Escritor cita Carmen Miranda, afirma que a novela “A Escrava Isaura” é imbecil, tacha os críticos literários de ignorantes e garante que seus direitos autorais foram roubados no Brasil

Anthony Burgess, escritor britânico: “Se a gente escreve a partir do consciente não vai encontrar tanta mágica. Os jornais são feitos da consciência. Não há mágica. A literatura é feita do inconsciente. É mágica”

Geneton Moraes Neto (1956-2016) era um entrevistador notável. Se existisse a profissão de “perguntador”, uma das artes do repórter, o jornalista deveria ser qualificado como tal. Em maio de 1985, entrevistou em Londres o escritor e crítico britânico John Anthony Burgess Wilson (1917-1993), autor do romance “Laranja Mecânica” (Aleph, 224 páginas), que o celebrizou. O diálogo pode ser conferido no livro “Cartas do Planeta Brasil” (Revan, 264 páginas). Há lacunas na conversa, não se sabe por quais motivos, o que não se pode é sugerir que não é divertida e inteligente. Aqui e ali, há preconceitos fortes, sobretudo contra as mulheres que são críticas literárias.

Em sã consciência, mínima que seja, é possível sustentar que Leda Tenório da Motta, Leyla Perrone-Moisés, Flora Sussekind e Walnice Nogueira Galvão, para mencionar apenas quatro expoentes, são críticas literárias obtusas? De maneira alguma. São críticas extraordinárias e seus livros, se publicados em quaisquer países, serão respeitados. Pode-se discordar de suas ideias, mas raramente da qualidade do que escrevem.

Pois, tratando de outras críticas, não das brasileiras, Anthony Burgess faz um ataque brutal. “Quem vem arruinando a crítica literária são as mulheres! Não sou adepto do machismo. Mas vejo que há nos jornais um grande número de mulheres estúpidas que só falam bem de livros escritos por mulheres igualmente estúpidas”, afirma, peremptório. A “guerra dos sexos vem aniquilando a crítica literária”. Ele teria razão em relação à crítica inglesa? Não dá para saber e Geneton Moraes Neto não pergunta nada a respeito. O entrevistador poderia ter perguntado de quais críticas o escritor estava falando.

Mais recentemente, há críticas de baixa qualidade enfocando a questão do gênero na literatura. Mas não é um problema exclusivo das mulheres. Há homens e mulheres produzindo crítica ruim seguramente no Brasil e em outros países. O crítico americano Harold Bloom, autor do livro “A Angústia da Influência — Uma Teoria da Poesia” (Imago, 208 páginas), tem dito isto com frequência. Embora a admire, e tenha escrito de maneira exemplar sobre sua literatura, pega pesado até com Toni Morrison, autora do romance “Amada” (Companhia das Letras, 368 páginas).

Geneton Moraes Neto e o livro que contém a polêmica entrevista (feita em Londres, em 1985) do polêmico escritor britânico Anthony Burgess

Geneton Moraes Neto inquire se é um problema inglês ou internacional. “Não sei até que ponto vocês, no Brasil, já conseguiram superar a presença do feminismo militante. Mas esta é uma questão poderosa tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra. É assim: se um livro foi escrito por um homem deve ser ruim pela simples razão de que foi escrito por um homem! É algo tão estúpido!” Em relação ao Brasil, a tese de Anthony Burgess não prospera, ao menos em relação às críticas mencionadas. Leyla Perrone-Moisés acaba de lançar “Mutações da Literatura no Século 21” (Companhia das Letras, 296 páginas), a respeito do qual divirjo, pontualmente, na questão de sua interpretação dos escritores Mario Vargas Llosa e Orhan Pamuk como críticos literários “ingênuos” (trata-se tão-somente de uma visada diferente da interpretação da analista patropi), mas, no geral, é uma crítica de primeira linha de autores brasileiros e do exterior.

Há “vida inteligente na crítica literária”? A resposta de Anthony Burgess parece ter saído da pena de Gore Vidal (que escreveu que os críticos literários querem “trocar” ou “substituir” a literatura pela teoria literária): “Sempre se esperou dos críticos da Inglaterra que divirtam os leitores e sejam ‘criativos’ e destrutivos — não que eles façam o que deveriam fazer: estabelecer o que é um livro e examiná-lo seriamente. O que os críticos fazem não é sério”. Em tom de gozação, é provável, diz que os taxistas, porteiros de hotel e garçons entendem mais seus livros do que os críticos literários.

Inconsciente

Qual é a mágica da literatura? “Uma boa parte do que a gente escreve vem do inconsciente. E o inconsciente é uma grande floresta brasileira, com seus estranhos animais, seus estranhos pássaros, suas estranhas árvores. Não sabemos onde é que fica! Eis, então, a mágica. Se a gente escreve a partir do consciente não vai encontrar tanta mágica. Os jornais são feitos da consciência. Não há mágica. A literatura é feita do inconsciente. É mágica!”, afirma Anthony Burgess.

As funções da literatura e do jornalismo são diferentes. “O trabalho dos jornais é dar informação. Já a função de um romance é excitar a imaginação e apresentar o mundo de uma maneira nova. Os jornais apenas representam o mundo tal como ele é. Acontece que os jornais estão deixando de ser informativos ou mágicos”, assinala Anthony Burgess. O escritor frisa que se opõe “à ignorância das pessoas que escrevem nos jornais”.

Escrever livro leva à imortalidade?, indaga Geneton Moraes Neto. Anthony Burgess sugere outra coisa: “É a melhor maneira de chegar à imoralidade. Ninguém hoje está seguro da imortalidade. (…) Quando você é vivo, não é interessante. Quando morre, torna-se uma espécie de monumento”. É uma boa frase, mas nem sempre verdadeira. Escritores como James Joyce e Thomas Mann, para citar um irlandês e um alemão, obtiveram sucesso em vida. Mas, de fato, o primeiro se tornou um monumento, sobretudo para leitores acadêmicos, depois de morto. “Ulysses” e “Finnegans Wake” se tornaram “livros sagrados”. Anthony Burgess nunca foi um monumento, mas sempre teve prestígio — equivalente, quem sabe, ao do ótimo Graham Greene (que está sendo republicado no Brasil pela Editora Globo/Biblioteca Azul).

O autor de “As Últimas Notícias do Mundo” (Record, 432 páginas) é compositor, de formação erudita, mas preferiu ser escritor. Porque “na literatura há um pouco de dinheiro, sim. Mas não muito!” Ao ser entrevistado, estava planejando “uma ópera baseada na vida de Sigmund Freud”. Anthony Burgess avalia que “escrever um romance é como compor uma sinfonia. Você tem de estar atento quanto à forma, ao equilíbrio, aos contrapontos e ao som das palavras, porque a gente não lê com os olhos: lê com os ouvidos”. Ele sublinha que o romance “A Sinfonia Napoleão” (Artenova, 351 páginas) é “uma tentativa” de apresentar a vida do político francês “em forma de sinfonia, a ‘Heróica’ de Beethoven. Poucos entenderam na Inglaterra. Os ingleses são lentos na hora de entender o que faço. Isso me deixa louco!”

O romance “Laranja Mecânica” tornou-se mais conhecido depois do filme homônimo de Stanley Kubrick. Filiado à escola, se há uma escola, de Ievguêni Zamiátin (“Nós”) e George Orwell (“1984”), é objeto de culto, como livro e filme. Anthony Burgess diz que se trata de “uma predição”. “Mas uma predição escrita nos anos sessenta sobre o que o mundo poderia ser nos anos setenta. O livro, portanto, pertence ao passado.” A obra “é sobre o indivíduo e o Estado. Eu soube que houve dificuldades com o livro e com o filme no Brasil, assim como na Argentina. É que os Estados não gostam do livro. O Estado reconhece que ‘Laranja Mecânica’ ataca o poder dos governos”. Nos primórdios da década de 1980, vi o filme no extinto Cine Frida, na Avenida Goiás, em Goiânia, com tarjas negras cobrindo as pudendas das personagens.

Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa, na opinião do escritor
Anthony Burgess, se equivocaram ao escrever uma literatura política

Alex, o magnético personagem de “Laranja Mecânica”, é, na opinião de Anthony Burgess, “um rebelde. Alex apenas se diverte, até que descobre que há um limite neste ‘divertimento’. Alex é um rapaz perfeitamente feliz — que gosta do vício e da violência. E também de música!” Ele aprecia Beethoven.

Os ingleses, na opinião do autor de “Enderby por Dentro” (Com­panhia das Letras, 264 páginas), são experts na arte de escrever “distopias” e “cacotopias”. “Laranja Mecânica” é fi­lho dos livros “Utopia” (Autêntica, 256 páginas), de Thomas More, de “Viagens de Gulliver” (Companhia das Letras-Penguin, 448 páginas), de Jonathan Swift, de “Nós” (Aleph e Anima), de Ievguêni Zamiátin (não mencionado na entrevista), e de “1984” (Companhia das Letras, 416 páginas), de George Orwell. “Nós podemos evitar olhar para o futuro. Mas não acreditamos realmente que o futuro será assim.”

Umberto Eco, citado por Geneton Moraes Neto, escreveu que “a verdadeira função do escritor é criar crises”. An­thony Burgess parece concordar com o italiano (embora sua abordagem sobre “crises” seja de outro ma­tiz): “Qualquer romance é construído a partir do ritmo. E o ritmo é exatamente onde a crise atinge um clímax e se resolve”.

Em seguida, Anthony Burgess cita o mais celebrado escritor argentino: “Jorge Luis Borges diz que trabalhar na ficção é exercitar uma criação artificial que mantém uma escassa relação com a vida. (…) Não devemos tomar uma peça qualquer de ficção como se fosse, necessariamente, um comentário sobre a vida. São dois mundos separados. A crise na literatura não guarda semelhanças com a crise da vida real. O escritor pode ter uma função política. Mas ele não deve escrever um romance com uma finalidade política. (…) Quando [o escritor] transforma um romance num manifesto político, não se pode dizer que ele esteja escrevendo um romance. É o que percebo em autores como [Mario] Vargas Llosa e [Gabriel] García Márquez. Os dois têm um traço político forte. Penso que devem tratar da vida real, não sob o ponto de vista político”.

Parece um julgamento excessivo e, conforme está formulado, serve para o próprio Anthony Burgess, que, em seus livros, tratou, de maneira ficcional, de Lênin e Trotski, para citar dois políticos. O que se deve perguntar é: os romances de Vargas Llosa e García Márquez sobrevivem como literatura, apesar do vezo político?

Leitores de esquerda podem não gostar do escritor peruano, o dos dias atuais, mas, se forem objetivos, certamente admitirão que seus principais livros, políticos ou não, resistem como literatura de primeira linha. “Conversa no Catedral” (Alfaguara, 584 páginas) é alta literatura, inclusive fortemente influenciada pela prosa de James Joyce e, sobretudo, William Faulkner. Além da “perfeição” flaubertiana do estilo.

Leitores de direita podem não gostar do escritor colombiano, mas seus livros, tanto “Cem Anos de Solidão” (Record, 448 páginas, com tradução esmerada de Eric Nepomuceno) quanto “O Amor nos Tempos do Cólera” (belíssimo, com tradução precisa de Antonio Callado), resistem como literatura vigorosa. A política não atrapalha os dois escritores; antes, vitaliza suas literaturas. O esquerdista e o liberal aderiram à linguagem panfletária — García Márquez chegou a defender o ditador cubano Fidel Castro e até submeteu alguns de seus livros à sua censura pessoal —, no embate político, mas jamais deixaram de escrever literatura de primeira linha. A leitura de seus livros, se se quiser que seja proveitosa, não pode resultar da avaliação do caráter de ambos. É provável que Anthony Burgess esteja se referindo à literatura engajada, aquela que em geral é pobre esteticamente, mas usou dois exemplos nada precisos. Poderia ter mencionado o peruano Manuel Scorza. Este, de tão engajado, era o ícone do brilhante jornalista Claudio Abramo, que renovou o “Estadão” e a “Folha de S. Paulo”.

“A política não é importante — a não ser em países onde é transformada em algo de importância. Decidi­da­mente, é loucura ter de gastar a vida in­teira lutando pela causa mais simples do mundo — que é ter um governo mo­derado! A literatura na América do Sul tem — cada vez mais — de se o­cupar da representação dos erros políticos. Mas esta não é a tarefa da ficção”, ressalta Anthony Burgess. “Ho­mens como [o escritor americano] Hen­ry James não tiveram de agir assim. Ele se ocupa das relações hu­manas, algo bem mais importante do que a política. (…) Os escritores resolvem as crises que os políticos criam.” E não é isto que — como Machado de Assis, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos — García Márquez faz nos belíssimos “Cem Anos de Solidão” e “O Amor nos Tempos do Cólera”?

“Nós não podemos dizer que linha política Shakespeare tinha. Tudo que sabemos é que detestava o poder e queria que o povo fosse deixado em paz para levar sua própria vida”, comenta Anthony Burgess. Noutras palavras, apesar de o autor de “O Pequeno Wilson e o Grande Deus” (Ars Poética, 407 páginas; excelentes memórias) sugerir uma não-posição política, Shakespeare pode muito bem ter se antecipado aos pensadores liberais e, quem sabe, anarquistas. “Política é — ou deve ser — uma pequena parte de nossas vidas”, insiste. A política, embora incontornável, não é tudo na vida de um indivíduo.

No seu tom provocador, Geneton Moraes Neto quer saber de Anthony Burgess quem é mais importante: Shakespeare ou Beethoven. “Se você quer saber o que é a música, é melhor ouvir Beethoven. Se você quer saber o que é alguém ganhar a vida como escritor, você tem de lembrar de Shakespeare. A grande coisa sobre os dois é que nenhum era um deus: ambos eram seres humanos imperfeitos que trabalhavam duro numa ocupação difícil”. Harold Bloom, no livro “Shakespeare — A Invenção do Humano” (Objetiva, 898 páginas), frisa que o homem moderno, com virtudes e vicissitudes, é uma invenção do dramaturgo e poeta britânico.

Passado e juventude

Geneton Moraes Neto pergunta: “O que é mais importante para um escritor: tentar antecipar o futuro ou reescrever o passado?” Anthony Burgess apresenta uma resposta precisa, na linha de William Faulkner (“o passado nunca está morto. Nem sequer é passado”): “Tudo que nós temos é o passado. Nós não temos o futuro. Nós ainda estamos esperando por ele. O presente não existe porque é apenas um microssegundo! Mas o passado está aí — e cresce o tempo todo. Nós só nos entenderemos no presente e no futuro se entendermos o passado”.

O escritor anota que fica preocupado quando percebe que “a juventude, na maioria dos países, abandonou o passado. Os jovens não querem aprender nada sobre o passado. E não existe nada, além do passado! Então, o passado é importantíssimo. Nós devemos escrever ocasionalmente sobre o passado e mostrar o quanto ele é importante. É o que tento fazer”.

“Os jovens da Inglaterra” (talvez de quase todos os países, dada a globalização dos comportamentos), critica Anthony Burgess, “não querem o passado. Querem somente o futuro — que pensam estar nos Estados Unidos… Tudo o que querem é um eterno presente. E encontram — na música pop, no rock e nas drogas. Os jovens tomam drogas principalmente porque querem viver num eterno presente e libertar-se do passado.” O escritor cita uma passagem de “1984” na qual O’Brien, do Ministério da Verdade, pergunta para Winston Smith: “Vamos brindar o que, com nosso brinde? A vitória sobre os inimigos, a revolução, o futuro?” Winston Smith contrapõe: “Não, vamos beber pelo passado!” O’Brien concorda: “Sim, o passado é importante”. Anthony Burgess conclui que “O’Brien não queria falar assim, mas sabia o que queria dizer”.

Shakespeare e Beethoven são os supremos cânones na literatura e na música, do ponto de vista do escritor e compositor Anthony Burgess


Carmen Miranda

Talvez para agradar o interlocutor, Anthony Burgess diz que se sente “mais próximo de países como o Brasil — onde se fala uma língua latina. (…) O Português do Brasil sempre pareceu ser uma versão flexível e colorida da Língua Mãe, o Latim. Não estou particularmente interessado no Português que se fala em Lisboa. Parece-me que é um pouco morto. Mas qualquer língua que se transforma numa manifestação de vivacidade na literatura é algo que devemos estudar. Não podemos, portanto, ignorar o Português do Brasil. É importante demais para que seja ignorado. É preciso entendê-lo. O problema é que, no nosso caso, não temos com quem falar Portugues. Onde vivemos [Mônaco], não temos amigos brasileiros”. O escritor parece mesmo conhecedor de algumas coisas sobre o país e é uma pena que, mesmo sendo exímio entrevistador, Geneton Moraes Neto não tenha sido incisivo na tentativa de arrancar informações a respeito, diria Jorge Benjor, do país abençoado por Deus.

Anthony Burgess conta que era amigo do jornalista Araújo Neto (falecido em 2003), do “Jornal do Brasil”. “Eu e minha mulher passamos um tempo tentando aprender a falar o português do Brasil. Tentamos ler, também. Nós conhecemos algo da música.” Geneton Moraes Neto anota que o escritor se referiu, com entusiasmo, à música “Construção”, de Chico Buarque. “Conhecemos também algo da literatura.” Infeliz­men­te, Geneton Moraes Neto não per­gunta quais os escritores que ele co­nhecia. “O Brasil é um centro para a experimentação artística. O romance brasileiro vem se dando notavelmente bem. Não sei sobre a poesia brasileira. Não temos informações suficientes.” De quais romances está falando: “Macunaíma”, de Mário de Andrade, “Vidas Secas”, de Graci­lia­no Ramos, “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, e “A Paixão Segundo G. H.”, de Clarice Lispector? O entrevistador não lhe perguntou.

O autor de “Nada Como o Sol — Um Romance Sobre a Vida Amorosa de Shakespeare” (Ediouro, 253 páginas) assistiu a novela “A Escrava Isaura”, que chama de “estúpida”, e o “Fantástico”, ambos da TV Globo. Segundo ele, o programa “mostra a dança brasileira”. “Temos a impressão, na Inglaterra, de uma imensa energia brasileira, uma vida erótica e poderosa, uma grande cor. Mas parece algo remoto. Gostaríamos que fosse mais próximo!” Será que Anthony Burgess viu uma edição dos melhores momentos do Carnaval? É possível.

Durante a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de integrar o Brasil e os Estados Unidos, “os americanos fizeram filmes bobos tentando mostrar como” era o país de Noel Rosa, Pixinguinha e Ary Barroso. “Nós descobrimos Carmen Miranda. Dançávamos música brasileira, mas nunca tínhamos a sensação de que o que estávamos vendo era o Brasil real.”

Numa escola católica, em Manchester, Anthony Burgess estudou ao lado de um estudante patropi. “O brasileiro é que me falou da música de Manoel de Falla e outros músicos espanhóis. Quando eu tinha 15 ou 16 anos, conhecia os ritmos da música brasileira. Era algo excitante o brilho e a cor das orquestrações da música popular brasileira. O ritmo da música brasileira sugere florestas, flores silvestres, orquídeas, aves tropicais, algo selvagem e agressivo.” O quase sempre atento Geneton Moraes Neto não pergunta de quais cantores e compositores o escritor está falando. Noel Rosa? Ary Barroso? Assis Valente? Orestes Barbosa? Ataulfo Alves? Wilson Batista?

Anthony Burgess assegura que “Laranja Mecânica”, da primeira vez que foi editado no Brasil, ficou em primeiro lugar na lista dos mais vendidos. “Mas nunca vi a cor do dinheiro brasileiro. Não recebi nada pela maioria dos livros meus que foram publicados no Brasil. Se foi o agente literário que ficou com o dinheiro ou se foi a editora, eu não sei. Eis um dos perigos em ser autor e publicar no Brasil… O Brasil é longe demais para que vá lá brigar. Mas me devem dinheiro no Brasil! Meus amigos brasileiros, por favor, me ajudem! Os autores têm de sobreviver! Um pouco de dinheiro brasileiro bem que ajudaria”.

Anthony Burgess nasceu em Manchester em 25 de fevereiro de 1917 — há exatos 100 anos — e morreu, em Londres, em 22 de novembro de 1993.

Outras entrevistas

O livro de Geneton Moraes Neto contém entrevistas de Arnaldo Jabor, Daniel Cohn-Bendit, Francisco Julião, Gilberto Freyre (o repórter cita trecho de uma entrevista do sociólogo à revista “Playboy”: “Tive a curiosidade de ver o que era o amor homossexual. Tive umas poucas e não satisfatórias aventuras homossexuais. Eu já tinha mais de 20 anos. Mas foram experiências pálidas. Porque nenhuma delas fez de mim um homossexual”), Henfil, João Cabral de Melo Neto, Gilberto Gil, Gregório Bezerra, dom Hélder Câmara, João Saldanha, Luiz Gonzaga, Roberto Carlos, Caetano Veloso, Pete Best e Ronald Edwards (Ronald Biggs).

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