Quem está cobrindo melhor não mais a guerra de Israel versus Hamas, e sim os ataques dos israelenses ao Hamas e, também, aos palestinos da Faixa de Gaza: a Globo, a CNN ou a GloboNews? Ou nenhuma?

Não é nada fácil cobrir guerras deste porte, do tipo arrasa-cidades, e não apenas quarteirões. Repórteres — ousados ou não — correm sérios riscos de morrer ao cobrir os fatos diretamente. Há dezenas de repórteres na região. A maioria se mantém à distância, por cautela ou recomendação das empresas nas quais trabalham (ou proibição de circular). Já morreram alguns jornalistas durante os bombardeios de Israel. Os israelenses não estão firmando pontaria e atirando em profissionais da imprensa, porém, como alguns deles (a maioria palestinos) estão na Faixa de Gaza — que tem sido bombardeada frequentemente (e é uma fantasia avaliar que há bombardeiros inteiramente cirúrgicos) —, acabam sendo mortos. Jornalistas que não querem correr risco devem ficar nas redações ou nas ruas de Londres, Roma, Paris, Nova York e Berlim.

O Grupo Globo tem profissionais no Oriente Médio — repórteres de qualidade, mas aparentemente não muito experimentados (e com poucas fontes de primeiro escalão). Então, com frequência, recorre, notadamente a TV Globo, a repórteres que moram em Londres, Itália e Estados Unidos. O que eles informam de lá, com imagens provavelmente de outras redes de televisão, poderia ser dito por repórteres baseados no Brasil que estão acompanhando a guerra pelos jornais e canais televisuais do exterior. A rigor, o que reportam acrescenta muito pouco. Muitas vezes, falam o que já foi comentado durante todo o dia e as imagens em geral são antigas e, quase sempre, não correspondem à fala dos repórteres.

Ilse Scamparini, excelente repórter, entra ao “vivo”, das ruas Itália, falando sobre a guerra no Oriente Médio. Ela resume bem o noticiário do dia e tenta imprimir um tom, por assim dizer “nervoso” (de informação “ao vivo). Demétrio Magnoli não é, claro, repórter — é comentarista. Mas, se convocado para explicar o que está ocorrendo, fará muito melhor, dados seu conhecimento da história da região e sua capacidade de analisar os fatos, do que um correspondente que está apenas reportando, e não exatamente de onde estão acontecendo as batalhas. Carolina Cimenti, outra repórter de qualidade, sai às ruas dos Estados Unidos para falar das ruas de Gaza — o que, naturalmente, não é reportagem, e sim recortagem. O problema não é da jornalista, mas de quem manda a profissional se dirigir às ruas, às vezes sob um frio federal, para reportar fatos que estão acontecendo a milhares de quilômetros de onde está.

Mesmo às vezes beirando à histeria, Guga Chacra é um comentarista de primeira linha — quase do porte de Demétrio Magnoli. A partir dos nos Estados Unidos, faz comentários pertinentes e com conhecimento de causa a respeito do que está acontecendo no Oriente Médio. Algumas vezes, quando está entrevistando um especialista, suas perguntas — na verdade, respostas — são até melhores e menos vagas. Os especialistas percebem no jovem analista um par. Falta-lhe, quem sabe, concentrar mais as informações, conectando-as a um contexto mais amplo (o que Demétrio Magnoli faz bem). Ainda assim, Guga Chacra é muito bom. Aprecio também o fato de ser posicionado, de não ficar em cima do muro. Diz claramente que o Hamas é terrorista, e é mesmo. Mas não defende a matança de palestinos inocentes pelas forças armadas de Israel.

Quando está menos “nervoso”, inspirando-se na ponderação de Jorge Pontual — quase sempre, muito bom —, Guga Chacra faz alguns dos melhores comentários sobre o Oriente Médio. Porque conhece bem a civilização complexa e variegada da região. Ele sabe, por exemplo, que o xiita Irã não é um país árabe, não diz que o Hamas é xiita (é sunita) e fala, corretamente, que o Hezbollah é xiita (as duas organizações terroristas são financiadas pela riqueza do Irã. Leia-se petróleo). No lugar de histeria, a palavra apropriada para conectar ao comentarista é “empolgação”. E falta ao jovem a abrangência analítica (talvez ele tenha informação demais e, por isso, tenha dificuldade de costurá-las) e a solidez intelectual de Demétrio Magnoli, sem dúvida o autor dos comentários mais gabaritados da tevê patropi.

Marcelo Lins, da GloboNews, escapa à “pilha” de Guga Chacra e faz comentários apropriados. Sobretudo coordena bem o noticiário internacional. As entrevistas com especialistas — as feitas pela GloboNews e pela CNN — são, no geral, informativas e analíticas. Entretanto, alguns diplomatas são cansativos, rebarbativos e pouco esclarecedores. Percebe-se que até o calmo Lins fica doido para retirá-los do ar — chega a retorcer as mãos. Os analistas das universidades são de excelente nível e estão bem enfronhados a respeito do passado e do presente dos países do Oriente Médio.

Se a GloboNews se salva pelas análises — de Guga Chacra, Marcelo Lins, Demétrio Magnoli e especialistas universitários —, que colocam a questão da guerra de maneira abrangente e conectada (a história da região, por exemplo, precisa ser ressaltada), a TV Globo, com o “Jornal Hoje” e o “Jornal Nacional”, está “perdida”, quase desconectada. Primeiro, sua equipe de reportagem está sempre distante de Gaza — talvez para manter a segurança de seus profissionais (ou de sua repórter em Israel). Segundo, as melhores imagens não são suas, aparentemente. São de outros canais de tevê. Terceiro, quase não há matérias exclusivas de alta qualidade. A cobertura é burocrática. Colocar repórteres para falar sobre a guerra do Oriente Médio — que está convulsionando não apenas Israel e a Faixa de Gaza — a partir de Londres, Washington, Nova York e Roma talvez seja praticar o anti-jornalismo. E, também, é de um provincianismo ilimitado. O telespectador desavisado deve se perguntar: “Será que a guerra do Oriente Médio está acontecendo na Europa e nos Estados Unidos?”

Outro problema é que o “Jornal Nacional”, um modelo que está se esgotando, não faz a mínima questão de analisar o que está acontecendo no Oriente Médio e suas possíveis implicações para o Brasil.

Como a guerra — ou ataques — vai se estender por mais algum tempo, a Globo deveria enviar repórteres ao menos para Israel, Jordânia, Arábia Saudita, Turquia, Líbano, Iraque, Síria e, se possível, Irã. Os repórteres, baseados nestes países (incluindo o Egito, que fica na África, mas é ligado à região), poderiam apresentar um painel mais amplo tanto de Israel e mundo palestino quanto dos humores de toda a região.

Veículos com alguma estrutura não deveriam manter repórteres na Europa e nos Estados Unidos, obtendo informações de segunda mão — lendo ‘Le Monde”, “The Guardian”, “Washington Post” e “New York Times” (que podem ser lidos no Brasil) e assistindo o jornalismo das principais redes globais de televisão —, e sim deveriam enviar equipes (repórteres, cinegrafistas, repórteres-fotográficos) para cobrir os fatos diretamente.

Quanto aos jornais impressos, o leitor já viu alguma fotografia publicada em “O Globo”, no “Estadão” e na “Folha de S. Paulo” que não seja da Reuters e da AFP? Eu, até agora, não vi. Os jornais brasileiros, aqueles com maior estrutura, estão perdendo tempo: deveriam enviar seus melhores repórteres — os que não estiverem com medo (eu mesmo teria medo) — para cobrir os fatos a partir do Oriente Médio. Ricardo Kotscho (ou Leão Serva… Roberto Cabrini está lá, mas tenho a impressão de que tende a espetacularizar a guerra) faria reportagens sensacionais tanto em Israel quanto na Faixa de Gaza. Talvez pela idade, 75 anos, não queira aventurar-se numa região tão perigosa. Mas quem deixaria de ler suas reportagens? Ninguém, por certo.

Não estou sugerindo que repórteres se apresentem como heróis, e sim que não se distanciem tanto dos fatos, em especial se as empresas em que trabalham têm estrutura adequada para enviá-los, se não para Gaza — que, de fato, tem sido letal para jornalistas —, ao menos para países próximos do conflito. Os leitores e telespectadores brasileiros sentem que os grandes veículos brasileiros não estão apresentando a “quentura” dos fatos. Estão lhe dando um material de relativa categoria, mas produzido, no geral, por veículos de outros países. O que tem se salvado são as análises — algumas de alta qualidade. Já a cobertura fatual, tanto da Globo quanto da CNN Brasil, fica velha assim que é levada ao ar.