Canadá obriga Google a remunerar meios de comunicação. Brasil deveria seguir o exemplo

03 dezembro 2023 às 00h01

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O Google e o Facebook, entre outras big techs, descobriram uma mina de diamante. A “terra” e a “produção” são dos jornais, revistas, sites e emissoras de televisão — que não colhem o que plantam, exceto as migalhas. As big techs, como as citadas, “colhem” e “vendem” a produção — com custo zero.
Jornais e revistas produzem uma infinidade de reportagens — em geral, de alta qualidade, o que resulta em custos elevados — e, em seguida, o Google, o Facebook, o Instagram e o X fazem a colheita e a vendem”, quer dizer, a divulgam. Certo, é positivo para os leitores — que têm acesso a material confiável “de graça”. Porém, para quem produz, não é um bom negócio.
É como se os tesoureiros das big techs trabalhassem nos jornais. No dia a dia, parte do dinheiro que entra é repassado para as gigantes globais, ou seja, os jornais, revistas e sites ficam com a rebarba, mas não com o grosso do faturamento.
Na verdade, Google, Facebook e X são negócios de primeira linha — invenções de gente mui sábia… da área de tecnologia. Representam uma vitória do conhecimento, da ciência… eventualmente contra a cidadania e o direito à privacidade. Jornais e revistas não souberam se reinventar e criar estruturas parecidas. Faltou visão científico-tecnológica? É possível.
O fato é que, de alguma maneira, jornais, revistas e sites vêm sendo garfados há anos: produzem para outros faturarem. Empresas de comunicação — algumas à beira da falência — se tornaram relativamente pobres… para alimentar as extremamente ricas big techs, que valem bilhões de dólares nas bolsas de valores.
De quebra, além de “furtar” o material jornalístico, as big techs “tomam”, no mais das vezes, milhares de anunciantes. Há jornais e revistas, sobretudo os menores, que se iludem com o sistema de o Google “remunerá-los”. Recebem migalhas e suas matérias são picotadas para abrir espaço para os anunciantes “do” Google (da empresa Alphabet). Não há escapatória. Porque, pelo pacto faustiano, jornais e revistas, se perdem dinheiro, ganham mais audiência. A República dos Likes é incontornável — nós, jornalistas, somos servos voluntários disso. Nenhum escapa, exceto se não estiver envolvido com jornalismo no dia a dia.
As big techs, notadamente o Facebook e o Google, têm enfrentado abertamente os governos e jornais e revistas de vários países. A maneira como desafiam os Estados nacionais, mais do que as empresas de comunicação, mostra o poder determinante da maioria delas.
Entretanto, alguns países, com seus governos, decidiram reagir. Na Austrália, quando o setor de regulação exigiu que pagassem os meios de comunicação, Google e Facebook (da empresa Meta) reagiram com virulência. Fizeram ameaças. A Meta, que dirige o Facebook e o Instagram, chegou a restringir, por certo tempo, que seus usuários tivessem acesso às notícias do país. Isto ocorreu em 2021.
Como o governo e os jornais e revistas da Austrália não recuaram, tanto Google quanto Facebook acabaram por aceitar as regras. Agora, o que prova a necessidade vital do Estado, estão remunerando os meios de comunicação. De acordo com uma reportagem de Glauce Cavalcanti, de “O Globo” (quinta-feira, 30), “a lei australiana prevê que as big techs acordem com produtores de conteúdo valores a serem pagos pela veiculação de notícias nas plataformas. Caso isso não ocorra, esses valores são arbitrados diretamente pel órgão regulador”.
Professor da Universidade Nacional da Austrália, Rod Sims informa que “o Google fechou acordo com todos os veículos de comunicação australianos, e a Meta, com a maioria deles. Ao todo, essa indústria passou a receber cerca de 200 milhões de dólares australianos (cerca de 130 milhões de dólares) por ano”.
Ex-presidente da Comissão de Consumo e Concorrência, Rod Sims não diz isto na reportagem de “O Globo”, mas quem é do mercado sabe que, apesar do avanço, o que as big techs pagam ainda é uma ninharia. De qualquer forma, a decisão é importante para jornais e revistas.
O Canadá do primeiro-ministro Justin Trudeau e da ministra do Patrimônio Canadense, Pascale St-Onge, inspirando-se na lei australiana, também decidiu jogar duro para forçar as big techs a remunerem as empresas de comunicação. A Lei de Notícias On-Line (conhecida como Projeto de Lei C-18) obriga Google, Facebook, X, Instagram, entre outros, a pagar pelas reportagens divulgadas.
O primeiro a fechar acordo com o Canadá foi o Google, que repassará 74 milhões de dólares (360 milhões de reais), por ano, às empresas que produzem notícias. É pouco, sem dúvida. Mas é um avanço. E vai influenciar outros países a enfrentarem as big techs — que, embora fortíssimas, não são invencíveis.
De acordo com “O Globo”, “o Google havia dito que bloquearia as notícias em sua plataforma, afirmando que a lei canadense era mais rigorosa do que as leis da Europa e da Austrália”. Depois, recuou.
Nos últimos 15 anos, 500 veículos de comunicação — sobretudo os de menor porte — fecharam as portas no Canadá. No Brasil está ocorrendo o mesmo fenômeno.
No Brasil, o Congresso discute, há tempo, uma legislação similar à canadense e à australiana (seu Código de Negociação de Mídia é importante), mas não sai do lugar. O lobby das big techs é forte no país? Talvez. Mas é possível que alguns políticos, não todos, estejam se comprazendo com a crise da imprensa — que afeta todos, notadamente os de maior porte.