Augusto Nunes e Guilherme Fiúza: direita que mostra a cara cria programa no Youtube pra replicar “Velha” Pan?

13 novembro 2022 às 00h00

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Instâncias críticas, ainda que excessivas e ideologizadas, às vezes têm sua importância. Talvez seja o caso dos petardos da direita jornalística que, filha de Carlos Lacerda (o príncipe do jornal “Tribuna da Imprensa”), decidiu exibir seu rosto, nos últimos quatro anos. Um ambiente menos laudatório em relação ao presidente eleito Lula da Silva será, quem sabe, útil ao próprio governo. Porém, uma crítica excessiva, puramente ideológica e partidarizada, afasta leitores inteligentes.
A direita que se expõe é muito mais saudável do que a direita que se esconde, às vezes sobre o manto fantasmal da “imparcialidade” e da “isenção”.
Tutinha, dono da Jovem Pan, expurgou alguns dos jornalistas de direita, como Augusto Nunes, Caio Coppola, Carla Cecatto, Guilherme Fiúza, possivelmente para abrir negociação com o governo do petista-chefe. Trata-se de realpolitik aplicada ao jornalismo.
Conta-se que David Nasser mostrou uma reportagem para Assis Chateaubriand, que a achou notável, mas sugeriu que o repórter abrisse seu próprio jornal para publicá-la. É o que aconteceu com Augusto Nunes e Guilherme Fiúza, que decidiram criar um programa, “Foco no Fato”, que será hospedado no YouTube no canal da “Revista Oeste” (dirigida por Branca Nunes, filha de Augusto Nunes).
Os jornalistas querem atrair leitores conservadores, que estariam sub-representados ou até não-representados nas publicações patropis. “Foco no Fato” terá, como comentaristas, Augusto Nunes, Ana Paula Henkel e Guilherme Fiúza. A apresentação será de Paula Leal, uma das editoras da “Revista Oeste”.

No momento, a imprensa em geral vive uma espécie de lua de mel com Lula da Silva. O ambiente de 2022 lembra, aqui e ali, o de 1985, quando Tancredo Neves e José Sarney foram eleitos presidente e vice-presidente da República. Há 37 anos, havia uma transição do governo dos generais — da ditadura civil-militar (1964-1985) — para a gestão civil. O presidente-general João Figueiredo, apesar dos arroubos autoritários e das sugestões para continuar o regime discricionário, garantiu a transição, o que permitiu o governo de José Sarney, já que Tancredo Neves morreu.
Foram cinco os presidentes militares: Castello Branco (o mais liberal), Arthur da Costa e Silva, Emilio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel (o general que decidiu “matar” a ditadura) e João Figueiredo. Bolsonaro parece se credenciar como uma espécie de “fecho” da ditadura; mesmo sendo capitão, se comporta como o último dos generais. Ou seja, o sexto “general” da ditadura. Parecido com Médici, que admira, falta-lhe o estofo político e intelectual de Castello Branco e Ernesto Geisel, os dois generais da Sorbonne do Exército. Talvez por isso não tenha percebido que, ao criar uma legião de bolsonaristas radicais, também ajudou a criar uma legião anti-bolsonarista (que usou Lula da Silva para derrotá-lo).
Voltando à imprensa. Em algum momento, jornais como “Folha de S. Paulo”, “O Globo”, “Estadão” (mais crítico do que os concorrentes, no momento), concluída a transição, retomarão o tom crítico em relação ao governo de Lula da Silva. Porque, se há governos bons, não há nenhum que seja perfeito. Então, tais jornais, entre outros, se posicionarão como “críticos”, ainda que serenos e ponderados (frise-se que governantes em geral não apreciam crítica, nem moderada — só aplausos).

Se “Folha”, “O Globo”, “Estadão”, a revista “Veja”, e os demais, se distanciarem do governo de Lula da Silva, a partir de determinado momento — quando Bolsonaro estiver relativamente “esquecido” (petistas poderão sempre dizer aos jornalistas: preferem nós ou o bolsonarismo? Entre o humanismo do petismo, e o não-humanismo do bolsonarismo, não resta a menor dúvida de que o primeiro é o adequado, pois civilizatório) —, então a crítica de direita perderá força. Porém, se os jornais permanecerem inebriados pelo novo poder, o jornalismo de direita ganhará espaço. Dirigida pelo lendário Mino Carta, a revista “CartaCapital” se constituirá, quem sabe, no bastião da esquerda. Noutras palavras, a Jovem Pan do petismo.
Qual é o problema — se é, de fato, um problema — do jornalismo de direita? Talvez seja manter o foco não no fato, e sim na opinião, às vezes não estribada em fatos (e nem estou falando especificamente dos egressos da Jovem Pan). O jornalismo de direita só funcionará de maneira adequada e ampla, atraindo um leitorado que não é apenas de direita (o leitor de direita se torna, às vezes, fanatizado pelo sentimento de militância ou horda), se extrair o “sumo” dos fatos. A opinião de um jornalista é mais acatada — e repercute mais, no sentido de respeitabilidade — o quanto mais objetiva for. O que falta ao jornalismo de direita — assim como falta ao jornalismo de esquerda, o ortodoxo — são nuances. O melhor jornalista de direita do Brasil é José Roberto Guzzo (diria que é mais liberal do que conservador), porque seus artigos (leio no “Estadão”), embora contundentes na crítica ao petismo e na defesa do governo do presidente Jair Bolsonaro, contém uma opinião, digamos, variegada. As tais nuances. Suas críticas aos excessos do Judiciário, notadamente ao Supremo Tribunal Federal, às vezes são substanciais e, por isso, “abrem” o debate. A crítica tradicional da direita “fecha”, de cara, a discussão.

Um jornalismo mais analítico por certo acabará por ser mais contundente do que a mera opinião radicalizada. Quem prega tão-somente para convertidos arromba as portas abertas dos demais leitores. Por vezes, o leitor, mesmo o que não é de esquerda, dirá sobre um texto da “Revista Oeste”: “Ah, não. É melhor deixar de lado, pois é mais do mesmo”. O jornalismo de militância afasta leitores mais “livres” e, por vezes, atrai quase sempre leitores convertidos, ou seja, que não precisam ser convencidos de nada. São leitores que replicam informações que não processam direito. “Grudam” nas frases de efeito, fortes no jornalismo de slogans, e não refletem a respeito do que supostamente leram.
Augusto Nunes é um jornalista altamente preparado, com passagem pela “Veja”, “Estadão”, “Zero Hora” e “Época”, sempre como redator e editor. Me parece extremamente radicalizado. Se adotar um jornalismo um pouco mais moderado, com uma crítica pertinente e não meramente ideológica, pode atrair leitores mais “livres”, que buscam uma imprensa de qualidade e não governista. Entretanto, se se comportar como viúva de Bolsonaro, pode acabar indo para a “cova” junto. É uma opção, e certamente não é a melhor. Oxalá não reedite a “Velha” Pan.