Ativismo político do Supremo pode ser tentativa de arranjar candidato pra derrotar Bolsonaro

14 março 2021 às 00h00

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Parece que há uma crença, em parte da intelligentsia do Supremo, de que só Lula da Silva pode vencer o presidente

Não há santos em nenhum lugar do mundo — talvez só no Céu. O Supremo Tribunal Federal não é o Céu, mas também não é o Inferno nem o Purgatório. É o lugar de homens e mulheres que, mesmo respeitando as leis, às vezes interpretando-as em toda a sua elasticidade possível, são realistas e cidadãos de um país chamado Brasil — os tristes trópicos de que fala o antropólogo e etnógrafo belga Claude Lévi-Strauss.
O que se dirá a seguir é mais uma hipótese — “de trabalho”, diria um scholar — do que uma tese assentada. É provável que, ao “censurar” o ex-magistrado Sergio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol, artífices da Operação Lava Jato — que investigou, denunciou e condenou os responsáveis por um dos maiores esquemas de corrupção da história do país, que envolveu amplos setores das elites políticas e econômicas —, ministros do Supremo, como Gilmar Mendes (um dos mais qualificados e um hábil manipulador das palavras e das leis, e não se diz isto no mau sentido), estejam “também” fazendo ativismo político.

Nenhuma operação de caça aos corruptos — gente muito poderosa e com advogados e operadores financeiros que são ases — apresentará resultados positivos se procuradores e magistrados atuarem como “santos das leis”. Mafiosos de alto coturno só podem ser flagrados, de maneira integral, se houver uma relativa ou uma profunda integração entre Ministério Público e Judiciário. Gilmar Mendes, que não é um puro da aldeia, e sim um realista absoluto, sabe que as coisas funcionam assim.
Entretanto, mesmo sabendo que não se deve condenar os que investigaram a corrupção, baseando-se em supostas ilegalidades — que, de tão ínfimas, não podem ser comparadas à operação mafiosa de grandes empresas associadas a políticos profissionais —, há, neste momento, uma hábil tentativa de produzir culpados que, a rigor, não são culpados de nada, exceto de trabalhar para pôr corruptos na cadeira e devolver o dinheiro roubado ao Erário.

Mas “condenar” Sergio Moro e Deltan Dallagnol, conectando-os a crimes que, a rigor, não existem, talvez deva ser considerado como uma nova espécie de ativismo político do Supremo Tribunal Federal. Há ministros, como Gilmar Mendes — o mais representativo, mas há outros, como o discreto Ricardo Lewandowski —, que, embora devam ser mencionados como ativistas políticos, transferem o “problema” para outros, como o ex-juiz e o procurador federal.
Há indícios — frise-se: indícios — de que, numa jogada de ativismo políticos, determinados magistrados querem produzir um adversário que tenha possibilidade de vencer o presidente Jair Bolsonaro. Na opinião de alguns, o candidato adequado é Lula da Silva, do PT. Para “salvá-lo”, parece ser a crença, querem jogar seus supostos “algozes”, Sergio Moro e Deltan Dallagnol, na cova dos leões. A revista “Veja” sugere que Gilmar Mendes é, ao lado de Kássio Nunes Marques, um dos ministros mais próximos de Bolsonaro. Pode até ser.
O fato é que está se tornando consenso de que é preciso retirar Bolsonaro do poder — pelo voto — em 2022. O presidente, além de inoperante no combate à pandemia do novo coronavírus — já morreram mais de 275 mil pessoas e vão morrer muito mais —, não está contribuindo para a recuperação econômica do país. Portanto, ante um presidente abúlico, magistrados supremos, ativistas políticos, estão contribuindo para produzir uma alternativa — Lula da Silva. Para tanto, querem levar à fogueira aqueles que denunciaram a corrupção, os procuradores, como Deltan Dallagnol, e aquele que condenou os corruptos, Sergio Moro. A rigor, portanto, o ativismo político não é do procurador e do ex-juiz federal, e sim de seus acusadores “supremos”…