As pesquisas realmente erraram? Só em parte. Debate eleitoreiro não ajuda a entender o que aconteceu

09 outubro 2022 às 00h19

COMPARTILHAR
Pesquisa de intenção de voto é fogo fátuo, mera radiografia de instantes. Portanto, não é nem pode ser retrato fiel do movimento político-eleitoral de uma sociedade.
Quando a “sociedade dos eleitores” se move rapidamente, às vezes mudando o quadro em cima da hora, mesmo pesquisas atualizadas e sérias não conseguem captar o seu movimento. Pode ter sido o que aconteceu no primeiro turno das eleições de 2022 para presidente da República.
As pesquisas “erraram” muito? A respeito da votação de Lula da Silva, do PT, Simone Tebet, do MDB, e Ciro Gomes, do PDT, os resultados equivalem, no geral, àquilo que apresentam as pesquisas. E é preciso considerar que, ao contrário do que se pensa, pesquisas são aproximações e, por vezes, realmente não batem com o resultado que sai das urnas.
Lula da Silva não venceu as eleições, mas ganhou o primeiro turno. O petista teria sido eleito se tivesse obtido menos de dois pontos percentuais a mais. A diferença entre ele e o presidente Jair Bolsonaro foi de pouco mais de cinco pontos, o que se traduz em 6.187.159 de votos — ou seja, quase toda a população de Goiás. Não é pouca coisa.

Mas, de fato, as pesquisas não acertaram (tampouco as pesquisas divulgadas pelo bolsonarismo acertaram — a do instituto Brasmarket o apontavam como líder, em oposição a todas as pesquisas dos institutos responsáveis) a respeito da votação de Bolsonaro. Porém, como poderiam ter acertado?
Fala-se em eleitor “envergonhado” de Bolsonaro, e eles existem em várias áreas (na de saúde, por exemplo, é grande). Mas não foram apenas os eleitores “envergonhados” que, ao perderem a “vergonha”, deram uma votação ao presidente maior do que o esperado.
As pesquisas quantitativas, mesmo quando os questionários são muito bem-feitos, para possibilitar cruzamentos de dados, não têm como apreender o que realmente pensam aqueles eleitores que, apresentados como indecisos, estão apenas examinando o quadro político com atenção. Sim, alguns de fato são indecisos, e permanecem assim até o fim da eleição. Porém, há os eleitores — difíceis de serem capturados por levantamentos quantitativos — que, vistos como indecisos, estão de olho em quem vai ganhar (o tal voto útil) e há eleitores que, ao perceberem que o candidato “X” pode ganhar, escolhem o candidato “Y” para tentar impedir sua vitória, ao menos no primeiro turno. Por fim, há eleitores que, muito bem-informados (mas figuram na “lista” dos indecisos), esperam o momento que avaliam como adequado para se posicionarem.

É provável que apenas pesquisas qualitativas exaustivas, formuladas com apuro, possam verificar o pensamento “médio” do eleitorado de um país. Mas são caras e, ao mesmo tempo, podem falhar ao não perceberem os movimentos “tectônicos” do eleitorado. Às vezes, há movimentos entre os eleitores — uma espécie de inconsciente coletivo — similares aos dos terremotos. A ciência pode até avisar sobre a possibilidade de ocorrer um terremoto, mas não dá tempo de salvar todas as vidas, dadas a velocidade e a dimensão (a faixa de território, por exemplo) de sua ocorrência.
Houve um movimento pró-Bolsonaro, de última hora, que fez a diferença, impedindo a vitória de Lula (com mais 1,7%, o petista teria sido eleito no primeiro turno). A crítica às pesquisas em si não ajuda a entender o fenômeno, que merece um estudo detido. Noutras palavras, o que merece exame é menos as pesquisas e mais o movimento dos eleitores para a direita. O que realmente aconteceu? Ainda não dá para saber com precisão, porque, como dissemos, o fenômeno precisa ser estudado com atenção e lisura. Entretanto, com os ânimos acalorados — e a maioria nem sabe o que está dizendo a respeito da seriedade (ou falta de seriedade) das pesquisas —, é praticamente impossível qualquer debate a respeito do assunto. “Ah, você é bolsonarista!” “Ah, você é lulopetista!” É o que se dirá.
Há um problema no Brasil. As pesquisas são apresentadas como retrato preciso do quadro eleitoral, quando, na verdade, são aproximações. O que elas captam num momento quase sempre é verdadeiro, mas, como as pessoas são contraditórias — com movimentos pra lá e pra cá —, às vezes deixam de captar um quadro mais amplo. O que é mais normal do que parece. Há malandragem? Pouquíssima. Há institutos sérios, como Datafolha, Ipec, Serpes, Fortiori e Grupom — dois nacionais e três de Goiás —, que prezam por seu bom nome. Portanto, sabem que se manipular informações — os levantamentos de dados são informações que resultam em novas informações — ficarão com a imagem “queimada”. Curiosamente, pelo que li, diretores dos institutos, mesmo os sérios, não souberam explicar o que realmente aconteceu. Porque o assunto é mesmo intricado e está, no momento, contaminado pela polarização eleitoral — o que é natural.
Há de se fazer uma pergunta: quem é o eleitor de Bolsonaro? Não se sabe direito. Mas tachá-lo de bolsonarista é um equívoco. Não há 51 milhões de bolsonaristas no país. Assim como não há 57 milhões de petistas. A maioria dos eleitores despreza a questão ideológica e tão-somente vive suas vidas — como deve ser.
Tentemos uma avaliação rápida. Primeiro, a economia do país voltou a crescer (ainda que não em níveis satisfatórios) — o que tem gerado novos empregos. Segundo, a inflação caiu. Terceiro, os programas sociais contribuíram para melhorar a vida dos mais pobres. Quarto, o governo de Bolsonaro conseguiu reduzir o preço da gasolina. Os eleitores podem ter percebido que o presidente, pressionando a Petrobrás, mostrou força e interesse em abaixá-lo. Quinto, a pauta dos costumes (a questão do aborto, por exemplo) atrai parte significativa dos eleitores, e não apenas os evangélicos. Sexto, a história da corrupção nos governos do PT (que é um fato), reavivada, parece ter galvanizado eleitores que nem são anti-Lula da Silva ou anti-PT. Sétimo, a vacina contra a Covid demorou a chegar — morreram quase 700 mil pessoas (parte delas antes de se fabricar a vacina) —, mas chegou e salvou vidas. Oitavo, o jeito de ser de Bolsonaro, o típico machão latino-americano — espécie de caubói de Marlboro —, e seu aspecto “simplão” (gente como a gente, até quando fala “bobagens” e se comporta de modo grosseiro) atraem eleitores… homens (a maioria das mulheres não aprova o que diz e faz). É provável que haja outras questões, mas as apontadas por certo ajudaram a fortalecer o candidato do PL… na “prorrogação”.
Em suma, as pesquisas, mesmo as decentes, podem não capturar com precisão as “vozes” dos eleitores. Mais do que admitir erros, os diretores dos institutos têm de dizer isto: pesquisas quantitativas não são infalíveis e nem sempre apreendem as movimentações rápidas, e ainda não cristalizadas, dos eleitores. Neste momento, a discussão sobre as pesquisas é um caso perdido, tal a contaminação politizada do debate. E quem não entende do assunto sai repetindo o que ouviu, ou melhor, o que quis ouvir.
O líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros, do pP do Paraná, apresentou um projeto de lei cujo objetivo é punir os institutos de pesquisas que supostamente erraram nas eleições de 2022. Não dará em nada, e vale lembrar que isto ocorre depois de quase todas as eleições. Barros está jogando politicamente. Só isto.
Vale, por fim, transcrever trecho do artigo “Governo trabalha com agenda antiliberal e desmoraliza a democracia ao atacar pesquisas” (“Estadão”, sexta-feira, 7), de Laura Karpuska, professora do Insper e Ph.D. em Economia pela Universidade de Nova York: “Esta [o projeto de Ricardo Barros] é uma iniciativa que deveria arrepiar os cabelos de qualquer democrata. Controle sobre o trabalho intelectual com punição por um erro que depende da aleatoriedade do universo é não apenas perigoso, mas revelador de ignorância estatística. O governo continua trabalhando com uma agenda antiliberal e que desmoraliza nosso sistema democrático”.
Qual será o resultado do segundo turno? Não dá para saber. Lula da Silva pode ganhar. Bolsonaro pode vencer. A disputa será apertada e agressiva. A vitória de um sobre o outro será por, digamos, um beicinho de pulga.