A TV Globo é mais atacada pela qualidade de seu jornalismo, abrangente e crítico, do que por seus possíveis defeitos

Ao “criar” o Homem, o ser humano mais imperfeito da natureza — tanto que destrói outros seres, ocupando seu espaço, com a justificativa de que é mais “evoluído” (tem sapiência) —, Deus “provou” que, por consequência, é igualmente imperfeito. O leitor ímpio ressalvará: “Deus não existe”. Pode até não existir como ser “físico”, mas, ao se tornar um fato da cultura ocidental (e não só), acaba por existir. Por isso, o escritor russo Fiódor Dostoiévski disse, no romance “Os Irmãos Karamázov”, que, se Deus não existe, tudo é permitido. De alguma maneira, Deus é uma das maiores invenções humanas. O Homem, pois, criou aquele que o criou.

A TV Globo é como Deus e o Homem — imperfeita. Mas é o que se tem de melhor em termos de comunicação no Brasil — jornalistas de qualidade, jornalismo preciso, ricamente informativo e abrangente e, finalmente, crítico. A GloboNews, além de revelar talentos, consolidou outros.

William Bonner e Renata Vasconcellos: apresentadores do Jornal Nacional | Foto: Reprodução

Se é símbolo do que o Brasil produz de melhor, como jornalismo e empresa, por que a Globo — mais a TV do que o jornal “O Globo” — é tão atacada nas redes sociais, antes pela esquerda e agora pela direita? Possivelmente, porque, depois de ter sido, por anos, o sorriso do poder e a cárie da sociedade, a Globo mudou e está se tornando o sorriso da sociedade e a cárie do poder. Não há jornalismo independente ou imparcial. O que se deve pedir do jornalismo é que seja bem-feito, com o máximo de objetividade possível. Independência fica para os deuses, se possível.

Para além da questão política, dado o fato de bombardear a gestão do presidente Jair Bolsonaro — que governa uma democracia com tesão pela ditadura —, há um ressentimento mais profundo contra a Globo. De onde advém? Não se sabe.

Mas talvez decorra de certo ressentimento contra as coisas bem-feitas, altamente profissionais, portanto avessas ao tabajarismo. A Globo é, por assim dizer, o Posto Ipiranga — não o Posto Tabajara — do Brasil.

Fica-se com a impressão de que alguns brasileiros, por conta própria, às vezes, ou compelidos por ataques articulados, outras vezes, sentem certo prazer com o jeito Tabajara de se fazer as coisas. Parece que há um ressentimento contra a qualidade e o profissionalismo, contra aquilo que está acima da média — caso da Globo, da “Folha de S. Paulo”, do “Estadão”, de “O Globo” e da “Veja” (oxalá a revista não se bolsonarize; talvez seja impressão, mas parece que aderiu ao coro dos que querem destruir e desmoralizar a Operação Lava Jato).

Jair Messias Bolsonaro e a TV Globo, mais do que adversários, se tornaram “inimigos”, dada a ira do presidente da República | Foto: Reprodução

A Globo tem sido vítima de uma certa fracassomania. Mas os ataques orgânicos contra a rede que apoiou a ditadura — em seguida fez uma autocrítica canhestra, como se o passado pudesse ser “apagado” e “quase-negado” por uma mera desculpa — nasceram e se fortaleceram não devido à ação dos mictórios do ódio que apoiam e alimentam Bolsonaro e seus apoiadores. A ideia de uma Globo “ruim” para o Brasil, para a sociedade, é uma criação, em larga medida, da esquerda.

Globo precisa redescobrir o Brasil

O Brasil é um país continental, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Entretanto, o leitor-telespectador estrangeiro tende a pensar, se se circunscrever à leitura de alguns jornais e à observância de alguns canais de televisão, que só há Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Até o Estado de Minas Gerais, um gigante, é esquecido. A Amazônia é lembrada, porque o mundo a percebe com nitidez, dado o primado do discurso do ambientalismo, mas quem fala de Manaus e Belém (ressaltados tão-somente por causa da Covid-473 mil?) A Globo não cobre bem o país, limitando-se, às vezes, a tratar os demais Estados como “folclore”. Ou então, quando ocorre um fato violento, que rende audiência nacional, Estados como Ceará, Piauí, Tocantins e Goiás, para citar apenas quatro, são mencionados. Mas o que tais Estados produzem, em termos de economia e cultura, contribuindo para a formatação do PIB do país, não se sabe.

O que se deve cobrar da Globo é que seja mais brasileira e menos paulista e carioca. Porque, quanto ao jornalismo, a qualidade é visível. O sistema das afiliadas não funciona? Depende da afiliada. Algumas delas permanecem como “sorrido do poder” e “cárie da sociedade”. Em alguns Estados, há afiliadas que não seguem o padrão de qualidade da Globo, lutando, em busca de audiência, para imitar programações popularescas de outras emissoras.