Brasileiro foi à coroação de Elizabeth II em 1953 e lhe presenteou com joias de luxo
11 setembro 2022 às 00h02
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O maior empresário da área de comunicação da história do Brasil certamente foi o nordestino Francisco de Assis Chateaubriand, o Chatô. O jornalista criou o maior conglomerado de mídia da América Latina — o grupo Diários Associados (que incluía “O Jornal”, “Correio Braziliense”, “Estado de Minas”, “Folha de Goiaz”, a revista “O Cruzeiro” e emissoras de televisão e rádio). Em 1950, pôs no ar a primeira emissora de televisão do país, a Tupi. Foi um dos principais incentivadores da aviação. Em 1947, com o apoio do italiano Pietro Maria Bardi, fundou o Museu de Arte de São Paulo. Para criar o Masp, extorquiu empresários e comprou quadros de artistas renomados da Europa (inclusive uma pintura do primeiro-ministro inglês Winston Churchill). O paraibano de Umbuzeiro morreu em 1968, aos 75 anos, em São Paulo. Sua história está registrada na competente biografia “Chatô — O Rei do Brasil” (Companhia das Letras, 732 páginas), do jornalista Fernando Morais.
Chatô foi senador pela Paraíba e pelo Maranhão e embaixador do Brasil em Londres no governo de Juscelino Kubitschek, entre 1957 e 1960. Era o jornalista-empresário mais temido pelos poderosos de seu tempo. Ele usava seus meios de comunicação para perseguir aqueles que considerava como seus adversários ou inimigos. Era implacável.
Em 1953, o presidente Getúlio Vargas, que temia a fúria do jornalista-empresário, convocou-o para compor a delegação designada para representar o Brasil “nas cerimônias de coroação da futura rainha da Inglaterra, Elizabeth II”.
Faziam parte da missão brasileira Chatô, o marechal Mascarenhas de Morais (aliado da Inglaterra na luta contra o nazismo da Alemanha de Adolf Hitler) e o almirante Raul de San Thiago Dantas (pai de Francisco Clementino de San Thiago Dantas). Cada integrante do grupo podia levar um assistente. O diplomata Gilberto Chateaubriand acompanhou o pai (que falava um inglês estropiado e ininteligível).
“O verdadeiro rei de São Paulo”
A notícia da indicação de Chatô para a delegação da coroação da rainha saiu na célebre coluna “Elsa’s Comment”, de Elsa Maxwell, no “New York Journal”. “Um homenzinho acaba de estar em Nova York, vindo do Brasil. Seu nome é Assis Chateaubriand — o mais alegre, o mais vivo, o mais fantástico homem que já conheci. Grandes olhos castanhos, cabelos ficando grisalhos, ele praticamente não fala inglês mas é mais borbulhante que uma garrafa de gasosa. Chateaubriand é o verdadeiro rei de São Paulo”, escreveu a colunista.
“Chateau, como eu o chamo, acaba de ser indicado pelo presidente Vargas como embaixador extraordinário do Brasil à coroação da rainha Elizabeth no próximo mês. Ele passou por Nova York por apenas três dias e eu almocei com ele no Pavillon. Chegou e saiu como um furacão, seguido por um grande número de mulheres, todas falando português”, informou Elsa Maxwell.
Porém, quando leu o programa dos ingleses para a festividades da coroação, Chatô ficou decepcionado e irritado. “Só os chefes de delegações iam ter o privilégio de cumprimentar pessoalmente a rainha”, conta Fernando Morais.
Como homem pertinaz, Chatô imaginou uma alternativa para falar com a rainha Elizabeth. “Se levasse um presente pessoal para ela, a rainha não teria como não recebê-lo”.
Chatô decidiu presentear a majestade britânica com “um conjunto de colar e brincos de águas-marinhas e brilhantes”. As joias foram preparadas pela ourivesaria da Casa Mappin & Webb. Hábil como sempre, com um poder de pressão imenso, o empresário escolheu oito pessoas (ou vítimas) para pagar o presente: Juscelino Kubitschek, governador de Minas Gerais; Euvaldo Lodi, deputado e presidente da Confederação da Indústria; Horácio Lafer; Antônio Ferreira Guimarães, industrial mineiro; Fúlvio Morgantini, cafeicultor paulista; George Wigle, presidente da Sr. John Del Rey Mining Co.; Harold Fleming, do Moinho Inglês, e Wolf Klabin. Detalhe: não foram avisados com antecedência. Mesmo assim, tiveram de pagar 2,5 milhões de cruzeiros (na época, 62 mil dólares) pelo presente.
No dia 17 de maio de 1953, a delegação embarcou para Paris. Gilberto Chateaubriand, atendendo recomendação de Chatô, levou “o colar e os brincos — dez águas-marinhas de 120 quilates e 647 brilhantes, que pesavam trezentos gramas — no forro de seu sobretudo de lã”. Foram costurados por sua avó.
Durante a viagem, Chatô se desentendeu com o marechal Mascarenhas de Morais. O jornalista gritou, dirigindo-se a Gilberto Chateaubriand: “Meu filho, esse homem é um pobre diabo! (…) Eu fiz ver a esse imbecil que ele quer submeter o Brasil a uma ridicularia, ao absurdo internacional de trazer de volta os despojos dos soldados brasileiros que morreram na Segunda Guerra Mundial e que estão sepultados no cemitério de Pistóia, na Itália. (…) Pistóia foi o único território que os brasileiros conquistaram na Europa”.
Em seguida, o marechal, tentando apaziguar Chatô, pediu a Gilberto “para ver o presente que será oferecido à rainha”. Chatô vociferou: “Não mostre! Ele não vai ver colar nenhum”.
Em Londres, no Grosvenor House Hotel, Chatô descobriu que “sessenta outras delegações” também iriam presentear a rainha Elizabeth, o que o deixou desconsolado. Um marajá levou um elefante e xeques e emires levaram cavalos puros-sangues.
Chatô foi avisado que poderia assistir “à cerimônia de coroação, na Abadia de Westminster, e a participar da recepção do Palácio de Buckingham, mas não manteria qualquer contato com a rainha”. Os chefes das delegações poderiam cumprimentá-la em Buckingham. Portanto, o presente adquirido pelo jornalista seria entregue pelo marechal Mascarenhas de Morais, e não a Elizabeth, e sim a um representante da corte.
Na véspera da coroação, Chatô saiu às ruas de Londres e colocou seis faixas de pano saudando a majestade britânica. Era seu “presente pessoal e anônimo para a rainha”, escreve Fernando Morais. As faixas diziam: “Nosso Senhor do Bonfim guarde a rainha”, “Nossa Senhora da Aparecida guarde a rainha” e “Santa Teresinha do Menino Jesus guarde a rainha”. Curiosos, que não sabiam português, perguntavam o que queria dizer a “exótica homenagem”. Solícito, Chatô respondia: “São santos brasileiríssimos. É a saudação que o Brasil faz à rainha dos anglicanos que vai ser coroada amanhã”.
No dia da coroação, 2 de junho de 1953, Chatô, com infecção na próstata, não estava bem. “Ele era obrigado a urinar a cada meia hora”, anota Fernando Morais.
Seu médico havia dito para evitar a aventura europeia, mas, homem decidido e teimoso, Chatô não lhe deu ouvidos. Ele “vestiu um grosso sobretudo sobre a casaca, e com uma gilete abriu dois talhos nos forros do bolso do casaco de lã. Pediu ao bar do hotel duas garrafas vazias de Coca-Cola e enfiou cada uma num bolso do capote”.
De manhã, Chatô instalou-se na Abadia de Westminster. Luxuosamente vestida, a rainha Elizabeth entrou no recinto e encantou a todos. “A cinco metros de distância daquela que, minutos depois, seria a soberana de oito nações, 65 protetorados e de uma população de 600 milhões de brancos, negros e amarelos que compunham um quinto dos habitantes do planeta, Chateaubriand enfiou as mãos nos bolsos do sobretudo, desabotoou a braguilha, tirou o pênis para fora e urinou aliviado, tomando o cuidado de não errar a pontaria ao mirar no minúsculo gargalo da garrafa vazia de Coca-Cola”, relata Fernando Morais.
Com a coroa nas mãos, o primaz da Inglaterra e arcebispo de Canterbury, Geoffrey Francis Fischer, inquiriu: “Senhores, eu vos apresento a rainha Elizabeth II, a vossa rainha incontestável. Por isso pergunto a vós todos que aqui viestes: estais dispostos a render-lhe homenagem e prestar-lhe vossos serviços?”
Aproveitando “o som dos clarins e das gaitas de foles que enchiam a abadia”, Chatô urinou mais uma vez, agora na segunda garrafa de Coca-Cola”. Enquanto o brasileiro urinava, “os representantes de todas as colônias e protetorados ali presentes responderam em coro à pergunta do arcebispo de Canterbury: ‘Deus salve a rainha Elizabeth!’”.
A cerimônia de coroação durou cinco horas. Ao seu término, Chatô correu para um banheiro e deixou “no chão as duas salvadoras garrafas”.
Em Buckingham, na sala do trono, apenas os chefes de missões teriam acesso à rainha. Chatô fez o diabo para conseguir um convite para ele e sua bela companheira, Aimée de Heeren (que havia sido amante de Getúlio Vargas). Aimée não era bem-vista, porque mantivera um namoro público com um primo da rainha. Estava na lista “cinza” da Família Real. Mas “o jornalista decidiu que a namorada entraria junto com ele de qualquer maneira no palácio”.
Chatô e Aimée acabaram por entrar no palácio. O jornalista chegou a colocar um repórter-fotógrafo, Luciano Carneiro, de “O Cruzeiro”, no porta-malas do Rolls-Royce da embaixada. Os dois pombinhos, a bela e o rebelde, foram fotografados “à porta do palácio”. “Ele tinha conseguido impor a presença de Aimée à fechada corte britânica.”
No dia 4 de junho de 1953, o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, ofereceu às delegações que foram prestigiar a nova rainha uma recepção no Bleinheim Castle.
Como já havia condecorado Churchill com a Ordem do Jagunço, Chatô decidiu ir à recepção. O jornalista cumprimentou o político que havia derrotado o nazismo — ao lado de americanos, russos e brasileiros (25 mil soldados patropis lutaram contra o nazifascismo na Itália — 111 deles goianos) —, mas aparentemente seu inglês macarrônico não foi compreendido pelo primeiro-ministro.
Churchill não havia reconhecido o brasileiro, chefe da Ordem do Jagunços, e repetia: “Nice to see you” (algo como “é bom te ver”). Chatô virou-se para Gilberto Chateaubriand e disse, irritado: “Meu filho, esse sujeito está gagá, está caduco! Como é que um homem gagá pode dirigir a Inglaterra? Quando chegar o Brasil vou mandar ‘O Cruzeiro’ fazer uma reportagem revelando que Churchill está gagá!”
Chatô disse ao filho que iria “acabar com a carreira desse velho caduco”. “Estou arrependido até de ter comprado aquela bobagem daquele quadro dele. Todo mundo sabe que, como arte, aquilo é uma droga!”
Gilberto Chateaubriand foi enviado de volta ao Brasil por navio, e Chatô ficou na Inglaterra com Aimée. O filho do jornalista descobriu, ao chegar ao país, que Chatô apropriara-se da cadeira “em que assistira à coroação, revestida de veludo e ostentando atrás do espaldar, em letras metálicas douradas, a inscrição ‘E. R. II’”.
Quando o “aristocrata do quarto poder” estava internado na Clínica Doutor Eiras, em coma, o embaixador britânico no Brasil, Geoffrey Wallinger, foi visitá-lo, levando duas mensagens. Uma era do secretário de Estado para Assuntos Estrangeiros, Selwyn Lloyd. A outra era da rainha Elizabeth. Ela enviava “votos do mais pronto restabelecimento”.
Num documento enviado a Londres, assinado por Geoffrey Wallinger, informa-se que “Chateau é respeitado, mas o tipo de respeito engendrado pelo medo e não pela afeição”. Os diplomatas britânicos não apreciavam o embaixador brasileiro em Londres. Assis Chateaubriand, por sinal, não apreciava ser chamado de “Chatô”.
Coincidências da vida: os nomes Elizabeth e Francisco contêm nove letras.
A rainha Elizabeth, ícone dos séculos 20 e 21 similar aos Rolling Stones e aos Beatles, morreu na quarta-feira, 8, com 96 anos. Viveu 21 anos a mais do que Chatô. O brasileiro nasceu em 4 de outubro de 1892. A britânica nasceu em 21 de abril de 1926.
Chatô pagou uma fortuna por quadro de Churchill
Assis Chateaubriand, o Chatô, construiu, com o apoio do bem-informado Pietro Maria Bardi, extorquindo empresários, o Museu de Arte de São Paulo (Masp). Ele pedia dinheiro e comprava quadros de pintores importantes na Europa. Por causa da Segunda Guerra Mundial, que havia debilitado financeiramente o continente, era possível adquirir obras-primas por preços baixos.
Ao saber que o quadro “Blue sitting room”, de Winston Churchill, iria a leilão pela Christie’s, Chatô dirigiu-se para Londres. Antes, arrecadou, pressionando, 20 mil dólares de um grupo de empresários.
O advogado dos Diários Associados, Nehemias Gueiros, foi ao leilão, com os bolsos cheios de libras, fornecidas por Chatô. Do hotel Claridge’s, o jornalista monitorava seu funcionário, por telefone, a respeito dos lances. A disputa pelo quadro, com o ator de cinema americano Robert Montgomery, estava pesada.
O ator ofereceu 1200 dólares e Chatô venceu a parada, ao mencionar, via Nehemias Gueiros, a cifra de 1300 dólares. O Masp ganhou o quadro de Churchill pelo valor de 5200 dólares. Pietro Maria Bardi informara a Chatô que a pintura não valia mais do que 600 libras. Com o dinheiro que sobrou, 15 mil dólares, Chatô foi à Christie’s e arrematou dois quadros de Kokoschka e uma escultura de Henry Morre.
Churchill disse ao jornalista: “Mas o senhor perdeu o juízo, doutor Chateaubriand. Nenhum quadro meu vale mais do que 100 libras”.
Na Inglaterra, Chatô decidiu sagrar Churchill Cavaleiro da Ordem do Jagunço. Como o inglês do jornalista era incompreensível, uma espécie de “portinglês”, o embaixador Moniz de Aragão tentou explicar, para um perplexo Churchill, o que era “jagunço”.
“O líder conservador parece achar graça quando Chateaubriand pediu que se apoiasse sobre um dos joelhos para ser condecorado. O jornalista tirou da malinha um chapéu de cangaceiro, que colocou sobre a cabeça do agraciado, e cobriu seus ombros com um malcheiroso gibão de vaqueiro nordestino, de couro cru. Pediu que Gueiros colocasse sobre o ombro um punhal paraibano de cabo de osso e passou a pronunciar em português, com toda a solenidade, as palavras contidas no diploma de pergaminho que também saíra da misteriosa mala: ‘Winston Churchill: em nome de Chico Campos, do suave sertão das Gerais, grão-mestre da Ordem, e de Antônio Balbino, senhor do Rio Grande, no sertão duro da Bahia, eu vos armo comendador da mais valorosa jerarquia do Nordeste do Brasil, a Ordem do Jagunço’”, relata Fernando Morais.
“Diante de um Churchill assombrado com a cena que acabara de protagonizar, Chateaubriand e Gueiros recolheram a vestimenta e o punhal, posaram para os fotógrafos das agências de notícias que aguardavam no jardim e retornaram a Londres para comemorar as novas aquisições com uma festança regada a champanhe e mulheres”, sublinha Fernando Morais.
Cá entre nós, leitor, o Cidadão Kane patropi era um gozador de primeira linha. Ri ao contar a história, o que deve ter acontecido com você.