As guerras de Netanyahu e a oposição em Israel

21 junho 2025 às 21h01

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Halley Margon
“…o povo de Israel tornou-se um coletivo que admira a força e a brutalidade…” — Michael Sfard, no jornal israelense Haaretz, do dia 16 de junho 2025. Sfard é um dos mais renomados advogados israelenses, especializado em direito internacional, direitos humanos e leis de guerra e uma figura chave do ativismo jurídico de Israel.
I
O assustador apoio à selvageria Israelense
As guerras, exceto quando provocadas por militares latino-americanos e em especial argentinos, tendem a recuperar a credibilidade de governantes debilitados ou corruptos.
Em geral, ao reacender o apelo da união patriótica, as guerras fortalecem os vínculos nacionais em torno do seu líder, seja qual for.
O que vale também para Benjamin Netanyahu, evidentemente. Acusado de corrupção e muito perto de ser levado às barras dos tribunais para ser julgado, o primeiro-ministro israelense tirou o bilhete premiado com o ataque do Hamas contra o território israelense em outubro de 2023.
Com o genocídio e a limpeza étnica em Gaza prestes a se completar, saca do bolso uma carta mágica bombardeando o Irã e iniciando uma nova guerra.
Há algo que apele mais fundo ao coração do eleitorado que a sua própria ideia do que seria sua integridade física, a de sua família e a da vizinhança, a de sua cidade e a de sua pátria? Deveria haver, suponho. Princípios básicos de decência, por exemplo, coisa que nos diferenciaria dos animais, ou o mais elementar sentido de humanidade.
Mas, desgraçadamente, não é assim que as coisas funcionam. Quando a tribo se vê ameaçada, seja porque de fato está ameaçada (por outra tribo, diga-se) ou porque apenas foi convencida de que uma imaginada ameaça é iminente, o que vale são os apelos midiáticos chauvinistas, tipo “America First” e que tais — em Israel, como veremos, eles são abundantes nesse momento — e os atos para fazer desaparecer o outro.
Portanto, iniciar uma nova guerra é não só uma excelente maneira de recuperar para si a simpatia popular, mas também de desviar a atenção do eleitorado de eventos que podem provocar desgaste na figura do líder — a brutal conclusão da limpeza étnica e o genocídio em Gaza, por exemplo, ou as acusações de corrupção que correm nos tribunais do país. Não custa lembrar que dias antes de Netanyahu determinar o bombardeio do Irã, a composição parlamentar que dá sustentação ao seu governo esteve muito perto de se desfazer.
No final de maio passado, o Haaretz de Israel divulgou uma pesquisa feita entre judeus israelenses afirmando que há entre eles “um crescente conforto com a ideia de expulsar à força os palestinos — tanto de Gaza quanto de dentro das fronteiras de Israel”.
São nada menos que 82% os que apoiam tais iniciativas, e 56% os que são “a favor da expulsão dos cidadãos palestinos de Israel”.
Os números, diz o jornal, “representam um aumento acentuado em relação a uma pesquisa de 2003, na qual o apoio a essas expulsões era de 45% e 31% respectivamente”.
A pesquisa descobriu, segue o Haaretz, “que uma minoria significativa apoia o assassinato em massa de civis em cidades inimigas capturadas pelo exército israelense”.
A pesquisa foi encomendada em março pela Universidade Estadual da Pensilvânia e conduzida pela empresa de pesquisa israelense Geocartography Knowledge Group.

II
Escala significativa de violência em Gaza
Há em Israel, agora mesmo, vozes que se opõem à política ultrabelicista e criminosa do seu primeiro-ministro? É mais que lógico esperar que haja. E o fazem muito duramente.
Uma passada de olhos durante essa semana sobre um dos principais jornais israelenses, o Haaretz, é suficiente para, em primeiro lugar, perceber o profundo descontentamento em setores da sociedade com as ações do governo do país, um desconforto que roça a angústia e o desespero, e ao mesmo tempo o reconhecimento da hegemonia devastadora das forças que determinam a política do país.
Num editorial do dia 16 de junho último o Haaretz alertou: “Há meses, Gaza é um lugar abandonado, com assassinatos indiscriminados de civis, incluindo mulheres, crianças e até bebês; fome coletiva contínua; e ajuda humanitária inadequada, que às vezes é roubada e outras nem chega ao destino”.
O Haaretz acrescenta: “Agora, quando o foco do mundo e dos israelenses se voltou para o conflito com o Irã, o risco de a situação piorar ainda mais aumentou. Testemunhos de residentes do campo de refugiados de Jabalya mostram que, mesmo após o ataque de Israel ao Irã, houve uma escalada significativa em Gaza”.
Ou, novamente, Michael Sfard, “sob o barulho da guerra em Gaza, a limpeza étnica foi perpetrada em grandes áreas da Cisjordânia… Enquanto todos os olhos estão voltados para a guerra (com o Irã)…, Israel correrá para… destruir o que resta da Gaza palestina”.
Noutro texto publicado pelo Haaretz, Gideon Levy (colunista do jornal onde mantém desde 1988 a coluna semanal “Twilight Zone”) escreveu que, logo após o início do bombardeio do Irã, o que se viu foi uma “efusão nacional de adulação pela nossa força aérea”, algo que não se via, segundo ele, desde “a ‘milagrosa’ Guerra dos Seis Dias, em 1967”.
Gideon Levy lembra as palavras daquele que é, segundo o articulista, “o jornalista considerado mais influente de Israel”, Liat Ron: “Quando queremos, sabemos como enfiar a faca e torcer. O dia 13 de junho, com seu alcance histórico, é mais uma oportunidade que não podemos perder. Tiramos o chapéu para as Forças de Defesa de Israel e viva o Estado de Israel!”
O tom dos opositores é sempre semelhante, de profunda apreensão, mesclado a um sentimento de impotência e revolta.
Em Israel “ninguém quer ouvir falar sobre Gaza”, escreveu de Nova York o correspondente Etan Nechin, no dia 14 último. E confirmando o que dizia seu colega Levy: após o ataque contra o país dos aiatolás, “Israel atingiu o clímax com uma onda de euforia maníaca”.
“De repente, os comentaristas voltaram à vida. ‘Histórico’, ‘transformador’, disseram. Um Netanyahu eufórico falou de uma guerra para acabar com todas as guerras. A cor voltou às conversas incessantes na TV e na internet. O país foi reanimado pela violência distante.”
Do editorial do jornal oposicionista ao comentário do correspondente no exterior e as dolorosas palavras do ativista político, a lembrança das vozes que se opõem às determinações do primeiro-ministro poderia prosseguir com outros exemplos (durante a última semana procurei ler todos os artigos do Haaretz que indicassem qualquer sinal crítico em relação aos atos do governo Netanyahu).
Israel é, no final das contas, um Estado Democrático de Direito, no qual há liberdade de manifestação, pelo menos por enquanto. Os regimes de exceção prosperam como o bom trigo crescendo em solo fértil e tornam-se, a cada volta do relógio, a própria regra.
Talvez a impotência (e a angústia) daqueles que apelam dramaticamente contra as políticas do primeiro-ministro se explique, em parte, pela realidade política do país.
Das 120 cadeiras do parlamento israelense, 68 pertencem à coalizão de governo, 52 à oposição — dentre esses, 46 apoiam a solução dos dois Estados para palestinos e judeus.
É bem provável, portanto, que essa relativamente equilibrada relação de forças no parlamento mascare o efusivo apoio de uma maioria silenciosa (ver Nixon, ver Trump…) no seio da população.
Basta lembrar os anos de Benjamin Netanyahu como chefe do executivo israelense. Somados, desde seu primeiro mandato de 1996 a 1999, são exatamente 17 anos e oito meses no poder. E ano após ano, mandato após mandato, sua política apenas se faz mais brutal.
Números 1: novas mortes
No primeiro dia da semana que agora se encerra, “as Forças Armadas de Israel mataram pelo menos 50 pessoas e deixaram outras 200 feridas na Faixa de Gaza”.
Dessa meia centena de palestinos mortos na segunda-feira, 16 de junho, “cerca de metade foi baleada por soldados israelenses enquanto buscava comida”.
Entre o fim “do bloqueio total de Israel em 18 de maio e o dia 11 de junho, 330 palestinos foram mortos” nas filas de distribuição de alimento da Fundação Humanitária de Gaza (FHG), e outros 1.800 tiveram ferimentos graves.
Números 2: 50 mil mortos
Semana passada, o jornal “La Vanguardia”, da Espanha publicou um detalhadíssimo relatório com todos os dados e nomes dos mais de 50 mil palestinos mortos em Gaza durante os 20 meses desde o início da invasão israelense.
O primeiro deles (https://tinyurl.com/2aezy7ub), aos seis meses da ocupação.
O segundo, agora (https://tinyurl.com/4h9u6zxd).
O nível de detalhamento é de tal ordem que ali se inclui, além dos nomes de cada uma das vítimas, suas fotografias.
Halley Margon, escritor e ensaísta, é colaborador do Jornal Opção.