Ninguém jamais filmou as quatro linhas como o pessoal do Canal 100. As câmeras postadas no gramado mostravam os jogadores como gigantes e em câmera lenta

Iúri Rincón Godinho

O Canal 100 foi sinônimo de cinema nos anos 70 e início dos 80. Uma espécie de “Jornal Nacional” oficial do regime militar, que passava antes dos filmes. Hoje é bacana ouvir a voz de Cid Moreira pré-Rede Globo, narrando os fatos do chamado “Brasil Grande” (Transamazônica, ponte Rio-Niterói, crianças cantando hino nacional na escola). Na época era só chato mesmo.

Mas havia o futebol. Ninguém jamais filmou as quatro linhas como o pessoal do Canal 100. As câmeras postadas no gramado — ou na marquise do Maracanã — mostravam os jogadores como gigantes e em câmera lenta. Dava para ver as expressões, as caneladas, os dribles e os gols como se a gente estivesse em campo. Outra novidade: os cinegrafistas filmavam o público. Em especial as pessoas humildes, torcedores malvestidos, desdentados, com radinhos de pilha colados no ouvido. Todos com cara de dor ou êxtase, iguais na mesma paixão. Uma forma épica e genial de filmar.

Essa edição bilíngue “Canal 100 — Uma Câmera Lúdica, Explosiva e Dramática” é um livrão de luxo, com fotos maravilhosas e um DVD com quase uma hora de imagens das matérias e os jogos de futebol — de longe 100 vezes melhor que o livro.

É também a história do diretor Carlos Niemeyer, um carioca típico. Bonachão, alegre, aventureiro, aparentemente mulherengo — o livro não fala mas as fotos insinuam. Dizem que Carmen Miranda era apaixonada por ele. Viveu uma vida momesca — até porque tinha paixão pelo carnaval — e manteve até o fim o Canal 100, passando a paixão pelo cinema para as filhas. Sua relação com o governo militar nunca foi muito bem explicada — e o livro não se atém ao assunto, preferindo dar voz aos vários cinegrafistas que trabalharam com Niemeyer.

De todo jeito, o Canal 100 é história. Apesar de meramente governista, é um manancial de imagens do regime militar. E, claro, tem o futebol, que já nasceu clássico.

Detalhe: o goiano Elton da Costa Campos trabalhou no Canal 100.

Iúri Rincón Godinho é publisher da Contato Comunicação.