Donna Tartt, de 51 anos, é autora de “A História Secreta”, “O Amigo de Infância” e “O Pintassilgo”
Donna Tartt, de 51 anos, é autora de “A História Secreta”, “O Amigo de Infância” e “O Pintassilgo”

Autores “novos” ou pouco comentados por críticos especializados sofrem com resenhas peremptórias de jornais. Na falta de fortuna crítica categorizada, jornalistas e alguns críticos não têm informações suficientes — e parâmetros — para avaliar novos romances, contos e poesias, deixando escapar a qualidade específica e as influências literárias. O resultado às vezes são críticas rápidas, sem referências precisas à obra “examinada”, destacando-se mais aspectos perfunctórios e externos.

Abordar um autor a “seco”, sem o amparo de leituras anteriores, com críticas sedimentadas, referenciais, é o trabalho do verdadeiro crítico literário. O crítico americano Edmund Wilson publicou um livro, entre o fim da década de 20 e o início da década de 30, no qual examinou, cuidadosa e criteriosamente, a obra de, entre outros, Marcel Proust e James Joyce.

Praticamente não havia crítica consistente na qual basear-se e, por isso, ele fez uma leitura própria, específica, que muito contribuiu com a crítica posterior, ao abrir fronteiras. Publicado há mais de 80 anos, “O Castelo de Axel” (há uma bela tradução, feita pelo poeta José Paulo Paes e publicada pela Cultrix-Companhia das Letras) é a obra-prima de Wilson.

O crítico de jornal quase sempre não tem o tempo adequado para ler cuidadosamente uma obra mais alentada e, depois, não tem espaço para expor seus argumentos. Antônio Gonçalves Filho, um dos críticos mais qualificados do “Estadão”, resenhou o romance “O Pintassilgo” (Companhia das Letras, 719 páginas, tradução de Sara Grünhagen), de Donna Tartt, e nada acrescentou de relevante. De cara, implicou com o fato de Stephen King ter elogiado o romance, mas não mencionou duas críticas mais consistentes — de Michiko Kakutani, do “New York Times”, e do “The Guardian”. A Companhia das Letras recolheu um trecho do comentário de Kakutani e o publicou na contracapa: “Bri­lhante… Um romance glorioso, no qual todos os talentos narrativos de Tartt convergem numa arrebatadora sinfonia; um livro que nos traz de volta o prazer de passar a noite inteira lendo”. A editora publicou também um trecho da crítica do “Guardian”: “Raymond Chandler é uma presença tão grande nestas páginas quanto Dickens ou Dostoiévski. Falar mais sobre a trama seria privar os leitores do imenso prazer de ser arrebatado por ‘O Pintassilgo’. Se alguém perdeu o amor pelas histórias, este é o livro que certamente o trará de volta”. Os trechos são usados pela editora como publicidade positiva para o livro, mas fazem parte de resenhas mais densas e comparativas que permitem ao leitor uma compreensão mais perceptiva do romance.

O “Estadão” fica devendo uma crítica mais aguda ao belo romance de Donna Tartt — uma autora surpreendente que remete ao século 19, o de Dickens, Thoreau e Dostoi­évski, mas também aos séculos 20 e 21 e, às vezes, à literatura de Thomas Pynchon (que ela não cita como influência literária). Não se está propondo uma crítica a favor, e sim uma crítica mais substanciosa à obra da escritora americana e a quaisquer outros romances. Uma crítica, além de apontar defeitos e virtudes, deve “entrar” na obra, escarafunchá-la a fundo. Críticas superficiais, do contra para ser do contra, servem unicamente para espantar leitores desavisados.