Assediado sexualmente por diretor da TV Record, jornalista Elian Matte tenta suicídio

30 junho 2024 às 00h00

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Numa polêmica com a “Folha de S. Paulo”, o filósofo José Arthur Giannotti escreveu que o jornal, então dirigido por Otavio Frias Filho (falecido em 2018, aos 61 anos), se especializara na “ética do deslize”.
Noutras palavras, os jornais, e não apenas a “Folha de S. Paulo”, preocupam-se, no geral, em evidenciar o “erro”, o deslize, e só muito raramente o “acerto”. Há também o problema da pressa na checagem, que leva repórteres a publicarem informações incompletas e superficiais — às vezes devastando a honra alheia.
Com receio de ficar com a imagem de que são o “sorriso do poder” e a “cárie da sociedade”, os jornais não aprovam publicar os acertos de governantes, empresários. Por isso, às vezes forçando os dados — apesar da suposta objetividade —, desancam todos de maneira indistinta.
As críticas do “Estadão” ao governo de Lula da Silva são pertinentes? São, na maioria dos casos. O petista-chefe parece meio desconectado da realidade, como se vivesse imerso num passado recente — só de glórias.
Porém, ao mesmo tempo, há uma obsessão ostensiva de “bater” no seu governo, de ressaltar o fracasso e nunca alguns acertos. Se um acerto é realçado é exclusivamente com a intenção, ao menos é que parece, de ressaltar que se erra mais. Há muito de jornalismo (sou assinante do jornal e o aprecio) e há tanto de opinião no que “O Estado de S. Paulo” tem publicado sobre a gestão red.
A impressão que se tem é que o “Estadão” adotou o modelo da “Folha” criado por Otavio Frias Filho. Tanto que a “Folha” está correndo atrás para ficar parecida com “O Estado de S. Paulo”. Já o “Valor Econômico” faz uma cobertura mais ponderada, c com opinião matizada.
TV Record e o grave caso de Elian Matte
Mas quero discutir mesmo é a história do jornalista Elian Matte e como, por vezes, as empresas de comunicação revolvem o lodaçal dos outros e não cuidam de seus próprios, digamos, quintais.
A TV Record faz um jornalismo de qualidade mesclado com um tom sensacionalista, ao menos em alguns de seus programas. Há um quê de justiceiro no seu narrar jornalístico. Parece que a rede do bispo Edir Macedo, o chefão da Igreja Universal, quer purificar o mundo e as pessoas.
Porém, se exige uma correção profunda das pessoas, a Record não parece cuidar de seu próprio território.
Há pouco tempo, o jornalista Elian Matte, produtor do programa “Câmera Repórter”, apresentado por Roberto Cabrini, foi assediado sexualmente por Márcio Santos, que era diretor de RH da rede. Ou seja, um homem poderoso na estrutura da empresa.
Márcio Santos, usando a estrutura da Record — e é praticamente impossível que dirigentes não soubessem disso —, teria gravado Elian Matte até dentro de um banheiro, com o objetivo de observar seu pênis.
O assédio foi tão intenso que Elian Matte, sem proteção da rede de televisão, adoeceu, desenvolvendo a Síndrome de Burnout.
Mesmo doente, precisando de amparo, Elian Matte foi demitido pela Record. A Justiça exigiu sua volta ao trabalho, mas, mesmo assim, a empresa resistiu em recontratá-lo.
Na quarta-feira, 26, deu-se a quase tragédia. Elian Matte, que era um jovem saudável, tentou se matar e teve de ser internado.
Amigos do jornalista divulgaram uma nota: “O jornalista Elian Matte foi internado após tentativa de suicídio depois de um agravamento do quadro de Síndrome de Burnout, que o acomete desde o início de 2023. O profissional não teve nenhum apoio da RecordTV desde o início do tratamento e foi demitido estando enfermo”.
A nota acrescenta: “Anunciamos que a Record está sendo processada por danos morais, assédio moral e sexual e fraude em documentos. A primeira audiência está marcada para o dia 28 de agosto. A família optou por não comentar detalhes do incidente”.
Trata-se de uma situação grave e a Record precisa melhorar seu sistema de compliance (que, cada vez mais, tem sido, em várias empresas e governos, mais para inglês ver). Antes que novos problemas surjam.