O tradicional jornal paulista, de propriedade da família Frias, já percebeu o momento de inflexão e escolheu seu lado. Fez o que deveria, e fez muito bem

Capa de jornal é como capa de disco ou de livro. É aquela imagem que se leva do conteúdo. Difícil dissociar as músicas do Pink Floyd das imagens que ilustravam os LPs – a mídia “mãe” dos CDs e “avó” do streaming, para quem é mais novo.

Da mesma forma, isso vale para jornais. Embora seja também uma “mídia” em transição – embora alguns considerem que o papel escrito vai sobreviver à transformação digital –, um jornal de grande circulação aposta no aumento de suas vendas a partir das notícias com destaque em sua primeira página.

Editorial “Ensaio de ditador”, na capa da edição, mostra posicionamento da “Folha” diante da necessidade de tirar Bolsonaro da Presidência | Foto: Reprodução

No caso de um editorial publicado na capa, a questão já é outra: busca-se o maior destaque possível para a publicação para mostrar que aquela posição adotada pelo veículo – o editorial, diga-se, expõe sempre o ponto de vista do próprio jornal sobre os diversos temas – é extremamente importante.

Foi essa importância e urgência que a Folha de S.Paulo quis ressaltar na sexta-feira, 6, ao trazer para a primeira página o editorial Ensaio de ditador, em que conclama o Congresso Nacional e a Procuradoria-Geral da República (PGR) a agirem para conter a escalada golpista do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Com a tomada de posição, a Folha não quer vender mais jornais. Também não quer prioritariamente exercer uma espécie de influência direta, entre os próprios leitores; antes de tudo, o jornal quer pressionar o círculo de poder, especialmente os alvos primeiros da mensagem: o texto é praticamente uma carta endereçada ao titular da PRG, procurador Augusto Aras, e ao presidente da Câmara Federal, deputado Arthur Lira (PP-AL).

É um evento raro no jornalismo e serve para registrar bem claramente um posicionamento que vai transcender a conjuntura: as capas dos jornais, especialmente dos maiores jornalões. A Folha compõe com O Estado de S. Paulo e O Globo o atual triunvirato da imprensa escrita nacional.

Mais do que isso: é a primeira vez que um veículo de comunicação impresso brasileiro se coloca de forma clara em alerta contra o risco de um golpe de Estado. Não é pouca coisa o que a Folha decidiu fazer, como não é qualquer coisa os tempos que estamos vivendo no Brasil. O tradicional jornal paulista, de propriedade da família Frias, já percebeu o momento de inflexão e escolheu seu lado. Fez o que deveria, e fez muito bem.