Extensa matéria da revista de Mino Carta critica relações do BNDES com a empresa da família de Júnior Friboi e revela problemas dos irmãos Joesley e Wesley Batista na Justiça

Joesley Batista: presidente da JBS foi indiciado pela Polícia Federal por crime contra o sistema financeiro. Foto: Reprodução/Valor Econômico
Joesley Batista: presidente da JBS foi indiciado pela Polícia Federal por crime contra o sistema financeiro. Foto: Reprodução/Valor Econômico

A Amazon, de Jeff Bezos, é um sucesso duradouro, ao contrário de dezenas de outras empresas que surgiram e desapareceram rapidamente da internet. Em 2000, no auge da crise geral da nova economia, a empresa quase naufragou. Sua situação piorou com a publicação de um artigo de Ravi Suria, analista financeiro do Lehman Brothers. A história está devidamente contada no ótimo livro “A Loja de Tudo – Jeff Bezos e a Era da Amazon” (Intrínseca, 398 páginas, tradução de Andrea Gottlieb), de Brad Stone. A loja que vende tudo (ou quase), e não apenas livros, passava por dificuldades e o texto, e as opiniões subsequentes, de Suria contribuiu para agravá-las. Mas também ajudou Bezos a repensar o empreendimento. Por exemplo, a expandir um pouco menos e cuidar com mais atenção do que já havia criado. A JBS, uma multinacional brasileira, faz sucesso internacional. É uma referência – admirada e temida. Tanto que aparece, com frequência, nas páginas dos grandes jornais americanos, como “Wall Street Journal” e “New York Times”, e europeus, como “The Guardian”, “El País” e “Le Monde”. Aparecer significa, é claro, positiva e negativamente. Há pouco tempo, noticiou-se a adição de carne de cavalo num produto da JBS comercializado na Europa. Hillary Clinton, mulher do ex-presidente Bill Clinton, chegou a transformar o grupo criado e dirigido pela família de José Batista, o patriarca Zé Mineiro, Joesley Batista e Wesley Batista, em tema de pré-campanha, quando tentou ser candidata a presidente dos EUA. (José Batista Júnior, o primogênito Júnior Friboi, deixou o grupo na esperança de desenvolver uma carreira política.) O relativo bombardeamento na imprensa pode levar a empresa a, algum dia, “quebrar”? Possivelmente, não. Primeiro, porque a empresa é, até agora, sólida – com forte presença no Brasil e em vários países. Segundo, a JBS diversificou seus negócios – não dependendo, portanto, única e exclusivamente do mercado de carnes, embora a atuação principal seja mesmo nesta área. Terceiro, como é associada do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), tem o amparo, visto como fundamental no mercado, do governo brasileiro. Dificilmente, portanto, uma reportagem de jornal ou revista abala os negócios de um grupo sólido como a JBS. Mas não deixa de ser verdadeiro que, para uma empresa de capital aberto, com ações nas bolsas, reportagens que mostrem suas deficiências podem desgastá-las a curto, médio ou longo prazo. O somatório de reportagens, se cada vez mais negativas, criando uma expectativa de falta de solidez, pode contribuir, e aí de modo decisivo, para a queda do valor das ações. A exposição negativa, sem nenhuma ofensiva consistente para contestar os dados divulgados, não raro prejudica os empreendimentos. A JBS não uma política agressiva de contestar as informações que circulam na imprensa e no mercado. A empresa é muito maior do que sua capacidade, na verdade incapacidade, de comunicação.

Está nas bancas uma edição da revista “CartaCapital” com a seguinte manchete de capa: “A misteriosa ascensão da Friboi”, com o subtítulo “De modesto frigorífico a (quase) maior empresa privada nacional” (internamente, o título é: “A carne não é fraca”). Como ilustração, sugerindo que o negócio é amplo, um mapa do Brasil inteiramente de carne. A capa indica que se trata de uma reportagem explosiva, com furos extraordinários. Mas não há nada disso. A matéria, escrita por André Barrocal, é cuidadosa e repercute outras reportagens publicadas na imprensa brasileira e internacional. A novidade, se há, é a conexão de várias informações – publicadas de maneira dispersa em jornais e revistas.

Ao se ler a reportagem da “CartaCapital” e outros textos, nenhum deles conclusivos, até porque a empresa está em expansão, como a Amazon de Jeff Bezos, o leitor atento certamente conclui que é preciso examinar a JBS-Friboi – ou a holding J&F – de maneira exaustiva, o que a imprensa nem sempre faz. O empreendimento merece, a rigor, estudos mais sólidos de economistas, talvez em livros. O negócio é tão grande e o crescimento tão rápido que provocam perplexidade. Daí a ideia de “mistério” apresentada pela revista dirigida pelo jornalista Mino Carta e de “nebulosidade” sugerida pelo mercado.

O negócio “da” família Batista é, além de complexo, agressivo. Trata-se de uma transnacional que, criada no Brasil, surpreende o mundo e, sobretudo, os próprios brasileiros. “Há alguma coisa errada”, acredita-se. A rigor, as empresas – não se pode mais falar em apenas uma empresa – do grupo enfrentam os mesmos problemas de outras grandes empresas locais e mundiais. Trata-se de um empreendimento capitalista, cujo objetivo é minimizar custos e maximizar lucros. Daí que, ao crescer, às vezes passa por cima de certas regras – o que choca menos o mercado e mais o jornalismo e, daí, o público. (Um banqueiro americano não disse que podia justificar sua fortuna, mas não seu primeiro milhão? A JBS está, quem sabe, na fase da acumulação primitiva, ou pós-primitiva.)

A holding J&F controla (e/ou tem participação em) várias empresas, como Oklahoma, Canal Rural, Flora, Instituto Germinare, Banco Original, Eldorado Brasil (de celulose), JBS (participação de 43,5%), Vigor, Floresta Agropecuária. Os negócios geram um faturamento anual de 120 milhões de reais – segundo informações divulgadas por jornais e revistas. “CartaCapital” apresenta um faturamento um pouco menor, 96 bilhões de reais (informação de 2013). O grupo emprega 191 trabalhadores.

A maior empresa brasileira é a Petrobrás, uma estatal. A maior empresa privada é a Vale, rainha do setor de minérios. O segundo maior grupo privado é dirigido pela família Batista, com o apoio do engenheiro Henrique Meirelles, ex-presidente do BankBoston e do Banco Central. Fala-se no mercado que Meirelles é uma espécie de representante do governo brasileiro, supostamente indicado pela presidente Dilma Rousseff. Seria uma espécie de interventor, para impedir loucuras da família Batista e impedir o naufrágio. Executivos próximos dos Batista dizem que nada disso é verdadeiro. Meirelles seria um representante deles. Os Batista estariam usando a experiência do expert em mercado financeiro para alavancar o grupo tanto no mercado interno quanto no externo. Meirelles, goiano de Anápolis, é uma referência no mercado financeiro internacional – o que os Batista não são.

O “Wall Street Journal”, secundado no Brasil pelo “Valor Econômico”, publicou com destaque a informação de que o grupo pilotado por Joesley e Wesley Batista, os hermanos que de fato estão no comando das operações, pretende comprar a poderosa fabricante de salsichas Hillshire, referência no mercado dos Estados Unidos. O grupo fatura 9 bilhões de dólares por ano. Se adquirida, o empreendimento patropi deverá superar a Vale, tornando-se o maior grupo privado do Brasil.

Política dos campeões nacionais

A JBS-Friboi é vista como filha da política de “campeões nacionais”, traçada pelos governos do PT. De fato, o crescimento “chinês” tem a ver com o financiamento e, especialmente, associação com o BNDES (“CartaCapital” diz que o banco estatal detém 24% das ações; reportagens de outras publicações apontam um número um pouco maior – 31%). Mas é fato que o grupo existia, e de maneira relativamente consistente, antes das relações “de pai para filho” com o governo federal. Talvez seja mais preciso quem diz que os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff potencializaram o negócio; portanto, não o criaram.

“CartaCapital” afirma que  a política do governo para expandir a JBS-Friboi é “até hoje mal explicada”. A revista escreve que o grupo é “acusado de práticas anticoncorrenciais”, está “entupido de processos trabalhistas” e que “seus principais acionistas” são “investigados por sonegação”. “O conglomerado expande-se no mercado interno e no exterior sem que se saiba se o apoio estatal trará benefícios aos contribuintes e à população em geral.”

(Não deixa de ser curioso que a “CartaCapital” informe que o líder da família é Júnior Friboi, contrariando o que se publica na imprensa, notadamente na de Goiás. O mercado, porém, contraria a revista: o chefão das empresas é Joesley Batista, o primeiro executivo, seguido de Wesley Batista. Júnior, embora respeitado pelo pai e pelos irmãos, estaria fora do negócio, e em definitivo, exceto como herdeiro de Zé Mineiro. A revista relata que Júnior Friboi pretendia gastar 100 milhões de reais se tivesse conseguido ser candidato a governador de Goiás pelo PMDB. O meio político do Estado avalia que o dado está subestimado, especialmente porque não considera que o empresário pretendia bancar candidaturas de vários postulantes a mandato de deputado federal e estadual. Há outra informação política curiosa: “A saída do empresário do páreo tira ainda uma pedra do caminho de Dilma Rousseff em Goiás. Pesquisas internas do PT mostram que o eleitor potencial do empresário não gosta da presidente”.)

“CartaCapital” diz que, até agora, o BNDES injetou 8,1 bilhões no grupo comandado pela família Batista (muito menos, por exemplo, do que investiu em Goiás, Estado no qual vivem mais de 6 milhões de pessoas). “Não foram simples empréstimos, mas capitalizações, ou seja, o banco virou sócio da empresa. (…) O governo também parece agir para abrir mercados aos frigoríficos nacionais e, por consequência, ao maior deles. Para manter abertas as portas da Rússia, que compra cerca de 4 bilhões de dólares em carnes por ano, Dilma Rousseff comprometeu-se a adquirir baterias antiaéreas de Vladimir Putin”, pontua a revista. A JBS estaria sendo tratada quase que como uma estatal, ideia que a parceria com o BNDES fortalece.

Cartel da carne e sonegação

O contencioso entre a JBS e os pecuaristas é registrado pela “CartaCapital”. “A Federação da Agricultura e Pecuária do Pará acusou publicamente a JBS de cartelização e cobrou providências das autoridades. Como é forte e está nas duas pontas – cria boi e processa a carne –, a empresa teria o poder de determinar os preços no mercado”, anota a revista. A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), presidente da poderosa Confederação Nacional da Agricultura (CNA), acusa a JBS de tentar “sufocar a concorrência”. “O presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos, Péricles Salazar, fez idêntica acusação ao apontar o esmagamento de pequenos abatedouros.”

O tratamento aos funcionários merece reparo da “CartaCapital”. “No município de Juruena, em Mato Grosso, os funcionários eram expostos a insetos de um lixão vizinho, vazamento de gás, jornada superior a dez horas diárias e refeições servidas com larvas de moscas e insetos”, denuncia a revista. Há também o registro de que há um “festival de ações trabalhistas”. Numa das ações, a Justiça Trabalhista mandou a empresa pagar 9 milhões de reais.

A história de que a JBS sonegou ICMS na exportação de carne bovina é destacada na reportagem. “Nos últimos nove anos, a Fazenda goiana emitiu autor de infração no valor de 1,3 bilhão de reais.” A publicação desta informado teria sido decisiva para “derrubar” a candidatura de Júnior Friboi a governador de Goiás. A exposição prejudica a empresa nas bolsas de valores do mundo, não só do Brasil. Acredita-se, entre aliados dos Batista, que o assunto não teria sido divulgado se Júnior Friboi não tivesse se apresentado como pré-candidato a governador em Goiás.

O presidente da J&F Participações, Joesley Batista, é acusado de sonegação num “processo individual”. “Joesley virou réu da Justiça Federal em novembro de 2012. Foi acusado pelo Ministério Público de ter sonegado, em valores atuais, 10 milhões de reais graças ao uso, entre janeiro de 1998 e julho de 1999, da conta bancária de uma empresa fechada. Se condenado, pode pegar de dois a cinco anos de prisão”, anota a “CartaCapital”.

Joesley foi indiciado, em janeiro, “pela Polícia Federal por crime contra o sistema financeiro. A PF ligou-o a uma turma do barulho: Kátia Rabello, Vinícius Samarane e José Roberto Salgado, ex-diretores do Banco Rural condenados no ‘mensalão’. Segundo os investigadores, o mais novo dos Batista deu uma força ilegal ao Rural em dezembro de 2011, quando a instituição estava na mira do Banco Central. Por meio do Banco Original, um dos negócios da holding J&F, teria ajudado o Rural em uma falsa capitalização com 160 milhões de reais em empréstimos cruzados fajutos. Joesley foi o fiador dos empréstimos do lado do Original”.

Não é só Joesley que é apresentado como “problemático” e, assim, investigado. “Wesley também se enrolou com o Original, graças à venda de 500 milhões de reais em CDBs à JBS. A transação chamou a atenção do Banco Central. Pelas condições de prazo e juros, desconfia-se, a JBS simulou um lucro menor apenas para injetar dinheiro na própria instituição financeira. Se fossem empresas de capital fechado, poderia tratar-se de uma mera questão doméstica. Mas como a JBS tem papéis na Bolsa, um eventual prejuízo causado como o auxílio do banco do grupo terá sido compartilhado com acionistas de outro sobrenome. Instigado pelo Banco Central, a CVM instalou em abril de 2013 um processo contra Wesley, diretor-presidente e financeiro da JBS.” Depois de pagar uma multa de 460 mil reais, Wesley conseguiu o encerramento do processo.

No final do texto, a “CartaCapital”, revista mais ligada ao ex-presidente Lula da Silva do que à presidente Dilma Rousseff, procura desfazer um boato: Fabio Luis da Silva, filho de Lula, não é o “verdadeiro” dono da JBS. Os boatos estariam sendo espalhados por tucanos.

A reportagem da revista é apenas uma reportagem ou um recado do governo federal para os dirigentes da JBS? O último parágrafo sugere, porém, que se trata de uma reportagem, não necessariamente de um recado: “A extensão e a generosidade do apoio público à família Batista carecem (…) de maiores explicações”.