Bolsonarismo ataca sexualidade de Eduardo Leite e parece ter atração por aquilo que critica
21 março 2021 às 00h02
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O governador do Rio do Grande do Sul, atacado por um pistoleiro do intestino grosso de Bolsonaro, recorre ao Ministério Público para se defender
A sexualidade do outro incomoda mais quando nos interessa. Há, porém, o uso da sexualidade alheia para desqualificar. Mas não deixa de ser curioso que os caubóis de Marlboro que seguem o presidente Jair Bolsonaro, como se mosqueteiros fossem — e parece que se trata de um reino quase que exclusivamente masculino, tanto que Sara Winter está afastada, e talvez não apenas devido à prisão —, falem tanto de “cu”. Não o deles, mas o dos outros — o que sugere certo prazer-gozo na menção constante. Até o guru filosófico do grupo é dado a mandar “tomar” no c… Há um interesse mais do que simbólico — e não apenas como arma de ataque dos “mictórios do ódio” do bolsonarismo.
Por que homossexuais incomodam tanto machões ditos heterossexuais? Talvez haja uma certa atração inconsciente ou levemente consciente pela ideia, arraigada, de que homossexuais têm uma sexualidade teoricamente “depravada”, ou mais “intensa”. São mitologias possivelmente construídas por homens que, de alguma maneira, gostariam de ter um comportamento sexual mais “forte” e “ativo”… com mulheres e, até, com homens. (O ataque à homossexualidade pode ser um desejo latente pelo outro.)
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, do PSDB, é um homem bonito, charmoso e fino. Fala muito bem e faz um governo, apesar das dificuldades, de relativa qualidade. Trata-se de um fato novo da política brasileira, que, quando expõe uma ideia, influencia, contribui para formar a opinião de milhares — e em todo o Brasil. Ao se apresentar como possível candidato a presidente da República, confrontando o governador de São Paulo, João Doria — que é mais paulista do que brasileiro (São Paulo é um “país” à parte, muito mais do que um Estado, e o restante da nação se ressente disso) —, galvanizou o interesse da mídia, que o percebe como uma alternativa real, e do eleitorado patropi — tão carente de líderes capazes e não populistas. Tanto que, numa das pesquisas, já aparece colado em João Doria.
Eduardo Leite pode se tornar o candidato de centro que o país talvez queira para superar a polarização bolsonarismo versus petismo.
Os bolsonaristas dos “mictórios do ódio” estão incomodados com Eduardo Leite, desde que seu nome apareceu como possível candidato a presidente. Não tem a ver apenas com a questão do isolamento social, proposto pelo governador do Rio Grande do Sul, ou com as críticas à inação do governo Bolsonaro no combate à Covid-19. Na verdade, o bolsonarismo está com receio do crescimento de um candidato de centro, que possa conquistar o apoio de parte da direita e o retire do segundo turno.
O cenário imaginado pelo bolsonarismo é uma disputa com o candidato do PT — seja Lula da Silva ou Fernando Haddad. Os “mictórios do ódio” avaliam que a disputa contra a esquerda será dura, sobretudo se o postulante for Lula da Silva, mas parecem avaliar que o tema da corrupção pode “atropelar” o petista. E pode mesmo.
Mas, se Bolsonaro chegar “sangrando” em 2022, com 500 mil mortos no currículo, dada a má condução do combate à pandemia do novo coronavírus, haverá também a possibilidade de um segundo turno entre um candidato de centro, como Eduardo Leite, de apenas 36 anos, e um postulante da esquerda — com a exclusão do atual presidente.
Portanto, ante o receio da ascensão de Eduardo Leite — um Joe Biden remoçado e atentíssimo —, o bolsonarismo decidiu atacá-lo. Bolsonaro liberou sua galera — chegou a sugerir que o governador teria enfiado verbas federais para o combate à Covid-19 no ânus —, que passou ao ataque.
Agora, atuando como pistoleiro do intestino grosso dos “mictórios do ódio” do bolsonarismo, o ex-deputado Roberto Jefferson — ex-presidiário, sob acusação de ter roubado o Erário — também decidiu “atacar” Eduardo Leite, sugerindo que o governador é “viado”.
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Tudo bem, que seja. Mas o que tem a ver a sexualidade de Eduardo Leite com o processo político e o combate à pandemia do novo coronavírus? O que interessa é saber se se trata de um governador eficiente e decente. Apesar de ter recebido um Estado em frangalhos — e não por culpa exclusiva do governador anterior; os problemas são antigos —, não há notícia de que o gestor do Rio Grande do Sul seja ruim e desonesto. Ou seja, como político e administrador público, está aprovado, até o momento. Sua sexualidade pertence, portanto, à área privada, não à arena pública. Deixemos sua vida pessoal em paz.
Ante o ataque, produto da barbárie inaugurada pelo bolsonarismo, Eduardo Leite disse, numa rede social: “Vim ao Ministério Público para oferecer uma representação contra Roberto Jefferson, por injúria, por homofobia, por agressão que não é exclusivamente a mim, pessoalmente, mas a toda a sociedade, ao povo gaúcho e ao povo brasileiro. Manifestações que geram confronto, que geram discórdia, que são indignas e que não podem ser toleradas. (…) Por isso, essa representação, para que o MP-RS faça a devida ação criminal contra Roberto Jefferson pelos crimes que cometeu, ofendendo ao ser humano, na última análise, muito mais do que ao Eduardo, ao governador, ao ser humano, à dignidade humana”.
Ao contrário daqueles que o atacam — frise-se: são ataques, não são críticas —, Eduardo Leite seguiu o percurso da civilidade: procurou o Ministério Público — o que certamente levará a um processo judicial. É a via democrática, a legalista. Isto é modernidade verdadeira — e retórica.