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Um dos episódios mais impressionantes da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) aconteceu na Universidade de Salamanca, em 12 de outubro de 1936, durante o Festival da Raça Espanhola, com a presença de nacionalistas, da mulher do general Francisco Franco e do general Millán Astray, fundador da Legião Estrangeira.

O professor Francisco Maldonado atacou o nacionalismo basco, “que descreveu como ‘câncer da nação’, que precisava ser curado com o bisturi do fascismo”, conta o historiador Antony Beevor, em A Batalha pela Espanha (Editora Record, 711 páginas). Alguém soltou o grito de guerra da Legião Estrangeira: “!Viva la muerte!” Millan Astray deu o mesmo grito.

O filósofo basco Miguel de Unamuno, reitor da Universidade de Salamanca, levantou-se e, com sua voz baixa, rebateu: “Todos vocês esperam as minhas palavras. Vocês me conhecem e sabem que sou incapaz de ficar em silêncio. Às vezes o silêncio é mentir. Pois o silêncio pode ser interpretado como concordância. Quero comentar o discurso, se é que se pode chamá-lo assim, do professor Maldonado. Vamos deixar de lado a afronta pessoal implícita na explosão súbita de vitupérios contra os bascos e catalães. Eu mesmo, claro, nasci em Bilbao. O bispo, quer queira ou não, é catalão, de Barcelona. Bem agora ouvi um grito necrófilo e sem sentido: ‘Viva a morte!’ E eu, que passei a vida criando paradoxos, devo dizer-lhes, com autoridade de especialista, que este paradoxo estranhíssimo me é repulsivo. O general Millán Astray é um aleijado [havia perdido um braço e era cego de um olho]. Vamos dizê-lo sem rodeios. É um aleijado de guerra. Cervantes também era.

“Infelizmente há aleijados demais na Espanha hoje em dia. E logo haverá mais ainda se Deus não vier em nosso auxílio. Dói-me pensar que o general Millán Astray deva ditar o padrão da psicologia de massas. Um aleijado sem a grandeza de Cervantes tende a buscar consolo calamitoso provocando mutilação à sua volta. O general Millán Astray gostaria de recriar a Espanha, uma criação negativa à sua própria imagem e semelhança; por essa razão, deseja ver a Espanha aleijada, como sem querer deixou claro”.

Irritado, o general gritou: “Muera la inteligência! Viva la muerte!” Falangistas sacaram pistolas e o guarda-costas de Millán Astray apontou sua submetralhadora para a cabeça de Unamuno. Mesmo assim, o filósofo reagiu: “Este é o templo do intelecto e sou eu o sumo sacerdote. É o senhor que profana este recinto sagrado. O senhor vencerá, porque tem força bruta mais que suficiente. Mas não convencerá. Pois para convencer precisará do que lhe falta: a razão e o direito em sua luta. Considero inútil exortar o senhor a pensar na Espanha”.

Ao término de sua réplica, Unamuno disse: “Consegui”. Os falanquistas queriam linchá-lo, mas a presença da mulher de Franco conteve os agressores. Franco disse que o filósofo deveria ter sido fuzilado. “Isso não foi feito por causa da fama internacional do filósofo e da reação causada no exterior pelo assassinato de Lorca. Mas Unamuno morreu seis semanas depois, deprimido e amaldiçoado como ‘vermelho’ e traidor por aqueles que pensou eram seus amigos”, relata Antony Beevor.