Barack Obama é quase um Donald Trump mas com uma retórica suave e eficiente

27 maio 2016 às 12h04

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O governo do democrata transformou a CIA, que era uma agência de espionagem, num esquadrão de assassinos. O Pentágono, que era o agente letal, se tornou um centro de espiões

Donald Trump é um mero canastrão da política, um reacionário que não sabe quem são Keynes e Hayek, um direitista não ideológico, um racista empedernido? É possível que seja tudo isto. Ou quase. Mas seu biógrafo Michael D’Antonio, autor do livro “Never Enough: Donald Trump and the Pursuit of Sucess” (“Nunca o Bastante: Donald Trump e a Busca Pelo Sucesso”), sem tradução para o português, diz que há mais coisas a dizer sobre o candidato do Partido Republicano, que tem possibilidade de derrotar a democrata Hillary Clinton.
Entrevistado por Anna Virgínia Balloussier (“Folha de S. Paulo”, terça-feira, 24), D’Antonio diz que o entendimento do que é Donald Trump começa pela percepção do que é a moderna “cultura narcísica”. É a chave para entender o personagem histriônico — cuja intenção de voto começa a superar a de Hillary Clinton — que está radicalizando, à direita, a política americana.
“Facebook, Twitter, Instagram e até milhões de selfies diárias são expressões do tipo de autopromoção que Trump praticou, em nome do lucro, por toda sua vida”, afirma D’Antonio. Antes da existência das redes sociais e aplicativos.
Quem é o homem Donald Trump, para além de seu marketing eletrizante? “É uma pessoa extremamente carente, que precisa da aprovação da mídia e do público para ser feliz. Ele quer sucesso, mas é a fama o que ele deseja.” Às vezes, pode ser até infantil. Quando D’Antonio entrevistou Harry Hurt 3º, autor de um livro no qual revela um de seus escândalos sexuais, o ricaço reagiu como menino emburrado: “Se você é amigo dele, não é meu”. O biógrafo, por certo, não era amigo de nenhum.
O biógrafo sugere que Donald Trump reluta em divulgar seu imposto de renda, antes das eleições, porque sua fortuna pode ser menor do que declara — 10 bilhões de dólares — e sua filantropia pode ser decepcionante. Nos Estados Unidos, os bilionários são, em geral, grandes filantropos.
Por qual motivo Donald Trump elegeu imigrantes e muçulmanos como “alvos”? Trata-se de mero marketing político, com o objetivo de atrair um eleitorado que perde empregos e teme o “terrorismo” muçulmano? D’Antonio assinala sobre sua violência verbal recente: “Ele nem sempre falou tão mal deles. Mas sempre viu outros países como inimigos dos Estados Unidos. No passado criticou nações petroleiras, dizendo que nos enganavam. Agora, tacha muçulmanos e imigrantes de ‘os outros’, usando-os para parecer durão”.
A imagem que se tem de Donald Trump é a de um homem extremamente bem-sucedido. Mas D’Antonio garante que se trata do maior mito sobre o republicano. “Trump teve muitos fracassos nos negócios. Poderia ter sido tão rico como é hoje apenas investindo a herança do pai em ações e jogando golfe.”
Particularmente, avalio Hillary Clinton como uma candidata apenas mediana, pior do que Barack Obama, um realista e guerreiro em tempo integral, mas dono de uma retórica pacifista. Mas, se eu fosse americano, alinharia-me aos democratas.
Sobre Barack Obama como “pacifista”, o que não é — ninguém é dirigindo um império como o americano —, vale a pena ler o livro “Guerra Secreta — A CIA, um Exército Invisível e o Combate nas Sombras” (Record, 391 páginas, tradução de Flávio Gordon), de Mark Mazzetti, dono de um Pulitzer.
Sob Barack Obama, o Pentágono criou (ou desenvolveu) uma seção de espionagem e a CIA um esquadrão de assassinos. O resultado é que os dois espionam e matam. Ainda não se tem informações precisas, mas é provável que o governo do democrata seja um dos mais letais da história dos Estados Unidos. O governo americano mata por meio de drones e de várias outras formas. Por vezes, por erro de informação dos serviços secretos, os militares e agentes da CIA matam inocentes, sobretudo mulheres e crianças. São milhares. Ah, foi um “erro”. É assim que o presidente e seus apoiadores — o establishment americano considera Barack Obama um líder duro e eficiente em política externa, especialmente em termos de guerra — dizem quando matam inocentes. Afinal, há uma justificativa “plausível”: estavam caçando terroristas.
O livro de Mark Mazzetti acaba com a imagem angelical de Barack Obama. O “santo” que aparece na imprensa não é o que joga pesado nos “bastidores”. O verdadeiro Barack Obama é parecido com Donald Trump, mas formulou uma retórica suave — produto de um marketing afiado e eficiente.