O presidente Jair Bolsonaro, do PL, o ex-presidente Lula da Silva, do PT, o ex-ministro Ciro Gomes, do PDT, e a senadora Simone Tebet, do MDB, ganharam ou perderam com suas entrevistas à TV Globo, na semana passada?

A TV Globo, com os entrevistadores Renata Vasconcellos e William Bonner, perdeu alguma coisa ao levar ao seu estúdio os quatro candidatos a presidente da República mais bem avaliados nas pesquisas de intenção de voto?

Jornais, blogs e redes sociais publicaram dezenas, ou centenas, de artigos a respeito das entrevistas. Uns sugerem que Bolsonaro “jantou” a Globo. Outros postulam que Lula da Silva “jantou” o “Jornal Nacional”. Ciro Gomes e Simone Tebet, porque são mal avaliados pelos eleitores — se é que estão sendo avaliados —, não geraram tantos debates.

O presidente Jair Bolsonaro é entrevistado por Renata Vasconcellos e William Bonner | Foto: Reprodução

Por vários anos, prevaleceu no Brasil a ideia do jornalismo bala de prata. Nas redações, pelo país afora, ouvia-se sempre alguém dizer: “Vou demolir o governo ou Pedro de Alcântara de Bragança e Bourbon com um artigo”.

Os debates, sob a égide do jornalismo justiceiro, eram “vencidos” não pelos articulistas que argumentavam de modo racional e equilibrado, com ideias mais alinhavadas, e sim por aqueles que, “gritando” ou “xingando”, despertavam “instintos primitivos” nos leitores.

O jornalismo justiceiro, da tal bala de prata, ainda não desapareceu do mercado patropi. Mas sua “força” — destruidora — está diminuindo. Por causa dos processos judiciais. Aquele que “xinga”, sem apresentar ideias bem-costuradas, amparadas por provas cabais, pode ser acionado na Justiça e, por vezes, é obrigado a pagar indenização.

Se o jornalismo justiceiro, com sua bala de prata, perdeu energia, há ainda leitores e telespectadores que parecem esperar que, ao entrevistar um político, o jornalista o cerque de todas as maneiras, como se estivesse caçando-o.

Lula da Silva, do PT, é entrevistado por Renata Vasconcellos e por William Bonner | Foto: Reprodução

Então, o que se esperava de William Bonner e Renata Vasconcellos — dotada de uma civilidade que causa espanto (o que desagrada aqueles que, mesmo dizendo o contrário, querem, digamos, “sangue”) — é que cercassem Bolsonaro e Lula da Silva, arrasando-os.

Não há dúvida de que Bolsonaro foi o mais pressionado, mas nada em excesso, tanto que o presidente não se mostrou “irritado”, ao menos não de sua maneira tradicional (quando se torna agressivo e mal-educado). Porém, bem ou mal, apresentou suas razões, com seu tempo respeitado pelos entrevistados.

Bolsonaro, portanto, nada perdeu, assim como a Globo também nada perdeu. Ganharam os dois, que se mostraram civilizados, o que revela, no limite, espírito democrático.

Mesmo no meio jornalístico, há quem não aprecie entrevistas duras, à maneira das americanas (repórteres ianques não hesitam em confrontar autoridades, mesmo se for um presidente da República, e dizer que estão “mentindo”). A entrevista do candidato do PL foi, de alguma maneira, firme, mas não houve falta de respeito ou decoro. As pontuações dos repórteres — Renata Vasconcellos e William Bonner são repórteres, e não apenas apresentadores — corrigiram tergiversações do presidente. Mas este teve o tempo necessário para insistir com suas ideias e confrontar os entrevistadores.

A entrevista de Lula da Silva foi, de alguma maneira, mais “branda”. Mas não necessariamente porque William Bonner e Renata Vasconcellos pegaram leve com o ex-presidente. Na verdade, como mestre da política — uma espécie de Tancredo Neves do mundo operário —, o petista-chefe falou diretamente aos eleitores (ao público), e não apenas para os entrevistadores (fez, por assim dizer, política, campanha eleitoral). De certa maneira, “contornou”, com rara habilidade verbal, temas difíceis — por exemplo, corrupção nos governos do PT —, expondo seu posicionamento, respondendo tudo, ainda que não de maneira esclarecedora e direta.

Não se pode sugerir que Renata Vasconcellos e William Bonner não fizeram as pesquisas apropriadas. Porque fizeram. Entretanto, mesmo pressionado, Lula da Silva deu as respostas que avaliou como pertinentes do ponto de vista político-eleitoral. Aos entrevistadores restava o quê? Agredi-lo verbalmente? Claro que não. Os dois jornalistas se comportaram com correção.

Mas o que muitos querem, na direita, na esquerda e, às vezes, no centro, dos jornalistas? Que voltem ao passado e se comportem como justiceiros. Há também os que querem que seus candidatos sejam mais bem “tratados” do que os demais candidatos.

Então, o que se pode dizer é que a democracia ganhou, de goleada, com as entrevistas dos quatro candidatos a presidente.

Frise-se que William Bonner praticamente arrancou de Bolsonaro uma resposta crucial: se perder a eleição, o candidato do PL diz que aceitará a derrota e deixará o governo pacificamente.

Como de hábito, o presidente ressalvou, jogando para a plateia bolsonarista — que é menos “gado” do que afirmam seus críticos (chamá-la de “gado” é preconceito, uma maneira de subestimá-la, e também de não compreendê-la) —, que aceitará uma possível derrota se “as eleições forem limpas”. Ora, as oposições têm condições de promover uma eleição “suja”? Claro que não. Portanto, a disputa será limpa e que assuma o que ganhar — seja Bolsonaro, Ciro Gomes, Lula da Silva, Simone Tebet ou qualquer outro.