“Um deprimido pode dizer que não suporta a presença das pessoas, mas deixá-lo sozinho é um erro tremendo”, diz professor de Columbia

O novo coronavírus é responsável por uma realidade que parecia distante dos tempos de muito movimento e pessoas circulando por todos os lugares — andando, viajando. Com o isolamento social, relativamente suavizado pelo contato com parentes e alguns amigos, os indivíduos ficam em casa, ilhados Não totalmente, porque há o “convívio” pelas redes sociais, as conversas por telefone. As pessoas ficaram ainda mais virtuais. O que acontece com a cabeça das pessoas, que estavam acostumadas com outra rotina e, de repente, têm de adotar novo modo de vida? O escritor e professor de Psicologia de Columbia Andrew Solomon, entrevistado pela repórter Luciana Medeiros, de “O Globo” (“Comunique-se, mesmo que com um público imaginário, diz Andrew Solomon”), tenta explicar o que, de alguma maneira, ainda não é inteiramente explicável. Um fato novíssimo cobra uma explicação novíssima… ma non troppo.

Andrew Solomon, pesquisador de Columbia: “Apoie as pessoas o máximo que puder. Não descuide da medicação, caso utilize” | Foto: Reprodução

“A civilização é gentileza e generosidade. Se não nos

apoiarmos, a maioria de nós vai morrer. É simples”

A repórter inquire se “o isolamento” pode levar os indivíduos a uma depressão coletiva. “A crise pode ser esquecida assim que for superada, mas o trauma ficará. Já estamos numa depressão coletiva. Somos criaturas complexas, programadas para competir no duro processo de seleção natural, e, como grupo, para nos unirmos frente aos desafios da vida. Sem o impulso gregário, não teríamos cidades, governos, aviões, amor. Mas há gente comprando todo o álcool gel para lucrar. E há a coragem de equipes médicas arriscando suas vidas. Todos temos os dois impulsos. A civilização, porém, é gentileza e generosidade. Se não nos apoiarmos, a maioria de nós vai morrer. É simples”. Em todo o mundo, quase 150 mil pessoas morreram devido ao coronavírus. Só nos Estados Unidos, terra de Andrew Solomon, morreram quase 30 mil pessoas. Quase 2 mil brasileiros faleceram. A pandemia está se espalhando e não há indícios de que será contida rapidamente. Nem há como saber quando se produzirá uma vacina. Pode ser rapidamente, mas não significa que será amanhã.

Para Andrew Solomon, “a depressão” é “uma doença da solidão. Solidão é causa e também sintoma”. Aos 25 anos, o psicólogo teve uma depressão e o pai o levou para sua casa. “Isso salvou minha vida, além de terapia e medicação. Um deprimido pode dizer que não suporta a presença das pessoas, mas deixá-lo sozinho é um erro tremendo”. Portanto, afirma, o isolamento por causa do coronavírus “pode, sim, provocar novos casos de depressão e exacerbar os já existentes”.

Isolamento por causa do coronavírus “pode provocar

novos casos de depressão e exacerbar os já existentes”

A depressão, já instalada, agiganta-se ante um novo tormento: a possibilidade real de morrer ou de ver um parente ou amigo morrer. É possível minimizar o problema? Andrew Solomon conta que psicólogos e psiquiatras foram enviados a Wuhan “no primeiro estágio da quarentena”. “Durante a fase inicial, mais da metade dos entrevistados classificou o impacto psicológico como algo entre moderado e grave, e cerca de um terço relatou ansiedade severa”, escreveu a especialista chinesa Cuiyan Wang. Ela propôs “métodos” para lidar com os indivíduos. Já nos Estados Unidos, segundo o mestre de Columbia, não se fez o mesmo, pelo menos de parte do governo de Donald Trump. O governador do Estado de Nova York, Andrew Cuomo, convocou terapeutas voluntários. O custo da saúde no país de Philip Roth e Joyce Carol Oates é muito elevado. Algumas pessoas chegam a falir ao custear o tratamento próprio ou de parentes.

O que fazer? “Apoie as pessoas o máximo que puder, sem tocá-las. Não descuide da medicação, caso utilize. Aposte em sessões de terapia por Skype ou Facetime. Mantenha-se ocupado. Escreva o que sente. Comunique-se, mesmo que com um público imaginário. É melhor do que estar sozinho”, sugere Andrew Solomon. Há um problema, no momento: muitos psicólogos, psicanalistas e psiquiatras deixaram de atender, dado o isolamento e o receio de contaminação. Alguns já atendem por Skype. Outros escrevem artigos analisando o quadro e apontando alternativas às pessoas. Um psicanalista disse ao Jornal Opção: “Os pacientes, sabendo do quadro do país, por causa da Covid-19, entendem e aceitam conversar por Skype. Mas a maioria ainda prefere o contato pessoal”.

Recentemente, em Buenos Aires, um homem jogou sua mulher pela janela do apartamento onde viviam. Ela morreu; ele foi preso. Não havia registro de violência anterior. O que terá acontecido? Possivelmente alguma divergência talvez em decorrência de uma ninharia. O mais forte, fisicamente, venceu. Mas terá de cumprir pena numa penitenciária. Andrew Solomon sublinha que “a quarentena cria situações complicadas. Relacionamentos sólidos serão fortalecidos, mas laços frágeis se partirão. Não é [o] momento de resolver velhas questões”.

Quando se trata de depressão, não dá para “metrificar” o sofrimento, ou seja, que uma classe social sofre mais do que a outra. Mas, quando se trata de quarentena, com pessoas isoladas em espaços pequenos e com escassa diversão, os pobres sofrem mais, assinala Andrew Solomon. “A Covid-19 vai se espalhar como rastilho de pólvora. Ao lavar as mãos, se isolar, desinfetar objetos, você se sente com algum controle. Quem não pode fazer isso acusa o pânico que pode rapidamente se tornar depressão.”

Andrew Solomon: chineses enviaram psicólogos e psiquiatras; já o presidente Donald Trump não teve o mesmo interesse | Foto: Reprodução

O isolamento afeta os povos de diferentes maneiras, mas há pontos comuns, sobretudo num momento em que pessoas estão adoecendo e a possibilidade de morrer é concreta. “As pessoas procuram umas às outras numa crise. Queremos proximidade. Sociedades mais estoicas terão mais facilidade, talvez. Não há sociedade pronta para um isolamento como agora é exigido.” A doença, frisa, é “contagiosa e ainda incurável”. O espírito gregário vai para o espaço. Veja-se um fato: na quarta-feira, 15, na fila de uma lotérica do Parque das Laranjeiras, em Goiânia, algumas pessoas usam máscaras, outras não. O que prevalece é o silêncio — ninguém conversa com ninguém e todos ficam dois metros afastados uns dos outros. A comunicação pela palavra cessou. Os indivíduos quedam-se cabisbaixos, ensimesmados — como se não quisessem ser “incomodados”. Uma mulher, abordada por mim, disse que estava “com medo do armagedom”. “É bíblico”, disse — e cortou o diálogo.

No isolamento é melhor estar com internet. Trocar mensagens,

ver amigos, descobrir se alguém está doente, falar com médicos

A internet está ajudando as pessoas? “A internet pode trazer desinformação, produzir gente de olhos vidrados num celular o dia todo. Mas no isolamento é obviamente melhor estar com internet do que sem. Trocar mensagens, ver amigos, descobrir se alguém está doente, falar com médicos. Não desfrutar uma experiência artística em grupo é uma perda terrível. Mas posso assistir a performances pelo computador. Ironicamente, este seria o momento mais importante para nos apoiarmos na experiência coletiva”, postula Andrew Solomon.

O scholar americano recomenda museus e leituras para ajudar no enfrentamento da crise. “O Metropolitan Museum de Nova York tem um maravilhoso programa online, e o Musée d’Orsay, de Paris, possui uma incrível coleção de impressionistas que se pode ver no computador. Tenho lido ‘Um Diário do Ano da Peste’ [publicado no Brasil pela Editora Artes e Ofícios, 288 páginas, tradução de Eduardo San Martin), de Daniel Defoe, e também Jane Austen para um escapismo delicioso, mergulhando num mundo perfeitamente seguro.” Andrew Solomon não diz que romance está lendo da escritora britânica. O Brasil parece apaixonado por sua obra — como “Razão e Sentimento” (“Razão e Sensibilidade”, em outras edições), com tradução de Ivo Barroso.

Seis sugestões de leitura: de Machado de Assis e Orides Fontela

ao médico Oswaldo Cruz, de Alexandre Yersin a Andrew Solomon

Primeira, o conto (ou novela) “O Alienista”, de Machado de Assis. Conta-se a história do médico Simão Bacamarte, um homem brilhante, que decide “tratar” as pessoas internando-as. Depois de isolar praticamente todos os moradores da cidade, inclusive sua amada mulher, decide liberá-los e se interna. Vale ficar de olho na história, quiçá precursora da luta antimanicomial, e também na maneira como Machado de Assis relata os fatos — com uma frieza (distanciamento) científica. A qualidade do texto — e a ironia tão sutil que mal parece ironia — é outro portento da prosa machadiana.

Segunda, “Sonhos Tropicais” (Companhia das Letras, 212 páginas), de Moacyr Scliar. É um romance sobre a vida do médico sanitarista Oswaldo Cruz. Terceira, “Vida e Obra de Oswaldo Cruz” (José Olympio, 186 páginas), do médico Clementino Fraga. O livro, por vezes, é árido, até chato e não muito bem organizado, mas o que interessa é que conta a vida de um médico excepcional que combateu epidemias no Brasil e morreu com apenas 44 anos. Políticos (e até médicos) jogaram pesado contra suas ações, sobretudo na questão da vacinação, mas ele resistiu, não arredando pé de suas posições.

Quarta, “Peste e Colera” (Editora 34, 206 páginas, tradução de Marília Scalzo), de Patrick Deville. Trata-se de um romance sem ficção sobre a vida do cientista suíço Alexandre Yersin, companheiro de Louis Pasteur e de Émile Roux (o cientista que indicou Oswaldo Cruz para o governo brasileiro, no início do século 20) no Instituto Pasteur. Yersin era um pesquisador extraordinário, que, além de descobrir a causa de doenças, soube também produzir a vacina. Mesmo tendo obtido sucesso cedo, optou por morar no Vietnã — isolando-se.  Ele nasceu em 1863 e morreu em 1943.

Quinta, a poesia da brilhantíssima Orides Fontela (o volume com sua “Poesia Completa” saiu pela Editora Hedra).

Sexta, “O Demônio do Meio-Dia — Uma Anatomia da Depressão” (Companhia das Letras, 584 páginas, tradução de Myriam Campello), de Andrew Solomon.