Brasil se tornou um país de fanáticos na religião, na política, no futebol. Em tudo

04 agosto 2015 às 11h46
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No país, dividido entre “coxinhas” e “petralhas”, fica evidente o risco para o debate democrático civilizado
Edmar Oliveira
Especial para o Jornal Opção
O fanatismo religioso já é tratado como doença por neurocientistas de todo o mundo, como Kathleen Taylor, da Universidade de Oxford, Inglaterra. Para ela, pessoas de crenças radicais precisam de tratamento porque podem causar graves danos a si mesmas e a outros.
O tema é abordado com tanta seriedade que, em 2006, Kathleen Taylor publicou um livro no qual discorre também sobre a lavagem cerebral por que passam milhões de fiéis. Há exemplos diários na mídia. E uma busca rápida na internet nos coloca diante de casos escabrosos.
Por exemplo: o evangélico José Carlos de Lima espancou violentamente a filha Larissa Rafaela Kondo de Lima [foto acima], de 15 anos. Segundo ele, a surra era para o bem dela. “Eu apenas quis corrigir a minha filha dentro das regras de nossa igreja e do respeito à família”, disse à polícia. O motivo da ira do pai foi o fato de que Larissa estava namorando na praça de Cafelândia (SP). Porém a “cegueira” parece atingir apenas o rebanho. Devido à surra brutal, a garota teria bebido veneno. Em 2011.
Em 2013, a revista Forbes fez um ranking mostrando o tamanho das fortunas de pastores brasileiros que ficaram milionários. Entre os nomes estão Valdemiro Santiago e Silas Malafaia, este conhecido por sua perseguição implacável aos homossexuais. A Igreja Católica tem seus fanáticos? Claro. E muitos. Porém, como na seara evangélica, há os que se destacam, como o padre Paulo Ricardo de Azevedo Jr., da Arquidiocese de Cuiabá, amigo do filósofo Olavo de Carvalho. Ambos ultrarradicais e intolerantes, vivem a incitar seus discípulos ao ódio contra gays, ateus e todos os que defendem posições contrárias às suas. Ou seja: fazem exatamente o inverso do que recomendou o mestre em que dizem acreditar. O padre é chamado de “Malafaia católico”, e Carvalho é um exemplo a não se seguir: é destemperado, xinga o tempo todo e permite que postem horrores em seu perfil no Facebook.
No livro “Jesus Antes do Cristianismo”, o ex-bispo católico sul-africano Albert Nolan, que ainda sofre perseguição por optar pela assistência aos pobres e por discordar de pontos centrais do catolicismo, nos mostra um retrato de Jesus notavelmente claro, convincente, diferente, e nos apresenta um desafio: conhecer Jesus como ele era antes de ser colocado no santuário de doutrinas, dogmas e rituais. Não se presume nada: permite-se que a evidência histórica a respeito dele fale por si mesma. Nolan desnuda um homem que estava profundamente envolvido com os problemas de seu tempo — e que acabam sendo os problemas também de nosso tempo. Só no último capítulo o autor, derrubando muitas de nossas ideias preconcebidas, abre as portas para uma maneira surpreendentemente nova de compreender o que significa a divindade de Jesus, criador de um grande movimento de solidariedade. Mas não é fácil discutir isto com quem está preso à irracionalidade e intolerância.
O fanatismo político também é perigoso. No Brasil, dividido entre “coxinhas” e “petralhas”, fica evidente o risco para o debate democrático civilizado. A ciência já estuda o fato de ser tão fácil agrupar-se e encontrar um inimigo comum para culpá-lo de todos os problemas do mundo.
Grupos mínimos
Nos anos 1970, foi elaborado o paradigma dos grupos mínimos pelo psicólogo Henri Tajfel [foto acima], da Universidade de Bristol, Inglaterra. Ao serem aleatoriamente agrupados de acordo com critérios irrelevantes, como o pintor favorito, os participantes de um experimento criaram forte ligação entre aqueles que dividiam a mesma turma, exaltando suas qualidades e hostilizando os rivais. Ao final, formou-se o “nós contra eles”. Algo a ver com o Brasil atual?
Em “Psicologia das Multidões”, de 1895, o filósofo francês Gustave le Bon alertou para a bizarrice da união em grupos, que forma uma mentalidade única cega. “Nas grandes multidões, acumula-se a estupidez, em vez da inteligência. Na mentalidade coletiva, as aptidões intelectuais dos indivíduos e, consequentemente, suas personalidades se enfraquecem”, anotou.
O escritor Nelson Rodrigues classificou esse comportamento como “unanimidade burra”.
Para o historiador Jaime Pinsky, autor de “Faces do Fanatismo”, o grande problema das dedicações sem limites é a convicção inabalável. “A certeza da verdade do fanático não é resultante de uma reflexão ou de uma dedução intelectual”, afirma. A guerra entre militantes de PT e PSDB, marcada pelo ódio, não é nova. Entretanto, como disse o filósofo Vladimir Safatle, em artigo na “Folha de S. Paulo”, o discurso de conciliação não funciona na política porque é justamente ela que põe as contradições à vista. Para ele, a “rachadura” do Brasil sempre existiu. “Essa polaridade apenas permitiu que a divisão se expressasse”, escreveu.
Escuta, Zé Ninguém!
A massa, em parte dependente de programas sociais como o bolsa família, e os intelectuais petistas, filhos políticos de pensadores como a filósofa Marilena Chaui, veem no ex-presidente Lula a santidade. O próprio messias. Ai de quem questiona Lula. Em “Escuta, Zé Ninguém!”, o médico e psicanalista austríaco Wilhelm Reich [foto acima] revela seu espanto e horror, depois de longa luta consigo mesmo, diante do que o zé ninguém, o homem comum, é capaz de fazer de si próprio, de como sofre e se revolta, das honras que tributa aos seus inimigos e do modo como assassina os seus amigos. Sempre que chega ao poder como “representante do povo”, aplica-o mal e é transformado em algo mais cruel que o sadismo que outrora suportava dos elementos das classes anteriormente dominantes. Lula era operário. Um zé ninguém. Alçado à Presidência, teve seus governos marcados pela corrupção. Ficou rico. O mensalão, ocorrido em seu primeiro mandato, foi um dos maiores casos de desvios da história. Além disso, o lulismo criou um perigoso populismo. Se estivesse no Brasil moderno, Reich certamente gritaria com a multidão silenciosa: Escuta, zé ninguém!
Ateus religiosos
Os ateus fanáticos são uma categoria em alta. Militantes, defendem seus pontos de vista com a mesma cegueira e intolerância dos religiosos brutos. Têm até a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Ateia), presente nas redes sociais. O filósofo britânico John Gray, que desagrada a esquerda e a direita por criticar ambas, causou furor ao dizer que os ateus se tornaram evangélicos radicais. E citou alguns famosos: Richard Dawkins [foto acima], autor de “Deus, um Delírio”, e Christopher Hitchens (jornalista inglês, autor de “Deus Não É Grande”), que partem para ataques violentos contra os religiosos, como se o marxismo, por exemplo, que não tem dúvidas, só certezas, não fosse uma religião. Em nome de suas causas, ateus mataram milhões de pessoas. Ióssif Stálin mandou assassinar cerca de 30 milhões. Mao Tsé-tung, cerca de 70 milhões. Hitler matou milhões — só judeus foram 6 milhões. John Gray não defende a religião, mas critica duramente os “ateus religiosos”.
Para John Gray [foto acima], o proselitismo do ateísmo “é um projeto de conversão universal”. No pedestal de pensadores ateus, religião é atraso, e a ciência, deusa. “A ciência é a melhor ferramenta para formar crenças confiáveis sobre o mundo, mas não difere da religião ao revelar uma verdade crua que a religião vela em sonhos”, diz Gray. “Dawkins parece convencido de que, se não fosse inculcada nas escolas e pelas famílias, a religião desapareceria. Essa é uma perspectiva que tem mais em comum com certo de tipo de teologia fundamentalista do que com a teoria darwiniana.” No Brasil, que não foi avaliado por John Gray, é diferente. Aqui, a religião inculcada na cabeça dos alunos é a marxista, que os transforma em estudantes marxistas mesmo sem saber.
Fanatismo no futebol
O fanatismo no futebol é outra doença grave. Mata-se por não aceitar que alguém vista a camisa e torça para o adversário. Vale lembrar casos como o de Atlético Paranaense e Vasco, em 2013, na última rodada do Campeonato Brasileiro. O jogo era decisivo. O Vasco tinha de vencer para não ser rebaixado pela segunda vez para a série B. Assim que o jogo começou, as atenções voltaram-se para as arquibancadas. Torcidas organizadas se enfrentaram de forma animalesca. Os seguranças não conseguiram conter a fúria coletiva. Levou tempo para que, com a chegada de reforço policial, o enfrentamento parasse. A partida terminou em 5 a 1 para o Atlético Paranaense, e uma cena ficou marcada na memória de quem estava no estádio ou assistindo em casa: um pai vascaíno que protegia seu filho em meio ao combate.
Felipe Lopes, que defendeu tese de doutorado no Instituto de Psicologia da USP sobre o tema, diz que a origem da feracidade dos fanáticos dos estádios é política. “As primeiras organizadas surgiram na década de 1960 e foram influenciadas pelo espírito da época, como um movimento de resistência e fiscalização dentro do futebol”, acentua. “Certos grupos eram organizados em ‘pelotões’, e seus dirigentes eram chamados de capitães. Essa se tornou uma face mais ligada à guerra, machista e militarizada, e a partir dos anos 1980 essas torcidas deixaram as páginas esportivas para ocupar as páginas policiais”, afirma o sociólogo Maurício Murad, autor do livro “Para Entender a Violência no Futebol”.
Para Murad, o enfraquecimento de instituições como sindicatos e partidos explica o crescimento da violência e fez com que as torcidas se tornassem um dos raros espaços de reconhecimento social, sobretudo para jovens carentes de lazer e cultura. E aí a devoção pelo time de futebol se mistura à lealdade para com a torcida organizada. “O futebol é um dos maiores patrimônios da cultura coletiva brasileira e fruto de identidade social. Quando essa paixão excede os padrões de sociabilidade, isso se torna fanatismo, deixando de existir a diferença entre adversário e inimigo”, diz Murad. De acordo com o estudioso, o Brasil é o país mais violento do mundo nos conflitos entre organizadas: de 2012 a 2014, 71 mortes foram registradas por aqui. “Quando vemos torcedores dizendo que vão morrer pelo seu time e quando agridem outro torcedor, vemos o lado irracional”, diz.
Zeca Camargo
Existem várias modalidades de fanáticos, todas perigosas, que vão desde os que não aceitam críticas a música brega romântica — lembremos do caso Zeca Camargo [foto acima]— aos aficionados por iPhone e iPad, que formam filas gigantescas em frente a lojas em várias partes do mundo quando se anunciam novidades. No ano passado, um jovem chinês de 14 anos vendeu um rim para comprar um aparelho.
Estado Islâmico
Os talibãs e o Estado Islâmico são formas extremas de irracionalidade nos dias atuais. E a história está cheia de tragédias ocasionadas por fanáticos. Em nome de Deus, do comunismo ou apenas da estupidez.
Edmar Oliveira, jornalista, é colaborador do Jornal Opção.