartilha algum viés ideológico

A última semana foi especialmente recheada de escândalos na órbita do governo federal. Na segunda-feira, 11, o País foi informado, por denúncia do deputado federal Elias Vaz (PSB-GO), de que as Forças Armadas haviam licitado 35 mil comprimidos de sildenafila, o princípio ativo do Viagra, o mais conhecido remédio para disfunção erétil.

No dia seguinte, o mesmo Elias Vaz, em conjunto com o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), voltava às manchetes de jornais e sites, bem como os militares brasileiros, e novamente por uma comercialização envolvendo dinheiro público e tratamento sexual para fardados: a compra de 60 próteses penianas, entre 2020 e 2021, pelo Exército brasileiro, ao custo total de R$ 3,5 milhões.

Já na quarta-feira, o colunista Guilherme Amado, do portal Metrópoles, revelou que de 2018 a 2020, houve compra, também pelas Forças Armadas, de R$ 546 mil em toxina botulínica, o popular botox, utilizado notadamente em correções estéticas. As informações de empenho estão no Painel de Compras do governo federal, sem dados sobre aquisição para 2021.

Estética e virilidade militares à parte, na manhã do mesmo dia, o portal UOL tinha tido como manchete que uma empresa de Maceió contratada para fornecer kits de robótica para municípios, por meio de recursos de emendas liberados pelo governo Jair Bolsonaro (PL), havia vendido os equipamentos ao poder público com uma diferença de 420% em relação ao preço que declarou ter pago em ao menos uma das compras que fez do produto. Um dos donos da empresa Megalic – que comprou cada kit por R$ 2,7 mil de um fornecedor paulista e o revendeu a prefeituras por R$ 14 mil – é pai de um vereador ligado a Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados.

Não é novidade esse tipo de notícia, mas desde o surgimento do escândalo do tráfico de influência dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura no Ministério da Educação – que acabou por envolver até mesmo o titular da pasta, Milton Ribeiro –, praticamente todo dia há algum veículo de imprensa com um novo caso de corrupção que envolve o governo federal direta ou indiretamente.

Do outro lado, as estruturas governamentais fazem o papel da blindagem: o presidente Jair Bolsonaro (PL) continua a garantir, a cada evento que comparece: não há caso de corrupção no governo. E, mesmo diante de todas as denúncias e indícios, a ordem é todos os aliados repetirem o mesmo mantra.

Ainda que cada caso seja uma pauta interessante para repórteres explorarem – e, é bom que se diga, é mais do que um dever da imprensa, tendo recebido a denúncia, apurar tais episódios –, parece evidente que não será a corrupção o tema que vai decidir as eleições e a escolha do futuro presidente da República. Na verdade, nem em 2018 seria assim, apesar de toda a pressão ética sobre o então candidato e então condenado Lula, quando ainda liderava as pesquisas.

Se com o advento das redes sociais a grande imprensa perdeu parte de seu poder de dominância diante da opinião pública, os grupos de conversação via celular jogaram a pá de cal sobre a necessidade de buscar informação por vias convencionais. Como quem faz seu próprio prato, os cidadãos escolhem notícias à la carte – geralmente dos grupos com os quais compartilha algum viés ideológico.

Por isso mesmo, o maior desafio dos veículos de comunicação – e talvez um desafio perdido – é conseguir, novamente, a hegemonia da informação. Ainda que tenha seus interesses, a mídia estabelecida é quem de fato tem responsabilidade jurídica sobre o que publica.

Por mais que o cidadão comum – de esquerda ou de direita – destile seu ódio contra a Rede Globo, a Folha de S.Paulo e outros veículos, o fato de receber essa desaprovação de ambos os lados ideológicos pode ser considerado um fator positivo. Pelo contrário, preocupação deveria vir exatamente quando um dos grupos passa a elogiar demais algum veículo.