Para tentar mostrar força à militância bolsonarista, o presidente Jair Bolsonaro escolheu alguns “adversários” que, a rigor, trata como “inimigos”. Na lista de seus supostos opositores estão o Supremo Tribunal Federal, a Imprensa e, sim, as mulheres.

O Supremo, sobretudo os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, foi transformado em vilão-mor. Os ataques são frequentes. Os formuladores do bolsonarismo desenvolveram a “tese” — e convenceram milhares de incautos, em todo o país — de que o STF atrapalha o governo de Bolsonaro. A “tese” é falsa, mas muitas pessoas acreditam no seu “conteúdo” — contaminado por chavões fakes — e a ventilam nas redes sociais e no WhatsApp. Todos os dias recebo mensagens falsas, geralmente vídeos, encaminhadas, paradoxalmente, até por pessoas sérias, mas, pelo visto, inocentes-úteis do esquema bolsonarista.

Jair Bolsonaro: presidente da República | Foto: Reprodução

Quanto ao Supremo o que se pode afirmar é que, em defesa da legalidade — do primado da lei —, cumpre, à risca, aquilo que é constitucional. Se o governo Bolsonaro vai mal, a responsabilidade é, em parte, do timoneiro e de seus auxiliares. Há, claro, componentes externos — como a queda do crescimento da China, maior parceiro comercial do Brasil, e a guerra da Rússia contra a Ucrânia. Mas a gestão Bolsonaro, dada mais ao debate ideológico do que ao pragmatismo político, às vezes trava a economia e dificulta as ações dos setores produtivos. Então, apesar de certa determinação externa, há, de fato, uma crise gerada por um governo pouco criativo e que é lento para decidir.

É preciso admitir que o país voltou a crescer, ainda que não em níveis satisfatórios — aqueles que geram empregos reais e aumento da renda dos trabalhadores —, e a inflação, tudo indica, está contida. Mas não há uma expectativa positiva, interna e externa, quanto ao governo Bolsonaro. A imagem do país, por causa do discurso e das ações do presidente, é extremamente negativa.

Guerra contra a Imprensa e as mulheres

Vera Magalhães, jornalista da TV Cultura e de “O Globo” | Foto: Reprodução

Depois do Supremo, o “inimigo” preferencial é a Imprensa. Bolsonaro escolheu para enfrentar sobretudo a TV Globo e jornalistas, notadamente as mulheres.

Bolsonaro faz críticas contundentes às jornalistas, tratando-as com o máximo de desrespeito e a máquina de fake news que o apoia faz o resto: massificando os ataques e acrescentando contundência e maledicência.

Porque Bolsonaro escolheu as mulheres para brigar não se sabe exatamente. Ele as considera mais “frágeis” ou, ao contrário, avalia as jornalistas como um “inimigo” poderoso a ser destruído? Trata-se de um caso a estudar e é provável que psiquiatras e psicanalistas estejam se debruçando sobre o assunto. É provável que se concluirá que o presidente no fundo teme as mulheres.

Alexandre de Moraes: firmeza na defesa da lei | Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Atacadas por Bolsonaro, Amanda Klein, Daniela Lima, Miriam Leitão, Patrícia Campos Mello e Vera Magalhães reagiram com elegância, coragem e altivez. A rigor, nenhuma “ataca” o presidente. Elas interpretam o que faz e o que deixa de fazer o gestor federal. Como são profissionais éticas e competentes, que sabem explicar o que está acontecendo no país, notando que o rei está nu, o “Imbrochável”, assustado, reage com brutalidade.

O que Bolsonaro ganhou, como cidadão e candidato a presidente, com os ataques contumazes às jornalistas? Nada. Ou melhor, sua rejeição entre as mulheres é alta. São as eleitoras que garantem uma frente expressiva a Lula da Silva, o candidato do PT à Presidência da República.

Bolsonaro escolheu a Globo como outro “rival” a ser combatido e destruído. O bolsonarismo chama a maior rede de televisão do país — que emprega centenas de trabalhadores — de “Globo lixo”. Ao ser combatida, a rede da família Marinho aceitou o confronto. Quem está se saindo realmentemal da contenda? Não é a Globo, e sim Bolsonaro e seu governo.

Patrícia Campos Mello: repórter da “Folha de S. Paulo” | Foto: Reprodução

Ao examinar o governo e o discurso (de um vazio assustador) de Bolsonaro com lupa, a Globo, como a “Folha de S. Paulo”, “O Globo” e “O Estado de S. Paulo”, consegue mostrar sua pequenez, seu autoritarismo, sua falta de civilidade, sua brutalidade, sua tibieza. O resultado é o que o jornalismo massificou, não o que inventou, e sim o que o presidente é: um gestor limitado e avesso à democracia. Lula da Silva aparece nas pesquisas com quase 50% das intenções de voto e o presidente não chega a 40%. Se as pesquisas de intenção de voto estiverem certas, o postulante petista tende a ser eleito presidente, no primeiro ou no segundo turno.

Que Bolsonaro não tenha percebido que o confronto com a Imprensa não seria positivo prova que lhe falta visão de mundo, de história. Perseguidores da Imprensa, na democracia, acabam indo para a lata de lixo da história.

A excelência do jornalismo da TV Globo

João Roberto Marinho, Roberto Irineu Marinho e José Roberto Marinho | Foto: Reprodução

A Globo criou uma excelência rara no Brasil na área de jornalismo e entretenimento. A rede seguramente tem alguns dos melhores profissionais do país, com salários que superam, no geral, os das outras emissoras de televisão.

Portanto, não há uma “Globo lixo”, e sim uma “Globo luxo” (uma espécie de Machado de Assis da televisão patropi). Agora, a Globo pediu a renovação de sua concessão por mais 15 anos. Dado ao trabalho de qualidade que faz — sua média é alta e inquestionável —, a renovação será positiva, não apenas para a empresa, mas também para o país.

A Globo garante que sua documentação está em dia e, se o critério for apenas técnico, a renovação da concessão será feita sem atropelos.

O “problema” é que Bolsonaro criou uma expectativa de que não iria renovar a concessão, atendendo à militância bolsonarista. Se o presidente optar pela não-renovação — ninguém, no mercado, acredita que adotará uma posição radical (pode usar o “problema” para mostrar que é “democrata”) —, o caso irá para o Congresso Nacional. Lá o governo tem maioria para barrar a renovação da concessão? Tudo indica que não.

Portanto, se agir de maneira inteligente, Bolsonaro renovará a concessão da Globo. Porque, se não o fizer, o Congresso pode atropelá-lo. Ou então o próximo governo, se não for de Bolsonaro, vai manter a Globo no ar.