Carta pela democracia mostra que a imprensa precisa sair de sua bolha e entender a “realpolitik”
14 agosto 2022 às 00h01
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É surpreendente a maneira entusiasmada com que alguns jornalistas escreveram sobre a “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!”, o documento que exige respeito às urnas e ao processo eleitoral como um todo.
É surpreendente porque assusta. Jornalistas experientes estão se passando por ingênuos ao ver mais do que devem ver no mais de milhão de assinaturas da “Carta” e em sua leitura reunindo pequenas multidões na semana passada, Brasil afora.
Uma das mais empolgadas foi Mariliz Pereira Jorge, que colabora com o canal Meio, na plataforma YouTube, que tem também outros nomes de referência, como Pedro Doria e Cora Rónai. “Bolsonaro será derrotado pela democracia” foi o título que ela escolheu para falar do tema na coluna digital “De Tédio a Gente Não Morre”, que assina no canal.
“O sentimento que toma conta do País neste momento é de mudança, é quase palpável, a gente quase consegue sentir essa vontade de mudança”, diz Mariliz no vídeo, ao citar Ulysses Guimarães ao promulgar a Constituição e dizer que devemos ter “ódio e nojo” da ditadura.
É de tal sorte uma declaração apaixonada mais do que uma análise política que a própria Mariliz, mais à frente, diz: “O que eu vou dizer agora pode ser só fruto do meu mais profundo desejo, mas em outubro Bolsonaro vai ser derrotado pela democracia, vai ser derrotado pelo desejo do brasileiro de mudar”. Mas que mudança é essa que o brasileiro quer, se os dois favoritos do atual pleito são o atual presidente e um ex-presidente que governou por oito anos?
E Mariliz não foi a única da imprensa a apostar tanta ficha no evento. Longe disso, aliás. É compreensível a emoção da colunista e de tantos outros ao comentar a “Carta”. Jornalistas são, por natureza, entusiastas da democracia e da liberdade de expressão, até porque é nesse ambiente em que podem desempenhar seu papel com dignidade e totalidade. Mas não podem achar que “Bolsonaro será derrotado” porque ganhou rubricas digitais um documento escrito por uma elite intelectual e assinada por uma elite financeira e cultural.
Ninguém contesta que a “Carta” funciona muito bem como instrumento de pressão política. Mas, na “realpolitik” das urnas, um documento assim influencia muito pouco, porque não nasce de necessidades materiais da população – e é de concretude que é feita a vida dura da imensa maioria de brasileiras e brasileiros.