A diplomacia brasileira deveria informar que uma aliança com a Rússia, no caso da Ucrânia, prejudica os interesses comerciais e políticos do Brasil

Baron Camilo Agasim-Pereira of Fulwood & Dirleton

Especial para o Jornal Opção

As relações entre a Rússia e o Ocidente encontram-se em sua pior fase, desde o fim da Guerra Fria. Deve-se reconhecer, a propósito, que a Guerra Fria deveria ter sido sepultada definitivamente desde a Queda do Muro de Berlim e a desintegração do Império russo (a União Soviética). No entanto, interesses da indústria militar ocidental passaram a estimular os países ocidentais a continuarem a manter o clima de hostilidade com relação à Rússia. Nessa linha, em vez de desativarem a Otan ou a utilizarem sua estrutura para fins exclusivamente defensivos, continuaram a promover sua expansão e, mais do que isso, a promover um “cerco” da Rússia.

Nesse processo, os países ocidentais cometeram o equívoco de estimularem declarações favoráveis ao ingresso da Ucrânia (e da Geórgia) na OTAN. Obviamente, isso era inaceitável da parte dos russos, inclusive pelo fato de que a esquadra russa do Mar Negro estar sediada em Sebastopol, na Criméia. O resultado dessa infeliz manifestação foi o desmembramento da Criméia e a invasão das regiões de Donetsk e de Lugansk por “voluntários” russos.

O conservadorismo russo

Atitudes de desafio aos países membros da Otan e de ameaças à Ucrânia são facilitadas pela natureza do regime russo. Embora haja, na Rússia, uma separação e uma limitação dos três poderes, na prática o Executivo russo predomina ao ponto de controlar o Judiciário e o Legislativo. No entanto, apesar dessa democracia relativa existente no país, alguns ideólogos ocidentais encontraram virtudes no regime russo. Dentre esses, ressaltaria um certo “conservadorismo” em matéria de costumes que, no entanto, não é exatamente virtuoso mas comum a todos os regimes ditatoriais ou autoritários — inclusive durante a era de Stálin.

Evangélicos são perseguidos pelo governo russo | Foto: Reprodução

O “conservadorismo” russo tem, contudo, certas peculiaridades que não são bem conhecidas no Brasil e que não o recomendam. O “conservadorismo” russo em matéria de costumes é totalmente desvinculado do liberalismo político, inclusive na área dos direitos humanos e da liberdade de religião. E isso se verifica, em particular, na aplicação da liberdade de religião no que se refere às minorias religiosas.

Embora o governo russo adote certas posturas caras aos ocidentais cristãos em matéria de ideologia de gênero e de valorização da vida, o governo federal russo privilegia a Igreja Ortodoxa russa em detrimento de denominações evangélicas e uma lei federal inibe seriamente o proselitismo religioso, tão caro aos evangélicos, o que se reflete de forma inibitória junto a autoridades em diversos níveis (regionais, municipais etc.) não apenas no relacionamento não apenas com os muçulmanos, o que de certa maneira seria justificável pelo terrorismo, mas também no trato com os evangélicos.

Essa má vontade, deve-se reconhecer, é moderada no território russo, se comparada com o trato violento e cruel do governo chinês com relação às confissões religiosas em geral. No entanto, nas regiões ocupadas pelos “voluntários” russos no Donbass (Ucrânia), a perseguição a pastores e igrejas evangélicas assume dimensões realmente sérias. O sofrimento dos pastores evangélicos nessas regiões ocupadas tem, contudo, sido pouco noticiado no Ocidente, embora algumas entidades que se dedicam à proteção dos direitos religiosos tenham recebido muitas queixas e passado a monitorar a situação na região ucraniana ocupada pelos russos.

Mensagem recebida do presidente da uma União de Igrejas Ucrânia relata o seguinte: “Em relação à situação religiosa nas chamadas repúblicas de Ordlo, é difícil para as igrejas protestantes de lá. As casas de oração foram retiradas de muitas igrejas; vigoram várias medidas que restringem os direitos e liberdades dos crentes, etc.”

O interesse brasileiro nas relações Brasil-Rússia
Crise na Ucrânia: Rússia ameaça com invasão | Foto: Reprodução

No plano internacional, a Rússia está prestes a se tornar um pária no Ocidente em geral, em razão da resistência — ainda que justa — com relação à postura agressiva da Otan, pois a ameaça velada de invadir a Ucrânia tem sido criticada seriamente no Ocidente.

Além de não interessar politicamente o Brasil no plano internacional, não se consegue discernir o que o Brasil teria a ganhar com uma aproximação política com a Rússia. Para sua imagem internacional essa aproximação seria extremamente negativa, devendo essa ação repercutir desfavoravelmente ao governo brasileiro junto aos governos e à imprensa ocidentais, além de minar seriamente as relações com outro país amigo, a Ucrânia e causar sério desconforto a outros países que integraram o Pacto de Varsóvia.

Caso o Itamaraty não tenha feito uma análise elementar da situação naquela região ou não tenha essa percepção dos riscos envolvidos nessa viagem (o que é óbvio para qualquer observador da crise), o presidente Bolsonaro deveria orientar sua diplomacia a consultar países como Hungria, Polônia, República Tcheca e Romênia sobre o que significará para eles essa viagem, pois uma atitude amadorista desse Ministério poderá custar muito caro ao governo.

No plano das relações bilaterais, considerando o volume da balança comercial Brasil-Rússia, nota-se que o Brasil pouco teria a ganhar com essa aproximação pois a Rússia é atualmente o 33º destino das exportações brasileiras. Além disso, não se entrevê nenhuma possibilidade de aumento significativo das exportações, o que, em parte, justificaria uma aproximação, caso a crise na Ucrânia não existisse.

Além de prejudicar seriamente nossas relações com a Ucrânia, o Brasil tem diversos parceiros políticos, como os acima mencionados, além dos países bálticos, que encarariam de forma bastante negativa uma aproximação do Brasil com a Rússia neste momento.

Ademais, o Brasil está em plena negociação de um tratado comercial com a UE, depois de décadas de negociações. A UE está totalmente contra a posição da Rússia.

O Brasil poderia sair no lucro como um mediador de solução para o impasse, apesar de não ter peso político para obter qualquer resultado positivo.

Não se deve esquecer que, recentemente, a Rússia demonstrou envolvimento com o PT e com a esquerda brasileira.

Evangélicos no Brasil e a comunidade evangélica na Rússia

Em termos políticos, por outro lado, poderá haver uma repercussão negativa dessa viagem junto à comunidade evangélica brasileira em razão do trato dado pelo governo russo aos seus evangélicos, em particular na região da Ucrânia ocupada por seus “voluntários”. A oposição, decidida, há muito, a dividir os evangélicos que se alinharam com o presidente Bolsonaro nas últimas eleições, não perderá essa oportunidade para divulgar que o governo, motivado por razões inexplicáveis, decidiu emprestar sério apoio político ao governo russo em um momento em que este ameaça invadir um país com o qual o Brasil mantém relações diplomáticas absolutamente normais e satisfatórias.

Segundo alguns críticos mais rigorosos, o governo apostaria na ignorância dos evangélicos brasileiros com relação às provações enfrentadas pelos seus “irmãos” russos, inclusive os pentecostais e neo-pentecostais. Estranha-se que o Itamaraty desconheça essa realidade ou, na pior das hipóteses, a esteja omitindo ao informar o presidente a respeito.

A esse respeito, duvida-se que o Itamaraty ignore a situação religiosa na Rússia e, em particular, na região ocupada da Ucrânia. E o governo não poderá invocar desconhecimento da situação para justificar a tomada de decisão de visitar a Rússia neste momento inapropriado.

Ainda que tenha sido mal-informado pelo Itamaraty sobre a repercussão internacional dessa decisão e que tenha ignorado a repercussão interna negativa, o governo pagará um preço nas próximas eleições. A imagem que o governo tem construído de competência e honestidade no trato da máquina administrativa sofrerá prejuízo inevitável em matéria de política externa e política eleitoral. E é quase incrível que isso suceda apesar (ou graças a?) do aconselhamento de um ministério que sempre foi respeitado pelos brasileiros e cuja especialização é exatamente em matéria de relações exteriores, inclusive na área da informação.

Quanto à política interna e a situação eleitoral, vale insistir que, em breve, ainda em 2022, estejam todos seguros, o crescimento da conscientização dos evangélicos brasileiros com relação à situação dos evangélicos russos — em especial na Ucrânia ocupada, levará o governo a se arrepende dessa decisão precipitada, ao arrepio de seus interesses.

Baron Camilo Agasim-Pereira of Fulwood & Dirleton é industrial, tradutor literário e escritor.