Com a fama, B. B. King talvez tenha transformado sua arte numa espécie de “standard” — música pronta, a música já esperada pelo público —, mas isto não diminui seu enorme talento e a beleza de sua música

A arte está de luto. Mas felizmente B. B. King deixa sua arte | Foto: Reprodução/Facebook
A arte está de luto. Mas felizmente B. B. King deixa sua arte | Foto: Reprodução/Facebook

A eternidade de um artista, sobretudo dos grandes, começa com sua morte. O tempo dirá se era grande, se deve ser eterno. E cada época reinventa o artista, a partir de novos padrões, os do momento, o que não significa um rompimento com a forma original, e sim, às vezes, uma expansão artística (ressalte-se que não há progressão linear na música). Morto na quinta-feira, 14, aos 89 anos (faria 90 em setembro), em Las Vegas, nos Estados Unidos, o músico B. B. King (diabético) era uma espécie de Louis Armstrong do blues, estilo de música no qual era, de fato, rei. Riley Ben King, ou B. B. King (Blues Boy, Garoto do Blues), era autodidata, mas não parecia.

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Assim como Louis Armstrong, B. B. King, que se tornou uma lenda ainda vivo, era músico, guitarrista dos melhores (chamava suas guitarras de Lucille), e cantor. Alguns de seus principais sucessos são “Three O’Clock Blues”, “The Thrill Is Gone” e “When Love Comes to Town”. Músicos de qualidade, como Eric Clapton, Otis Rush, Buddy Guy, Jimi Hendrix, John Mayall e Keith Richards, foram influenciados por sua arte.

Em 2010, ao cantar no Brasil, B. B. King disse: “Blues é como música clássica, como Beethoven. Se está diferente? Sim, porque o mundo está diferente. Quando eu era jovem dançava-se boogie woogie. Hoje as pessoas dançam homens de um lado, mulheres do outro, se sacudindo. Não chamo isso de dança. Gosto de abraçar minha garota”. Apesar da suposta “pilhéria” (não é) da dança, o que B. B. King está dizendo, provavelmente, é que a música, seja a erudita, seja o jazz, seja o blues, muda com o tempo, e a partir de novas interpretações. Bach, Mozart e Beethoven continuam vivos nas interpretações dos intérpretes contemporâneos. Como gênios absolutos, entenderiam as mudanças introduzidas, apesar do rigor das partituras, mas certamente não se reconheceriam integralmente. No caso de músicos de jazz e blues, as mudanças se dão, muitas vezes, de show para show. Mas a improvisação do jazz, que também existe no blues, decorre, muitas vezes, de um planejamento rigoroso. Pode-se dizer que se trata de uma improvisação planejada, o que parece contraditório, mas não é. Aos olhos dos ouvintes atentos, é improvisação; aos olhos dos músicos, nem tanto.

O jornal “O Globo” define bem o que é a música do artista americano: “King juntou o country blues com outros ritmos e criou um som instantaneamente reconhecido por milhões: uma guitarra pungente com vibratos cintilantes e a voz marcante que expressava luxúria, saudade e amor perdido”. O próprio B. B. King, um mito — como Noel Rosa, Carmen Miranda, Ataulfo Alves, João Gilberto, Elis Regina, Caetano Veloso e Chico Buarque para os brasileiros —, dizia: “Eu quero conectar minha guitarra às emoções humanas”.

É possível que, com a fama, B. B. King tenha transformado sua arte numa espécie de “standard” — música pronta, a música já esperada pelo público —, mas isto não diminui seu enorme talento e a beleza de sua música. “Eles [brasileiros] me trataram como um santo. Eu adorei”, disse o músico. Os artistas, os mais populares e icônicos, são assim mesmo: santos ou xamãs.

O artista “nasceu” porque, como sua casa não tinha energia elétrica, comprou um violão para animar a família, sobretudo sua avó, que o criou.

A história da música, da música em geral, certamente consagrará B. B. King como um dos grandes. Ainda que não seja maior, quem sabe, do que Louis Armstrong, Duke Ellington, Charlie Parker, Billie Holiday, Ella Fitzgerald, John Coltrone e Miles Davis.

A arte está de luto. Mas felizmente B. B. King deixa sua arte — que é o melhor de um artista, de um homem.